sábado, 23 de novembro de 2024

Natal em Novembro.

 


Comecei ontem à noite e ainda não parei, pois este é, de facto, um livro apaixonante, onde facilmente ficamos presos, enredados, sequestrados, ademais com muito gosto e prazer, eem doce síndrome de Estocolmo. 

Trata-se, se quisermos, de uma história cultural do surf – ou, melhor dito, de uma história culta do surf – escrita a partir de um assombroso trabalho de investigação e pesquisa (a bibliografia final é quilométrica, e só encontrei uma lacuna, e essa de certo vulto, o livro de Sven A. Kirsten, Tiki Pop, da Taschen, que deveria figurar numa obra que vai tão a fundo, e tão bem, na história do Havai; e, já agora, de Colapso, de Jared Diamond, que tanto fala das migrações no Pacífico e da Ilha da Páscoa).

Desenganem-se, porém, os que julgarem que a obra só trata de surf ou só poderá interessar aos fanáticos dessa modalidade marinha. Longe disso: além ou para lá do surf, o livro aborda coisas tão diversas como a epopeia dos açorianos no Havai, a génese da aeronáutica norte-americana ou a vida absolutamente extraordinária da condessa Canavarro (como é possível não existir um livro sobre ela em Portugal, Deus meu?!) ou a viagem do São Gabriel, entre o estertor da Monarquia e os alvores da República (como é possível não haver uma obra de divulgação sobre essa fabulosa odisseia?!).   

De permeio, escritores ilustres, como Jack London ou Agatha Christie, aventureiros, viajantes, um universo infindável de pequenas e grandes histórias. Por vezes, reconheço, o autor mete-se por atalhos e faz desvios de percurso, na ânsia de tudo explicar e tudo contextualizar – e também, estamos em crer, pelo fascínio que decerto sentiu ao descobrir tantas histórias d’assombração – como o compreendemos… Também por vezes, muito poucas, há um certo estilo wikipédico de apresentar as personalidades entradas em cena (veja-se, por exemplo, o modo como Pedro Arruda nos traz Ferreira de Castro, na página 176). Tudo pecados veniais, menoríssimos, em face da grandeza desta obra fascinante, que fica a par, ou até supera, outro livro que li sobre o tema, Dias Bárbaros. Uma Vida no Surf, de William Finnegan. Agora, com vossa licença, vou retomar a leitura, que está quase no fim, que pena. 


                                                                    António Araújo 

 

P.S. – também curioso: Luís Filipe Pereira Dantas, Juventude e Tribos Urbanas. Os surfers no Barlavento do Algarve, dissertação de mestrado em sociologia, Évora, Universidade de Évora, 1997. Concluiu-se aí que os praticantes da modalidade eram maioritariamente homens, de idades compreendidas entre os 16 e os 19 anos, nascidos e residentes em Portimão, com progenitores com diferentes graus de habilitações literárias, havendo maior predominância de mães com estudos superiores e, quanto aos pais, de empresários de comércio e quadros técnicos. O estudo é de 1997, pelo que é possível, até provável, que as coisas tenham mudado, com um crescendo de praticantes femininas e uma maior diversidade de origens sociais. Em todo o caso, aqui fica uma sugestão de leitura para Pedro Arruda, caso este leia esta nota, que julgo lhe interessará dado o seu conhecimento enciclopédico em matéria surfista, e não só. 



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