quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016


impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 91 - TERENCE BLANCHARD

 


 
A hegemonia e a consistência dos irmãos Marsalis, liderados pelo primogénito Wynton, descobriu a influência do pai Ellis, até então desconhecida, na formação e na projecção daquela fornada de excelentes músicos que brotaram, como que de repente, de Nova Orleães, no início da década de oitenta. Formar quatro dos seus filhos e um par de amigos deles – Terence Blanchard e Harry Connick Jr. – e ainda, dez anos depois, ter instruído Nicholas Payton, deu ao magistério de Ellis granjeou uma notoriedade que honrou o labor da mal-agradecida e anónima multidão de professores particulares de música.
Wynton e Blanchard estão separados por três anos de idade – uma insignificância em adultos, mas um enorme desfasamento enquanto jovens. Ambos trompetistas, a comparação tornou-se inevitável e esta terrível distância etária não foi suficiente para se ouvir Blanchard como uma defluência ou uma progressão de Wynton, o que lhe daria espaço e oportunidade para se emancipar dele, mas seria mais do que bastante para perpetuar Blanchard como sombra de Wynton.
Embora o jazz seja um género musical mais encolhido que outros, é ainda assim capaz de contrariar aquele adágio dos western que assegurava serem certas cidades demasiado pequenas para acomodarem dois pistoleiros. Eximindo-se ao morgadio do mais velho, Terence Blanchard arredou-se da competição e portanto da acareação, com Wynton. A solidariedade geracional e bairrista levou este a indicá-lo como seu sucessor no posto de trompetista na formação dos Jazz Messengers de Art Blakey, onde várias levas de músicos entravam como estagiários e saíam doutores. Mas daí em diante Terence Blanchard partiu rum ao pôr-do-sol, à procura da sua voz própria e de uma carreira frutuosa.
Foi sobretudo como compositor que Terence Blanchard obteve alguma satisfação artística e adquirir um trem de vida agradável, permitindo-lhe não ter de abandonar residência na sua Nova Orleães natal e ficar em contacto com “as raízes”. Escreveu uma quantidade considerável de bandas sonoras cinematográficas, tendo como mentor Spike Lee, aceitou encomendas para bandas, espectáculos teatrais, performances e foi director artístico de inúmeros cursos musicais. No mesmo passo desenvolveu uma discografia para etiquetas de fino trato como a Columbia e a Blue Note, que o levou a sentar-se em treze ocasiões na secção de nomeados na plateia dos Grammys, tendo subido ao palco umas respeitáveis três vezes.
Tudo isto parecerá um hino ao conformismo, mas ninguém gosta de ter a barriga vazia, embora muitos gostem de fomes heróicas e mortes abjectas em nome da arte, desde que sejam as de outros, os que passaram a ser venerados depois de baixarem à terra, sem que na vida os seus admiradores lhes tivessem seguido o exemplo. Detentor de uma competência perfeccionista e tendo demonstrado possuir o toque da inspiração, Terence Blanchard integrou a linhagem de músicos que depois da década de 70 renunciou às mortificações do idealismo e optou pelo realismo, enfrentando a difícil opção de dizer que “sim” às incumbências sem se alienar – clube que tem como sócios honorários Herbie Hancock e Pat Metheney, por exemplo.
 

Flow
2005
Blue Note - 78273
Terence Blanchard (trompete), Brice Winston (saxofones tenor e soprano), Lionel Louke (guitarra), Herbie Hancock (piano), Aaron parks (piano), Derrick Hodges (contrabaixo), Kendrick Scott (bateria), Howard Dossin (sintetizador), Gretchen Parlato (voz).
 
 
Faltaria à trajectória de Terence Blanchard um marco que provasse o seu mérito para além da excelência convencional. Ele surgiu em 2005 com o disco “Flow”, uma produção com todos os matadores, porque entregue ao supino Herbie Hancock. Serviu o luxo de tempo para ensaios e de estúdio (é nestes pormenores que se consomem os orçamentos…) para reviver a experiência dos Jazz Mesengers, fazendo-se rodear de um grupo de jovens músicos à beira do futuro, mas ainda sem pé firme no presente, como o guitarrista Lionel Louke, ainda a três anos do seu estrondoso “Karibu”, ou o pianista Aaron Parks, também a caminho de se afirmar com “Invisible Cinema” – curiosa ou intencionalmente, todos rapazes da escuderia Blue Note, a editora de “Flow”.
Também no repertório de “Flow” Terence Blanchard demonstra liberalidade, entregando boa parte dos títulos à pena dos seus áulicos. Foi obviamente também trabalho de Hancock, que não se coibiu de participar ao piano nalguns temas, ligar numa tapeçaria harmoniosa o que tenderia a redundar em manta de retalhos. Mas por cima e por dentro, tecendo um fio de seda, paira o trompete de Blanchard. Em “Flow” a música vai para onde quer, mas até o mais empedernido ortodoxo convirá que nunca desabita o jazz.
 
 
José Navarro de Andrade





 

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