segunda-feira, 24 de junho de 2013

Um mês no Luberon: extractos dum diário provençal (11).








23-VIII                                                                                         
Isle-sur-la-Sorgue

 

Esta, sim, é uma das mais míticas aldeias provençais, celebrizada ainda por nela terem vivido algumas das grandes figuras da cultura francesa, tal como René Char, sendo uma das encruzilhadas que não cesso de visitar quando volto ao Midi. O seu nome é desde logo feliz, já que ela consiste, antes de mais, numa verdadeira ilha aldeã de verdura, abraçada por dois canais do rio Sorgue, que a envolve de frescura, de modo que em poucos locais desta região abençoada sabe tão bem flainar, passando por pequenas pontes, ao lado de várias rodas de alcatruzes de madeira – que agora são uma dezena e meia – que fazem circular estas águas oriundas da fonte de Vaucluse, a poucos quilómetros daqui, umas das águas-vivas mais atraentes da terra, com plátanos que a protegem de sombras os que nas suas lojas de antiguidades buscam os seus tesouros escondidos. Para mim, Isle é antes de mais uma terra com um alfarrabista que me apraz visitar, já que encontro sempre livros que me deslumbram sem me deixarem a bolsa vazia. Ainda anteontem aqui achei uma luxuosa edição da Odisseia em francês publicada pela Hatier, com apresentação de Erich Lessing e diversos estudos preciosos de Michel Gall e de Henrich Schliemann sobre Ítaca e ainda um erudito introdução ao mundo das imagens odisseicas por Hellmuth Sochtermann. É um verdadeiro regalo folhear este livro enorme, colorido e inteligente, dando do herói das mil astúcias um retrato ao mesmo tempo visual, marítimo e terrestre, com esse perpétuo Mediterrâneo obstinadamente atravessado pelo marido de Penélope no seu desejo de regressar ao lar.
 
 
João Medina
 
 
  

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