sábado, 24 de janeiro de 2015

Mudar de vida.

 
 
 
 
 
 
O 11 de Setembro deu lugar a milhares de histórias, algumas delas verdadeiramente incríveis. Uma das minhas favoritas é da Carta Vermelha, que caiu de um dos aviões esmagados contra as Torres Gémeas. Não se sabe se ia no porão do primeiro ou do segundo avião, mas alguém a apanhou do chão – e colocou-a no correio, onde chegou tranquilamente ao seu destinatário.
 
A Carta Vermelha
 
 
      Entre as várias imagens desse dia terrível, a de «Dust man» foi das que mais se destacou. Caminhando sozinho entre a poeira e os escombros, um lenço na boca para se proteger, a pasta na mão, ele é a síntese perfeita do Homem em Queda, título da novela de Don DeLillo cuja personagem principal se inspirou muito de perto neste homem caminhando só entre ruínas.
 
 
Ed Fine
 
A imagem faz lembrar uma escultura que existia no World Trade Center. Double Check, de J. Seward Johnson, mostrava um white collar a confirmar e a reconfirmar se trazia consigo na mala qualquer coisa que desconhecemos. A história do próprio escultor, um dos herdeiros da milionária Johnson & Johnson, é surpreendente. A história da estátua também vale a pena: encontrada nos escombros das Torres Gémeas, andaria às voltas até regressar a casa, ou perto dela. Mas, sem dúvida, a história mais fascinante é a de Ed Fine, o «Dust man». Não sabia sequer que tinha sido fotografado, até um amigo lhe dizer que ele era provavelmente o homem que aparecia na capa da Fortune. Ainda hoje utiliza a pasta que trazia e o sapatos que calçava a 11 de Setembro de 2001. E guarda uma recordação, o bilhete do ferry que o conduziu a Manhattan nesse dia, e que diz: «Enjoy your trip». Ed Fine era viciado no trabalho. A tragédia daquele dia fê-lo mudar de vida. Vive em New Jersey com a mulher, com quem está casado há quase cinquenta anos, tendo por perto os dois filhos, Stuart e Heidi, com quarenta e muitos anos, quase tantos como os que Ed Fine leva de casamento. Desde a tragédia de 2011, dedica mais tempo a si próprio e à mulher, a conviver com os amigos e os filhos. Deixou de ser um workaholic.
 

 

 
J. Seward Johnson, Double Check, de 1982

 
Se há um «Dust man», existe também uma «Dust woman», uma imagem menos conhecida mas talvez ainda mais impressionante do quea de Ed Fine coberto de cinzas. À semelhança de Ed, Marcy Borders conseguiu escapar com vida do interior das Torres Gémeas. Mas, após o 11 de Setembro, caiu no alcoolismo e no consumo de crack, perdeu a custódia dos filhos. Hoje, diz, é uma mulher mudada, recuperada, que voltou a ter a guarda das suas crianças. 
 

 
Marcy Borders
 
 
Não sabemos se estas histórias são verdadeiramente autênticas, se não há aqui alguma mitologia tipicamente americana. Talvez Ed e Marcy não tenham mudado tanto como isso. Mas, no outro dia, por um acaso que nem sei explicar, mandaram-me uma outra série de imagens.
Sian Davey fotografou o seu pai nos momentos finais de vida. Melhor dizendo, semanas antes de morrer, após uma vida que a filha descreve como marcada pela autodestruição. Nos dias derradeiros, só tinha três objectos: uma fotografia dela, os medicamentos e um fato e uma gravata, «simbolizando a sua fantasia de pai extremoso e de homem de negócios de sucesso» (palavras de Sian Davey)
 
 





Sian Davey, série Swept Under the Carpet
 
Estas histórias talvez não tenham nada em comum. Ou, pelo contrário, talvez haja um fio invisível que as liga a todas. Ed Fine e Marcy Borders viram a morte de perto e decidiram mudar de vida. O pai de Sian Davey fantasiou ser um homem de negócios de sucesso, aquilo que Ed Sulivan era ou almejava ser. Ed e Marcy  mudaram, ele não. Morreu julgando ser o que não era, um bom pai e um profissional de sucesso. Talvez Ed e Marcy tenham mudado de vida por tragédias alheias às suas existências, imprevistos que os obrigaram a arrepiar caminho. Sian Davey fotografou a tragédia do seu pai, que morreu sozinho, após uma vida em que se destruiu a si próprio – e aos outros. Impressiona a forma como Sian fala do seu pai e dos seus últimos dias. Nunca se morre de uma morte só.        
 
 
 

2 comentários:

  1. Para mim, que o passei entre Lisboa e o Alentejo, foi um dia muito longo.

    Horas antes nasceu o meu 1º neto, horas depois soube que a reunião que um dos meus filhos tinha no piso 44 da Torre 2 nessa manhã havia sido adiada.

    Digamos que tive direito a duas vidas novas na minha...

    RuiMG

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário.

      Cordialmente,

      António Araújo

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