quinta-feira, 19 de maio de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 35 - SONNY CLARK

 

 

De Sonny Clark menciona-se pouco além da sua morte, mais temporã que a de Cristo, desperdiçando a vida e o talento aos 31 anos, às garras do ogre que dizimou o jazz daqueles tempos. Ficou ainda a sensação de que Clark acertou em cheio na mouche com a única bala que tinha na câmara ao criar “Cool Strutin’”. Não sendo justa, também não é inteiramente imperfeita esta impressão.
 
 
 
Assim como se pode cortar uma laranja em dois hemisférios pelo meridiano que se quiser, também é possível dividir os jazzmen em duas metades: os que se apoderam da música para exprimirem ou exorcizarem os turbilhões existenciais que os assolam e os que resgatam através da música uma bem-aventurança que a vida não lhes propicia, construindo édenes imaginários. Sonny Clark pertence a esta segunda espécie. Na vida material entregava-se com abandono aos estupefacientes e ao álcool, mas na vida musical – tão ou mais realista do que a outra, até porque foi nesta que a sua memória sobreviveu – terá sido uma das melhores companhias da sua geração para se ter ao piano. Intérprete constante e fiável, Sonny Clark não se impunha nem complicava e era homem capaz de se coibir por forma a acertar o passo à medida do que lhe pediam.
Pouco tempo demorou a Blue Note a empossar Sonny Clark como o pianista da casa, depois de se ter instalado em Nova Iorque em 1957. Nessa qualidade, que a pujança e a diversidade daquela casa editorial impedia que fosse meramente perfunctória, ele lapidou os seus predicados ao ter que escoltar personalidades exuberantes, sobretudo como Dexter Gordon nas históricas sessões de que deram origem a “Go!” e “A Swingin’ Affair”, nas quais Clark demonstrou um sentido do ritmo tão preciso quanto a noção de equilíbrio de um bailarino.
 

 
Cool Struttin’
1958
Blue Note / EMI - AWMXR-0003
Sonny Clark (piano), Jackie McLean (saxofone alto), Art Farmer (trompete), Paul Chambers (contrabaixo), “Philly” Joe Jones (bateria).
 
Em 1958 ainda mal gatinhavam os autores no cinema, nascidos em Paris do pai Bazin, e estava-se a 10 anos de serem perfilhados pelo padrinho Sarris nos EUA. Mais adiantado, o jazz convertia em protagonistas intérpretes até então subsidiários. Será este um dos atributos que fez de “Cool Struttin’” uma obra exemplar, conseguida por um quinteto de formidáveis segundas linhas que hoje seriam pontífices incontestados. A música resultante desta reunião saiu inteiramente agradável, sem arestas nem pregas, e, no entanto, exuberando um refinamento harmónico e uma naturalidade melódica de um gabarito só ao alcance de uma indústria, ou seja, de uma tarimba exigente e ininterrupta e de um ambiente de efervescente criatividade.
É espantoso verificar como este quinteto contraria o pessimismo da Lei de Murphy; nele se integram três notórios junkies do jazz da época: além de Sonny Clark, o saxofonista alto Jackie McLean, que imitou todos os vícios de Charlie Parker, e o contrabaixista Paul Chambers, sucumbido à heroína e ao álcool em 1969 com 33 anos – óptimos ingredientes para que tudo pudesse correr mal… Não correu, também porque a formação tinha dois pólos firmes: Art Farmer, tão discreto e tranquilo quanto inspirado e certeiro, e o baterista “Philly” Joe Jones, talvez no melhor ano da sua vida: na Primavera continuaria com Quinteto de Miles de Davis, no Outono, esteve no crisma de Benny Golson em “The Other Side of Benny Golson” e em Dezembro coadjuvou a ascensão de Bill Evans, tomando conta do ritmo em “Everybody Digs Bill Evans.”
Se fosse necessário designar um disco arquetípico do jazz exercido em 1958 “Cool Struttin’” bem poderia servir de modelo.
 
José Navarro de Andrade




 

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