Nos últimos dias tenho-me lembrado muito de Lasantha
Wickramatunga. Tal como tantos outros jornalistas foi assassinado há cinco anos
porque se recusou a abdicar da sua liberdade de expressão. Tal como os relatórios dos Repórteres Sem Fronteiras e os
da Freedom House nos demonstram ser
jornalista é uma profissão de risco. O jornal de Lasantha
Wickramatunga, The Sunday Leader, era
uma referência de independência e investigação jornalística num Sri Lanka cada
vez mais amordaçado. Ao fim de tantos anos de guerra civil este país estava
ameaçado pela centralização de poder nas mãos do Presidente e a caminho de uma
ditadura. Mesmo depois das contínuas ameaças (a si e à sua família) e do brutal
espancamento a que foi sujeito Lasantha continuou a escrever. Como na altura escrevi «Lasantha Wickramatunga, ao contrário de Santiago Nasar,
o personagem de Gabriel García Márquez, sabia que ia morrer. Só lhe faltava
saber quando. Assim, com muita coragem e determinação, escreveu ele próprio o obituário
da sua morte anunciada». O «auto-obituário» foi publicado pelo jornal logo a
seguir à sua morte e as palavras de Lasantha são arrepiantes. No texto intitulado «And then they came for me» este jornalista explica a importância
da liberdade de expressão e de como pequenas concessões são na verdade
falaciosas e o prenúncio do fim.
Já muito foi dito e escrito sobre o ataque ao Charlie
Hebdo mas gostaria de chamar a atenção para um texto de David
Rothkopf publicado na quarta-feira na revista Foreign Policy. Rothkopf
centrou o debate na defesa da liberdade de expressão e de como este pilar das
sociedades democráticas liberais e tão «incómodo» para terroristas ou déspotas
como Kim Jong-un. De igual modo como lembrou Carlos Gaspar não foi aleatório a
decapitação de um jornalista, James Foley, pelo alegado «Estado Islâmico» para
dar início à barbárie mediática. Nesse sentido, os jornalistas estão na linha
da frente (para usar o título do texto de David Rothkopf) sejam em Paris ou
Bagdad.
Temos agora uma tarefa árdua
pela frente. Em primeiro lugar, evitar a instrumentalização deste ataque para
fins políticos. Por exemplo, a Frente Nacional voltou a lançar a questão da pena
de morte, o fim do espaço Schengen e associação entre o Islão e o terrorismo
como bode expiatório. Em segundo lugar, temos que estar muito atentos à
introdução de legislação similar à norte-americana «PATRIOT Act», na qual em
prol de uma «segurança a 100%» abdicamos de direitos e liberdades que nos
distinguem enquanto democracias liberais.
E, por último, temos que
evitar a autocensura e continuar a nossa vida de forma normal e sem medo. E
reagirmos a exemplos como este de Tony Barber dado por Rothkopf. O colunista do
Financial Times escreveu o seguinte na quarta-feira:
“This is not in the
slightest to condone the murderers, who must be caught and punished, or to
suggest that freedom of expression should not extend to satirical portrayals of
religion. It is merely to say that some common sense would be useful at
publications such as Charlie Hebdo, and Denmark’s Jyllands-Posten, which
purport to strike a blow for freedom when they provoke Muslims, but are actually just being stupid.”
Tal como Rothkopf nos explica
as últimas palavras (aqui realçadas) foram retiradas da versão original da
crónica. Mas mesmo sem estas palavras a lógica é simples: talvez um pouco mais
de «bom senso» não teria feito mal. E há
mais exemplos deste «bom senso» ou das considerações sobre a «qualidade dos
cartoons» ou os «limites à sátira» tais como estes apontados por Michael Weiss, que incluem o jornal The New York Times. Aliás o título deste
artigo é muito revelador: «Je Suis
Charlie (Until Je Get Scared)».
Tal como Rothkopf e Weiss a minha
discordância é absoluta. Estas não são
pequenas concessões em nome do «bom senso» ou dos «limites da decência». Talvez
se Malala Yousafzai (e o seu pai) tivesse tido «bom senso» não teria sido
baleada. Escrever um blogue sobre o direito à educação de todas as crianças,
sejam rapazes ou raparigas, naquela
região do Paquistão é certamente «insensato». A sua coragem e o apoio do seu
pai são uma lição para todos nós.
Não tenhamos ilusões sobre o impacto destas «pequenas» concessões
em nome do «bom senso»: são capitulações perante quem não tem limites e nunca
dará tréguas. E também não podemos ter ilusões sobre o próximo ataque tendo em
conta a luta pela supremacia da espectacularidade da violência entre o alegado
Estado Islâmico» e a Al-Qaeda.
The
Sunday Leader sobreviveu e
continua a desempenhar o seu papel no Sri Lanka. E quando tudo parecia indicar (mais)
uma vitória eleitoral fácil para o Presidente Mahinda Rajapaksa afinal … os
cidadãos do Sri Lanka deram a maioria ao candidato da oposição.
Lasantha teria ficado orgulhoso do seu jornal e da sua
morte não ter sido em vão.
Raquel Vaz-Pinto
Fatima ,Meca Jerusalem e outros menores são o ninho destas aberrações.Acreditem.
ResponderEliminar