quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Variações sem fim.

 

 



Um curto trajeto de carro-carrinha com dois amigos a escoltar uma extravagante máquina do século 21 chamada Mimi. Atravessam-se, por um instante, as Variações Goldberg tocadas por Glenn Gould, as mesmas que andavam há semanas no topo do top da colorida playlist-spotify de um deles.

Patati-patatá, havia que amparar a extraordinária Mimi, a memória também já não é o que era – o meu disco está cheio, disse-me um sobrinho com sinapses mais velozes – e eis que não me ocorre o nome da outra, da interpretação alter-Gould que queria partilhar. “A outra” é uma das mais de cinco centenas de interpretações desta obra-prima de J. S. Bach, sem contar com as várias gravadas pelo próprio Glenn Gould (a última em 1981). Tão particular, tão à parte e, não sem razão, tão entronizada é a interpretação de Gould, que parece tê-las fechado todas ali, na dele, como quem fecha o assunto.

E pur, e porém, continuam a mover-se. Cada variação corresponde a um compasso da primeira, a Aria, e Bach deu-lhe para fechar o ciclo das Goldberg com a Aria da Capo, parecendo sugerir que nada está acabado nunca, que nada se acaba afinal.

É também assim que as retoma Zhu Xiao-Mei, numa das mais aclamadas leituras dos últimos 30 anos. Num programa em que foi ouvida incógnita e elevada a referência moderna, louvou-se-lhe a humanidade perante a partitura, a naturalidade com que a conta, dança, declama -- toda a luz das Goldberg, os seus murmúrios e reviravoltas, a sua poesia funambulesca.

E é, ainda, assim que é ela própria entendida no documentário The Return is the Movement of Tao (O Retorno é o Movimento do Tao), de Michel Mollard (2014), em torno da visão da pianista chinesa sobre as Variações Goldberg. Ela que na sua vida se amparou em Bach para derrotar Mao. O documentário pode ser visionado em acesso aberto aqui, onde também se encontra um concerto ao vivo de Xiao-Mei.

Boas festas, João e Maria


Manuela Ivone Cunha 






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