quinta-feira, 8 de setembro de 2016





impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 97 - WILLIAM PARKER

 

 

 

Fotografia de Peter Gannushkin
 

 

Muitos anos na crisálida se manteve William Parker, assimilando e acompanhando como se observasse o voto de silêncio de um catecúmeno, para enfim despontar em resplendorosa borboleta na primeira década do séc. XXI. Se aos 40 anos de idade John Coltrane tinha tudo feito e morreu, Parker demorou 48 anos até repentinamente ser um dos músicos mais polinizadores do jazz à sua volta. Um caso raro e excêntrico de frutificação tardia, num género historicamente drástico no qual ou se irrompe de maneira prematura, prestes a abalar os caboucos, ou se resiste à entropia do tempo, adquirindo a veneranda espessura de um patriarca.
Começar a meio foi então a sina de William Parker. Durante décadas habitou nos arrabaldes das vanguardas – atributo que se foi gentrificando e academizando – a levantar pontes entre gerações com uma discrição de engenheiro e, tal como cabe a um contrabaixista, a ser amparo de mãe dos audazes da boca de cena. Fiel ao preclaro Cecil Taylor na segunda metade dos anos 80 ao longo de uma dúzia de registos e um sem número de concertos, com ele Parker instruiu-se muito e aprendeu ainda a ignorar como vácua a polémica acerca da influência da tradição europeia – ou seja o leite da Escola de Dramstadt em que medrou a “música contemporânea” – sobre a música negra americana.
Cheio como um ovo, William Parker partiu a casca na alvorada do novo século e depois de ter sido sombra de muitas luzes, passou a irradiar brilho próprio e voraz, gravando como se não houvesse amanhã. E assim foi que a sua voz musical solevou entre a dos seus companheiros de bandeira Mathew Shipp (mais precoce) e David S. Ware (predecessora) com quem desbravava veredas abandonadas nos sertões do jazz.
 
 
 

 
O’Neal’s Porch
2002
AUM Fidelity - UM 022
William Parker (contrabaixo), Hamid Drake (bateria), Lewis Barnes (trompete), Rob Brown (saxofone alto)
 
Se houve para quem “O’Neal’s Porch” eclodisse qual relâmpago na estrada de Damasco, aos atentos a obra surgiu como aquele momento perfeito de síntese e corolário dos trabalhos anteriores, no mesmo passo em que preconiza novos compósitos, muito pouco experimentados, com os materiais de sempre.
Um dos benefícios da maturidade é privilegiar o que é belo e prazenteiro, em virtude de os desenganos da vida terem sobejamente demonstrado que são qualidades raras e delicadas. Com a veterania também vem alguma urgência: o horizonte começa a fixar-se e, às vezes a fixar-nos. “O’Neal’s Porch” é, assim, uma obra de júbilo e recreio que cita, desmonta, refaz, corta e cola, com o entusiasmo de quem tem um brinquedo novo.
É premissa deste quarteto que todos sigam linhas paralelas o que só dá certo se todos se ouvirem atentamente. A bateria de Hamid Drake bate o ritmo mas não se coíbe de se expandir como num solo – é a sua marca d’água – o que lhe permite fornecer constantemente ideias novas e instantâneas aos sopros. É Drake quem na verdade estimula o contrabaixo de Parker, o qual vai cerzindo e alinhando as costuras desta música, ambos chamando atrás de si o saxofone alto e o trompete respectivamente de Rob Brown e Leiws Barnes. Ou seja: o reverso da ordem natural das coisas. O tema de abertura dobra grade vénia a Ornette Coleman com direito a citação e tudo – quem sai aos seus não degenera.
 
 
 
José Navarro de Andrade




 

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