Quando
a sociedade de consumo corria à velocidade de cruzeiro tinha bastante sentido
referenciar-se um bem de consumo, altamente perecível, semiduradouro ou
duradouro, destacando uma marca, BIC, OMO, Gillette, Frigidaire, Michelin, Olá,
Pudim Boca Doce. Obviamente, com o poder da globalização e no quadro do
hiperconsumo, este fenómeno de marcação mudou de paradigma. Cada país tem uma
história própria. Como se escreve no livro Marcas Que Fazem Portugal,
por Margarida Vaqueiro Lopes, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Portugal é
um dos Estados-Membros com mais pedidos de registos de marcas, nas últimas duas
décadas. Mas temos marcas que nos são profundamente familiares, e algumas delas
já conquistaram o mundo, muito antes do quadro da globalização em que vivemos:
basta pensar no Mateus Rosé, conservas Ramirez ou o Porto Croft. A marca é uma
identidade, uma operação de confiança, um peso pesado no consumo material e
imaterial, sente-se apego e segurança, é quase uma antecipação de satisfação.
Estas
marcas que percorrem o país e o estrangeiro não andam em concorrência com os
chamados produtos brancos. O consumidor que vai ao Lidl, ao Aldi ou ao
Continente e procura produtos que têm referência comercial destas cadeias de
hipermercados sabe perfeitamente que está a escolher um produto um tanto
económico, tecnologicamente perfeito e seguro, estas cadeias comerciais estão
permanentemente vigilantes de que um fiasco gera um cenário aterrador.
A
autora de Marcas que Fazem Portugal fez uma escolha de dez marcas, é uma
seleção que obedece a critérios de sucesso, mesmo que tenha havido paragem ou
falência empresarial, deu-se depois uma retoma e a marca é de novo acarinhada e
a aparece nos escaparates pelo mundo fora.
Tudo
começa com a Bênamor, tem um século, nos laboratórios do Campo Grande apareceu
um creme de rosto, é produto da Nally, além do creme do rosto, creme de mãos
Alantoíne. A Nally parecia que ia desaparecer nos anos 1980, no início do novo
século as coisas mudaram, houve uma retoma bem acolhida por novos consumidores.
Nos anos 1930, a Bênamor criou um pó de arroz, juntou-se depois uma
água-de-colónia a uma pasta de dentes e depois um petróleo para tratamento
antiqueda. Abriu estabelecimento em Espanha e tem um acordo com a TAP para os
produtos que integram as bolsas fornecidas aos passageiros em classe executiva.
Quem
diz café diz Delta, hoje um conglomerado de dezenas de empresas, é 100%
familiar. A história do Rui Nabeiro é por demais conhecida e como revolucionou
a vida de quem vivem em Campo Maior. A Delta tem sabido pôr as pedras em todos
os tabuleiros, tanto se bebe Delta na cafetaria como em casa graças às máquinas
de café expresso. Há Delta com várias siglas, fazem-se parcerias com artistas,
às vezes parece não haver limites para a elasticidade de um produto a que se
associa popularidade e exclusividade.
O
Mateus Rosé tem mais de meio século e em 2022 representava mais de 10% de
exportações de vinhos nacionais. É a história do maior sucesso de sempre de uma
marca nacional: um vinho rosé fresco, vibrante e ligeiramente gaseificado
metido numa garrafa que parece um cantil, Mateus Rosé é Sogrape, a autora fala
de ícones que são apreciadores de tal vinho que em Portugal é um tanto
mal-amado, os rosés não podem competir com gente habituada a tintos robustos e
a brancos frutados. Dado curioso, escreve a autora, o mercado nacional continua
a ser muito importante para o Mateus Rosé, com vendas em Portugal a
representarem entre 15 a 20% das vendas globais.
Quando
já se falava de Olaio no pretérito, este mobiliário que entrou nos lares
portugueses entre as décadas de 1930 e 1980, voltou a ganhar vida, a partir da
segunda década deste século a Olaio renasceu com a qualidade e exigência de
sempre. “Os móveis Olaio – mesas de jantar, consolas, estantes, banquetas,
secretárias ou sofás – continuam a ser 100% made in Portugal, o que
contribui para valorizar a marca numa altura em que o mercado procura
autenticidade e qualidade. Quem está à testa do negócio quer continuar a inovar
e cumprir tudo aquilo que promete: qualidade, intemporalidade e exclusividade.
Há
um papel higiénico que nunca é tema inadequado em temas de conversa, chama-se
Renova, conta-se a história da empresa que tem a sua sede ali para os lados de
Torres Novas, a Fábrica de Papel do Almonda, há para ali espírito inventivo que
se farta, o papel higiénico preto rompeu com preconceitos, agora não faltam as
cores, usa-se na comunicação que se trata da marca de papel higiénico mais sexy
do planeta, mais que uma história de sucesso é um case study de prodígio
imaginativo.
Já
houve a pasta medicinal Couto, o medicinal caiu, chegou a ser um dentífrico de
vanguarda, depois apareceram a Colgate e a Pepsodent, a tecnologia
desenvolveu-se, a Couto, no presente, mantém a estratégia de não estar à venda
na grande distribuição, conhece uma boa percentagem nas expotações, e tem o seu
nome associado ao restaurador Olex. “Apesar da pasta Couto continuar a ser o
produto de referência - da fábrica saem
todos os anos cerca de 700 mil bisnagas -, agora há também águas de colónia,
cremes de barbear, desodorizantes, sabonetes (o único produto feito fora da
Couto), géis de banho, cremes hidratantes, colutórios, cremes de rosto e até
uma pasta dentífrica com flúor.”
A
senda destes produtos que percorrem Portugal e o mundo dão pelo nome de
conservas Ramirez, sapatilhas Sanjo ou Vista Alegre, a marca que em 2024
celebrou dois séculos de história, e também a Viúva Lamego, uma fénix
renascida, parecia um empreendimento no fundo ganhar vida; e o Porto Croft é uma das várias marcas desse
vinho que é referenciado em obras-primas da literatura mundial, a escolha do
Croft , tem a ver com as centenas de anos da marca e da casa vinhateira, tudo
isso é contado ao pormenor, os tremendos desafios por que passou a marca, e
como se impõe nos mercados internacionais.
A
autora, em jeito de conclusão recorda ao leitor que há factos curiosos
transversais a todas as marcas: a idade avançada das empresas que detêm cada
uma das referências, algumas têm um caráter profundamente familiar, e terem o
prestígio sólido de deixarem o passado sem deixarem de olhar para o futuro. E
faz-nos a chamada de atenção de que muito provavelmente muitas outras marcas
têm a sua atividade muito perto de cada um de nós. Porque as nossas marcas
fazem parte de um Portugal que continua a ter muito mais para dar ao mundo do
que apenas bom tempo, muitos quilómetros de praia e um povo acolhedor.
Uma boa leitura, do produtor ao consumidor.
Mário Beja Santos
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