sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A ilusão das pequenas (grandes) concessões.





 
 
Nos últimos dias tenho-me lembrado muito de Lasantha Wickramatunga. Tal como tantos outros jornalistas foi assassinado há cinco anos porque se recusou a abdicar da sua liberdade de expressão. Tal como os relatórios dos Repórteres Sem Fronteiras e os da Freedom House nos demonstram ser jornalista é uma profissão de risco. O jornal de Lasantha Wickramatunga, The Sunday Leader, era uma referência de independência e investigação jornalística num Sri Lanka cada vez mais amordaçado. Ao fim de tantos anos de guerra civil este país estava ameaçado pela centralização de poder nas mãos do Presidente e a caminho de uma ditadura. Mesmo depois das contínuas ameaças (a si e à sua família) e do brutal espancamento a que foi sujeito Lasantha continuou a escrever. Como na altura escrevi «Lasantha Wickramatunga, ao contrário de Santiago Nasar, o personagem de Gabriel García Márquez, sabia que ia morrer. Só lhe faltava saber quando. Assim, com muita coragem e determinação, escreveu ele próprio o obituário da sua morte anunciada». O «auto-obituário» foi publicado pelo jornal logo a seguir à sua morte e as palavras de Lasantha são arrepiantes. No texto intitulado «And then they came for me» este jornalista explica a importância da liberdade de expressão e de como pequenas concessões são na verdade falaciosas e o prenúncio do fim.
Já muito foi dito e escrito sobre o ataque ao Charlie Hebdo mas gostaria de chamar a atenção para um texto de David Rothkopf publicado na quarta-feira na revista Foreign Policy. Rothkopf centrou o debate na defesa da liberdade de expressão e de como este pilar das sociedades democráticas liberais e tão «incómodo» para terroristas ou déspotas como Kim Jong-un. De igual modo como lembrou Carlos Gaspar não foi aleatório a decapitação de um jornalista, James Foley, pelo alegado «Estado Islâmico» para dar início à barbárie mediática. Nesse sentido, os jornalistas estão na linha da frente (para usar o título do texto de David Rothkopf) sejam em Paris ou Bagdad.
Temos agora uma tarefa árdua pela frente. Em primeiro lugar, evitar a instrumentalização deste ataque para fins políticos. Por exemplo, a Frente Nacional voltou a lançar a questão da pena de morte, o fim do espaço Schengen e associação entre o Islão e o terrorismo como bode expiatório. Em segundo lugar, temos que estar muito atentos à introdução de legislação similar à norte-americana «PATRIOT Act», na qual em prol de uma «segurança a 100%» abdicamos de direitos e liberdades que nos distinguem enquanto democracias liberais.
E, por último, temos que evitar a autocensura e continuar a nossa vida de forma normal e sem medo. E reagirmos a exemplos como este de Tony Barber dado por Rothkopf. O colunista do Financial Times escreveu o seguinte na quarta-feira:
“This is not in the slightest to condone the murderers, who must be caught and punished, or to suggest that freedom of expression should not extend to satirical portrayals of religion. It is merely to say that some common sense would be useful at publications such as Charlie Hebdo, and Denmark’s Jyllands-Posten, which purport to strike a blow for freedom when they provoke Muslims, but are actually just being stupid.”
Tal como Rothkopf nos explica as últimas palavras (aqui realçadas) foram retiradas da versão original da crónica. Mas mesmo sem estas palavras a lógica é simples: talvez um pouco mais de «bom senso» não teria feito mal. E há mais exemplos deste «bom senso» ou das considerações sobre a «qualidade dos cartoons» ou os «limites à sátira» tais como estes apontados por Michael Weiss, que incluem o jornal The New York Times. Aliás o título deste artigo é muito revelador: «Je Suis Charlie (Until Je Get Scared)».
Tal como Rothkopf e Weiss a minha discordância é absoluta. Estas não são pequenas concessões em nome do «bom senso» ou dos «limites da decência». Talvez se Malala Yousafzai (e o seu pai) tivesse tido «bom senso» não teria sido baleada. Escrever um blogue sobre o direito à educação de todas as crianças, sejam rapazes ou raparigas, naquela região do Paquistão é certamente «insensato». A sua coragem e o apoio do seu pai são uma lição para todos nós.
Não tenhamos ilusões sobre o impacto destas «pequenas» concessões em nome do «bom senso»: são capitulações perante quem não tem limites e nunca dará tréguas. E também não podemos ter ilusões sobre o próximo ataque tendo em conta a luta pela supremacia da espectacularidade da violência entre o alegado Estado Islâmico» e a Al-Qaeda.
The Sunday Leader sobreviveu e continua a desempenhar o seu papel no Sri Lanka. E quando tudo parecia indicar (mais) uma vitória eleitoral fácil para o Presidente Mahinda Rajapaksa afinal … os cidadãos do Sri Lanka deram a maioria ao candidato da oposição.
Lasantha teria ficado orgulhoso do seu jornal e da sua morte não ter sido em vão.
 
Raquel Vaz-Pinto
 

1 comentário:

  1. Fatima ,Meca Jerusalem e outros menores são o ninho destas aberrações.Acreditem.

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