O
11 de Setembro deu lugar a milhares de histórias, algumas delas verdadeiramente
incríveis. Uma das minhas favoritas é da Carta Vermelha, que caiu de um dos aviões esmagados contra as Torres Gémeas. Não
se sabe se ia no porão do primeiro ou do segundo avião, mas alguém a apanhou do
chão – e colocou-a no correio, onde chegou tranquilamente ao seu destinatário.
A Carta Vermelha
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Entre as várias imagens desse dia
terrível, a de «Dust man» foi das que mais se destacou. Caminhando sozinho
entre a poeira e os escombros, um lenço na boca para se proteger, a pasta na
mão, ele é a síntese perfeita do Homem em
Queda, título da novela de Don DeLillo cuja personagem principal se
inspirou muito de perto neste homem caminhando só entre ruínas.
Ed Fine
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A
imagem faz lembrar uma escultura que existia no World Trade Center. Double Check, de J. Seward Johnson, mostrava
um white collar a confirmar e a
reconfirmar se trazia consigo na mala qualquer coisa que desconhecemos. A história do próprio escultor, um dos herdeiros da milionária Johnson & Johnson, é
surpreendente. A história da estátua também vale a pena: encontrada nos
escombros das Torres Gémeas, andaria às voltas até regressar a casa, ou perto
dela. Mas, sem dúvida, a história mais fascinante é a de Ed Fine, o «Dust
man». Não sabia sequer que tinha sido fotografado, até um amigo lhe dizer que
ele era provavelmente o homem que aparecia na capa da Fortune. Ainda hoje utiliza a pasta que trazia e o sapatos que calçava a 11 de Setembro de 2001.
E guarda uma recordação, o bilhete do ferry
que o conduziu a Manhattan nesse dia, e que diz: «Enjoy your trip». Ed Fine era viciado
no trabalho. A tragédia daquele dia fê-lo mudar de vida. Vive em New Jersey com
a mulher, com quem está casado há quase cinquenta anos, tendo por perto os dois
filhos, Stuart e Heidi, com quarenta e muitos anos, quase tantos como os que Ed
Fine leva de casamento. Desde a tragédia de 2011, dedica mais tempo a si
próprio e à mulher, a conviver com os amigos e os filhos. Deixou de ser um workaholic.
J. Seward Johnson, Double Check, de 1982
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Se
há um «Dust man», existe também uma «Dust woman», uma imagem menos conhecida
mas talvez ainda mais impressionante do quea de Ed Fine coberto de cinzas. À semelhança
de Ed, Marcy Borders conseguiu escapar com vida do interior das Torres Gémeas.
Mas, após o 11 de Setembro, caiu no alcoolismo e no consumo de crack, perdeu a custódia dos filhos. Hoje, diz, é uma mulher
mudada, recuperada, que voltou a ter a guarda das suas crianças.
Marcy Borders
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Não
sabemos se estas histórias são verdadeiramente autênticas, se não há aqui alguma
mitologia tipicamente americana. Talvez Ed e Marcy não tenham mudado tanto como
isso. Mas, no outro dia, por um acaso que nem sei explicar, mandaram-me uma outra série
de imagens.
Sian
Davey fotografou o seu pai nos momentos finais de vida. Melhor dizendo, semanas
antes de morrer, após uma vida que a filha descreve como marcada pela
autodestruição. Nos dias derradeiros, só tinha três objectos: uma fotografia dela,
os medicamentos e um fato e uma gravata, «simbolizando a sua fantasia de pai
extremoso e de homem de negócios de sucesso» (palavras de Sian Davey)
Sian Davey, série Swept Under the Carpet
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Estas
histórias talvez não tenham nada em comum. Ou, pelo contrário, talvez haja um
fio invisível que as liga a todas. Ed Fine e Marcy Borders viram a morte de
perto e decidiram mudar de vida. O pai de Sian Davey fantasiou ser um homem de negócios
de sucesso, aquilo que Ed Sulivan era ou almejava ser. Ed e Marcy mudaram, ele não. Morreu
julgando ser o que não era, um bom pai e um profissional de sucesso. Talvez Ed
e Marcy tenham mudado de vida por tragédias alheias às suas existências, imprevistos que os
obrigaram a arrepiar caminho. Sian Davey fotografou a tragédia do seu pai, que
morreu sozinho, após uma vida em que se destruiu a si próprio – e aos outros. Impressiona
a forma como Sian fala do seu pai e dos seus últimos dias. Nunca se morre de
uma morte só.
Para mim, que o passei entre Lisboa e o Alentejo, foi um dia muito longo.
ResponderEliminarHoras antes nasceu o meu 1º neto, horas depois soube que a reunião que um dos meus filhos tinha no piso 44 da Torre 2 nessa manhã havia sido adiada.
Digamos que tive direito a duas vidas novas na minha...
RuiMG
Muito obrigado pelo seu comentário.
EliminarCordialmente,
António Araújo