quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016





impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 13 - STAN KENTON

 

Fotografia de William Gottlieb
 
 
É fácil detestar Stan Kenton. Os maestros e líderes das grandes bandas eram famosamente narcísicos, egocêntricos e até tirânicos – que ninguém se deixe iludir pela bonomia de Count Basie, o fino trato de Duke Ellington, ou o discrição de Gil Evans – mas só Stan Kenton teve a jactância ou a ingenuidade para exibir esses traços com birras públicas. “O mundo precisa de uma música forte!” pregou ele em 1947, numa das entrevistas que dava cheias de pontos de exclamação. Em 1950, num depoimento à revista DownBeat arrogou-se como cúmplice de Woody Herman e Dizzy Gillespie – que não foram tidos nem achados – para proclamar que as suas bandas se declaravam honrosamente culpadas de acabarem com o negócio da música de dança. Quem o fosse ouvir queria “música progressiva” e não dar ao pé.
O caso assumiria proporções desagradáveis em 1956, quando Stan Kenton se sentiu deliberadamente preterido nas escolhas das melhores orquestras do ano pelos críticos da DownBeat e enviou um telegrama à direcção da revista: “É óbvio que há um novo grupo minoritário, o músico de jazz branco. A única coisa que ganho com a opinião dos vossos génios literários do jazz é um profundo repugnância.” A réplica veio no editorial do número seguinte, pelo punho de Leonard Feather, que em privado desdenhava Kenton com o epigrama “Can’t Stand Him”, devolvendo-lhe a acusação de racista.
Já em final de carreira Stan Kenton consumaria o seu opróbrio na comunidade do jazz ao apoiar a candidatura presidencial Barry Goldwater, o nec plus ultra do conservadorismo republicano. Procuraria ele deliberadamente a maldição? Que ela não o abandonou pode-se constatar numa sondagem promovida pela revista JazzTimes, tão ulterior quanto 1997, para conjecturar quem era sub e sobreavaliado no jazz – três vozes apontaram o nome de Kenton nesta última categoria.
 
 

New Concepts of Artistry in Rhythm
1952 (2011)
EMI Music Distribution - 0688829
Stan Kenton (piano, maestro); Conte Candoli, Buddy Childers, Don Dennis, Maynard Ferguson, Ruban McFall (trompete); Bob Fitzpatrick, Keith Moon, Frank Rosolino, Bill Russo (trombone); George Roberts (trombone baixo); Bill Holman, Richie Kamuca (saxofone tenor); Lee Konitz, Vinnie Dean (saxophone alto); Bob Gioga  (saxophone barítono); Don Bagley (contrabaixo); Sal Salvador (guitarra); Kay Brown (voz); Stan Levey (bateria); Derek Walton (congas).
Levante-se o réu:
Depois de tantos libelos não deixa de ser surpreendente que qualquer antologia ou selecção do jazz, por mais que se contorça em face da óbvia antipatia que a personagem difunde, acabe por incluir San Kenton e, sobretudo, o disco “New Concepts of Artistry in Rhythm” no seu rol.
Entender-se-á melhor a sua música se nela forem realçados os cromossomas autenticamente californianos. A partir de meados da década de 40, ao passo que a labareda do bebop se propagava pela América como fogo na pradaria, a orquestra de Kenton cativou uma presença e uma influência quase hegemónica na cena musical de Los Angeles. Ciente de que a era do swing declinava, o maestro creu-se ungido para vaticinar o amanhã das big bands e arvorando-se arauto do modernismo replicou a bitola de Wagner (não é alegoria: em 1964 publicaria o disco “Kenton Plays Wagner”): a sua orquestra passou a ser maior e a tocar mais alto do que as outras, insuflada por um formidável trem de cinco trompetes e quatro trombones.
O estilo encorpou à medida do volume, assimilando no formato do jazz uma exaltação e uns agudos que emulam com nitidez a ansiedade de Dimitri Tiomkin e o suspense de Bernard Herrmann, cotadíssimos compositores de bandas sonoras cinematográficas, que à época poderiam ter sido vizinhos de Kenton. O arcaboiço rítmico onde assenta este pesado edifício resulta do fascínio pelo filão cubano que Dizzy Gillespie desbravara e da disponibilidade de Los Angeles como polo da emigração latina.
“New Concepts of Artistry in Rhythm”, se bem que possa ter as máculas da petulância e do ecletismo, acaba por ser o retrato musical de uma cidade, de um tempo e de uma ideia voluntariosa – enfim, de uma singularidade.
 
 
José Navarro de Andrade
 
 

 

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