sábado, 22 de junho de 2013

Um mês no Luberon: extractos dum diário provençal (9).










21-VIII
Aix revisitada

 

Na companhia da Susana e do marido José, que vieram passar uns curtos dias connosco, voltamos uma vez mais a Aix para uma jornada inteira na minha cidade predilecta, com passeio de comboio eléctrico pela cidade, flainando com necessária lentidão o Cours Mirabeau, a praceta do Tribunal e as ruas e lojas que se estendem em volta do centro histórico. Pedi ao José que me fotografasse sentado no rebordo do tanque dos Quatro Golfinhos, explicando-lhe que este obelisco desempenha na minha mitologia íntima o mesmo que a estação de Perpignan ocupava na de Salvador Dalí, ou seja, são ambos o umbigo do mundo, de modo que aqueles quarteto de golfinhos constituem, na pedra branca em que foram delicadamente cinzelados, uma espécie de bússola benevolente no meu caminho de infalível retorno a Ítaca. Engenheiro químico, portanto pouco sensível a estas extravagâncias literárias, o Zé não entende muito bem o que quero dizer com esta explicação, mas faz duas ou três fotos minhas no centro da praceta, prestando a devida homenagem de gratidão aqueles cetáceos que considero ligados a uma errância que só terminou em 1974. Mas dispenso-me de lhe dizer que aqueles quatro golfinhos de minha tão pessoal estimação derramam os seus jorros aquáticos num Mar essencial regido pelos quatro pontos cardeais, sendo eles os meus guias e garantia de que a nau invisível que me transporta pelos mares do Exílio me havia de conduzir ao meu porto.

A passeata até Aix permitiu-me voltar a Lourmarin, visitada também com a devido encanto pelos nossos dois convidados, assim como a aldeia de Cucuron, que sempre considerei a mais típica vinheta de Alphonse Daudet desta Provença que ele celebrou com encantadora sensibilidade e imaginação nas historietas das Cartas do meu Moinho. Todavia, não estou certo de que este livro mencione especialmente Cucuron, até porque, em obras como esta colecção de estórias provençais, o leitor recorrente acaba por misturar com os ambientes descritos pelo autor um ou outro cenário que ele mesmo decidiu adicionar arbitrariamente à memória que guardou da leitura do livro. Quando releio o conto das “Três missas baixas” que o reverendo Balaguère celebrou a correr porque tinha à sua espera, em casa, depois de celebrado o seu ofício religioso, uma ceia magnífica de carnes e vinhos papais, imagino sempre que a aldeia onde fica o castelo de Triquelage, em cuja capela o abade, vítima da sua gula, despachara o seu ofício para mais depressa ir saborear a ceia de Natal que o espera, lugarejo aliás não nomeado por Daudet, seria mesmo este. De modo que não se pode dizer que a aldeia em que se passa esta história de danação dum padre que perdeu o paraíso por ter atropelado o seu ofício das missas natalícias, fosse precisamente esta Cucuron das telhas cor de rosa, empoleirada num rochedo do Luberon, a terra das oliveiras e da boa cozinha, onde um bom cura pode perder o paraíso, espicaçado pelo Demo, por ter tido gula na noite de Natal.

Como são turistas conscienciosos, Susana e o marido levam-nos ainda, no carro deles, a visitar outros locais míticos do Luberon, como a cubista Gordes ou Rossillon, a aldeia das areias vermelhas. E com esta visita, creio ter cumprido o meu dever de turista anual da Provença, visitada e revisitada tantas vezes, o que me dispensa de aqui voltar nos próximos anos que se adivinham difíceis e pouco propícios a viagens dos pobres Lusíadas coitados!...
 
 
João Medina
 
 

1 comentário:

  1. Socorro! Há uma máquina automática de fazer textos á solta na internet. E chama-se João Medina... É o Xico Zé do romance, o Leal de Zezere da reportagem, o Henrique Raposo da crónica, a Maria Filomena Mónica da sociologia espontânea, O Abel Barros Batista dos estudos literários, A Clara Ferreira Alves da crítica, o Vasco Correia Guedes da futurologia, a Marina Costa Lobo da politologia, a Maya do futuro da Pátria. Morra o Medina. Pim! Pam! Pum! Reforme-se já e adira à APRE!

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