sexta-feira, 13 de junho de 2014

Herberto, S.A.






       É muito difícil, ou mesmo impossível, não admirar a poesia de Herberto Helder. Justamente por isso, gostaríamos de lê-la, de poder admirá-la ainda mais. Mas não. O poeta decidiu que o seu último livro, A Morte Sem Mestre, tem uma tiragem limitada ao stock existente. Herberto não dá entrevistas e recusa prémios, não atende telefonemas, está no seu direito. Publica com a chancela de um grande grupo editorial, está nos seus direitos. Até ao final do ano, sairá Servidões, de 2013, cujo e-book, informa-nos o departamento de marketing, estará à venda na livraria virtual Wook apenas «durante 30 dias», não mais. Não se percebe este jogo de esconde-esconde de Herberto com os seus leitores, que genuinamente o admiram. Para quê publicar apenas para alguns? Mais: não necessariamente para os que melhor podem apreciar a sua poesia (o que, aliás, seria um critério bastante elitista) mas para os que são mais lestos e ardilosos, e se apressam a encomendar a obra nas livrarias. O livro é acompanhado de um CD onde o poeta madeirense declama cinco poemas. Nada a opor. Mas, com isto, Herberto Helder alimenta a especulação – especulação financeira – em torno da sua própria obra. Favorece os açambarcadores, que reservaram para si  vários exemplares e que já andam a vendê-los ao triplo do preço original. A Morte Sem Mestre é título comercial, já tem cotação bolsista e foi o poeta, mais ninguém, que alimentou este mercado secundário. Herberto Helder está, sem dúvida, no PSI-20 da literatura portuguesa. E sabe-o. Mas não deveria ser aspiração de um poeta espalhar a sua palavra ao maior número possível de leitores? Porque prefere alimentar o frenesi mercantil em torno da sua obra? Em alternativa, essa sim radical, porque não guardou os seus versos numa arca encoirada, para que só o futuro lhe descubra o talento e estude a profundidade do génio? Repetimos: foi Herberto o autor dos poemas, tem o direito de fazer deles o que quiser. Mas também nós, pobres leitores, estamos no  direito de criticar este modo Rolex limited edition de trazer ao mundo uma obra literária, com acesso exclusivo para privilegiados (e privilegiados endinheirados, dos que pagam dezenas ou centenas de euros aos alfarrabistas d’olhão). A marca Herberto vende, pelo que é tratada como um produto exquis, só para o palato de escassos gourmets. Não exigimos que publique em edições de autor e lance as suas leaves of grass do alto do Elevador de Santa Justa, proclamando-as urbi et orbi. Todavia, a verdade é só esta: o livro foi lançado na segunda-feira, esgotou no acto. Como os bilhetes para os Stones ou para a final da Champions. Passei em cinco livrarias de Lisboa, em todas me perguntaram se tinha feito «pré-reserva». Não tinha. Logo, não posso lê-lo. A menos que queira pagar a um especulador o triplo do preço de capa. Para quê tudo isto? Nem se pode dizer que, deste modo, Herberto preserva a integridade da sua obra, que a resguarda do consumo de massas. Pelo contrário, assim favorece as massas, as massas que muitos irão ganhar à sua conta – e à conta do marketing da Porto Editora. Tudo isto, é certo, contribui para a aura mítica de auto-recluso que Herberto, com todo o direito, pretende projectar na esfera pública.  Mas, no final da cena, quem fica a perder? Quem quiser lê-lo. Estará isso bem feito? Será digno de quem ama e cultiva a palavra? Numa palavra: não.






12 comentários:

  1. Comercio puro e duro do poeta e da sua organização.Eu por mim passo.Infelizmente (?)para mim a poesia do nosso poeta não é insubstituível.Tambem não quero fazer coleção á custa do síndrome de abstinencia de algum leitor adicto.

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  2. Uma maneira de actuar que diz muito da peça. Não li e não gostei. Nunca li nada do homenzinho. A wiki diz que «é um poeta português de ascendência judaica». Deve ser relevante este dado, imagino.

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  3. Afinal não faltam versalhadas do velho Démea por aí a estrumar a rede. Fui ler. O homem não diz nada e não tem nada para dizer. É isso que vos encanta?

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  4. Vai levar bordoada.
    Este texto remete para aquela história de "O Rei vai nú!.
    Muito bem, um honra para este blogue ter iniciado a polémica.

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  5. Amo profundamente algumas palavras, não muitas, mas algumas. HH cria palavras que eu amo. Se não fosse amor, garanto-lhe, pela fantochada, pela a injustiça que comete contra quem o admira e quer ler, jamais lhe compraria um livro.
    Da primeira degustação, prefiro Servidões.

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  6. Com toda a ênfase que se vê em torno da edição única e limitada de "A Morte sem mestre", não deixo de ficar espantado que pelo menos três livros dele (em que ele traduziu e adaptou poemas de outros, mas à sua maneira, "mudando-os" para português), editados em 1997 (Ouolof, Poemas Ameríndios e Doze Nós num Corda, não estivessem ainda esgotados até há poucos dias, quando verifiquei pela última vez. Falamos de edições de, provavelmente, 1500 exemplares. Portanto, são 17 anos para esgotar uma edição bem mais limitada...

    Faz-nos pensar (ou repensar) o porquê deste inusitado interesse (que nalguns casos raia mesmo o insulto ou perto disso) pelas decisões de quem teve que passar a idade dos oitenta anos para ser conhecido fora de um círculo muito restrito de indefectíveis (tão pequeno que não conseguiu esgotar as tais edições de 1997...)

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  7. Tentativa de imitação , para o fracote , dada a exiguidade do mercado ( pois é de mercado que se trata ) de Salinger ou Pynchon...

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  8. Se já se sabia previamente o que iria acontecer, porque não fazer a pré-reserva?

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  9. Em tempo...
    Na 6ª feira fiz a mesma peregrinação por meia dúzia de livrarias de Lisboa. O resultado já descrito. À noite fui à feira do livro, sector da Porto Editora, pergunto se há e onde está. Que há sim, mas não em exposição... Só pedindo nas caixas de pagamento... Pus-me na fila, pedi baixinho, já cá o tenho dissimulado em caixa de sapatos. Indescritível o frisson de clandestinidade!
    Anda tudo parvo.
    Pedro Mesquita

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  10. De tanto renegar o mercado acabou enrodilhado nas suas malhas. Se foi ingénuo ou não é o que fica por saber, mas dá sinais de ser muito cioso desse outro bem transacionável que é a eternidade em vida. A comparação com Salinger ou Pynchon não colhe, porque estes resguardavam a sua figura e a sua vida pessoal da publicidade, mas não tinham a presunção de controlarem a edição dos seus livros. O único artista contemporâneo que consegue a todo o momento curto-circuitar as regras do mercado com acuidade é Banski - fabuloso Banski.
    José Navarro de Andrade

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  11. Na caixa central do stand da Porto Editora, na Feira do Livro, ontem à tarde, ainda existiam exemplares para venda...

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  12. Falta saber de quantos exemplares foi a ediçãozinha. A PE sabe muito. Toda a gente diz que esgotou, mas continua à venda na wook e na Bertrand...

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