terça-feira, 21 de setembro de 2021

A caminho da escola, le chemin des écoliers.

 

 

De cada vez que é usada a expressão francesa rentrée em época de regresso às aulas, devia arranjar-se maneira de saltar logo para uma outra, infinitamente mais útil e, sobretudo, encantadora: Le chemin des écoliers.

E que tem de especial “o caminho da escola”? É que não é bem-bem o caminho para a escola, mas o caminho, ou caminhos, que a pequenada toma até lá chegar sempre que pode. Não o caminho mais direto nem o pré-determinado, mas aquele que se faz caminhando, desdobrado em múltiplos atalhos e desvios, ora encurtando o troço mais feio e sensaborão, ora enveredando pelo percurso mais longo e aventuroso, explorando as belezas das redondezas nas voltas e contravoltas -- e na brincadeira com colegas, é claro.

Não é, pois, um arrastar de pés cabisbaixo a retardar a chegada, uma procrastinação triste e resignada do encontro com o destino. Tomar o caminho mais longo, le chemin des écoliers, é uma flânerie viva e tónica, cheia de propósito.

Não é de admirar que na canção O Testamento, George Brassens quisesse “partir para o outro mundo pelo chemin des écoliers".

Se me pedissem para escolher de repente, assim à queima-roupa, a encarnação de tudo isso em música (“de repente”, porque se me ponho a matutar a coisa complica-se) seria a de Carl Philipp Emanuel Bach -- filho do outro grande Bach. Carlos Filipe Emanuel, filho de João Sebastião.

E escolhia, agora a dedo e muito espiolhadas, interpretações audaciosas, imaginativas, arejadas, ardentes, dessa música cheia de vida. Que não se limitam a executá-la como esperado e a tocam como se fosse ao mesmo tempo a primeira e a última vez.

Ficam aqui 5 minutos da primeira, da orquestra Pulcinella, de Ophélie Gaillard. Creio ser sobre ela que ouvi a um crítico, já meio enfadado após ouvir de enfiada uma mão-cheia de outras interpretações mais quadradas ou cinzentas, a seguinte tirada, irresistível de rabugice bem-humorada:

“Não há direito! Faltar a este ponto ao respeito a um grande compositor, filho de outro grande compositor. Devia ser proibido. Sempre a fervilhar de ideias, de alacridade, de chama, de brilho, de cor… Mas quem lhes pediu tal coisa? É ultrajante. Ainda por cima têm o topete de tocar bem. Se tocassem mal, ainda vá, ficava tudo mais sossegado. Assim não dá. Em suma: genial. O respeito é para os cemitérios. Isto vive, vibra!”

O mesmo se poderia dizer desta (mon coeur balance) e desta. E para não se pensar que cheia de vida é sinónimo de contentete e alegrete, eis este largo.

Nota: este texto foi redigido de acordo com… novas preocupações, éticas e estéticas.  Na minha rentrée, vou propor a estudantes que descubram o preceito escondido, o discutam com calor e arejamento, e redijam um parágrafo segundo o mesmo preceito, sobre assunto à escolha.


Manuela Ivone Cunha.




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