segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Evocação de Sá Carneiro (2)

 
 
 



Negociações sobre a independência de Angola
 
 
         Como prometido na crónica anterior, passemos a contar mais um
saboroso episódio narrado pelo Dr. Francisco de Sá Carneiro em casa do Dr. Adriano Seabra Veiga, episódio em que o General António de Spínola, na sua qualidade de Primeiro Presidente Provisório da República pós-abrilista, dá mais uma pequena e eloquente amostra, na modesta opinião do narrador,  da sua ingenuidade e incompetência como político      
         Ao dar-se conta da maneira desastrosa como fora conduzido o processo de independência de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe, escassos meses após o 25 de Abril, o General Spínola mandou chamar o ministro sem pasta Sá Carneiro e disse-lhe que, quanto à independência de Angola, tinha de seguir-se um outro processo, para não se repetirem os mesmos erros; e que, para evitar isso, ele, na sua qualidade de Presidente da República Portuguesa, não autorizava que o Dr. Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de então, participasse nessas negociações, a realizar em Londres, uma vez que Mário Soares se deixava manobrar pelos comunistas, como já tinha acontecido com o processo de independência das outras quatro ex-províncias ultramarinas portuguesas. Que ia ser ele, Presidente da República, que se responsabilizaria directamente pelas negociações sobre a independência de Angola.
         O Dr. Sá Carneiro, perito em leis e em protocolo, fez ver ao Gen. Spínola que, na sua qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr. Mário Soares tinha que participar nessas negociações, por inerência de cargo. Que, se de facto não queria que Mário Soares tomasse parte nessas negociações, ao General Spínola só lhe restava uma opção: tinha que demiti-lo desse cargo.
         Mas o General Spínola tinha essa ideia tão arreigada na cabeça que não havia maneira de lhe fazer compreender que as coisas não podiam ser feitas dessa maneira. Que não senhor: que a questão da independência de Angola seria directamente gerida por ele, Presidente da República, e não pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros. Ponto final.
         E enquanto o General teimosamente argumentava com o Dr. Sá Carneiro, o Dr. Mário Soares passou duas horas a passear macambuziamente pelos corredores do Palácio de Belém, à espera das instruções do Presidente da República, antes de partir para Londres.
         Isto foi-nos contado, em tom ameno e jocoso, pelo grande e malogrado estadista, Dr. Francisco de Sá Carneiro, durante o referido jantar em casa do Dr. Adriano Seabra Veiga, médico e cônsul honorário de Portugal na cidade de Waterbury, estado de Connecticut.
 
 
António Cirurgião



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