quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A Arquitectura da Felicidade.










Saiu há pouco entre nós A Arquitectura da Felicidade, de Alain de Botton. Neste livro, Alain de Botton permanece igual a si próprio: banalidades embrulhadas em celofane. Em todo o caso, a obra lê-se com algum interesse, sobretudo se tivermos em conta que ainda estamos na silly season. Mas o que não se compreende é a forma descuidada como o livro foi publicado pela Dom Quixote, uma editora prestigiada e com pergaminhos. Com tradução de Lucília Filipe e revisão de Tiago Albuquerque Marques, o livro, como quase todos os de Alain de Botton, é profusamente ilustrado, com imagens belíssimas e criteriosamente escolhidas. E, note-se, não é barato.  

A tradução foi feita a partir da edição inglesa e, por ignorância ou incúria, não houve a preocupação de verificar os títulos das obras citadas no texto. O resultado final é desastroso e risível. Na página 17, Vergänglichkeit, o ensaio celebérrimo de Freud, é apresentado como… On Transience. Mais à frente, na página 51, um clássico dos clássicos, In welchem Style sollen wir bauen?, de Heinrich Hübsch, surge como In What Style Shall We Build? Somos ainda informados, na página 62, que Le Corbusier publicou em 1923 um texto chamado Towards New Architecture. Estamos a falar de Vers une architecture, um dos manifestos fundadores do movimento moderno, porventura um dos textos mais importantes da história da arquitectura no século XX. Não é de somenos um engano destes numa obra inteiramente dedicada à arquitectura.  

         O tratado de Lavater, que inaugurou a fisionomia moderna, e que tem o título Physiognomische Fragmente zur Beförderung der Menschenkenntnis und Menschenliebe é apresentado como? Essays on Physiognomy (página 96). E o ensaio de Friedrich Schiller sobre estética? Sim, Über die ästhetische Erziehung des Menschen in einer Reihe von Briefen. Aparece, na página 152, como… On the Aesthetic Education of Man. Estes são alguns exemplos. Provavelmente, outros haverá.

         Na verdade, não se compreende o motivo pelo qual, em inúmeras ocasiões, não se traduziram os títulos dos textos para português; ou, caso se quisesse manter o título original, não houve a preocupação de indagar se os autores tinham efectivamente escrito e publicado originalmente em inglês. Não estamos a falar de desconhecidos: Freud, Schiller, Le Corbusier…

         O livro tem ainda gralhas, algumas aborrecidas: por ex., a famosa novela Mansfield Park, de Jane Austen, surge como Mansfierld Park (pág. 190). Mais grave ainda, na página 289 o Grande Incêndio de Londres aparece como tendo ocorrido… em Setembro de 1966.

         A Arquitectura da Felicidade é um livro apurado do ponto de vista estético, com dezenas e dezenas de imagens. O autor é conhecido e popular em todo o mundo. Por certo, os direitos foram caros, como caro é o livro à venda nas livrarias. Por tudo isso, e por respeito aos leitores, não se entende como foi publicado em Portugal desta forma tão desleixada.

 
António Araújo   





3 comentários:

  1. E, em cima de todas essas falhas, suponho que também está «escrito» no abjecto «acordês», não é verdade?

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    1. Por acaso, creio que não, caro Octávio. Não sou versado em «acordês», mas, se estivesse, deveria ser «Arquitetura», ou não?
      Um abraço amigo,
      António Araújo

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    2. Não necessariamente, caro António... O facto de se manter o «c» em «arquitectura» não quer dizer que, no resto, se siga o Português Normal e CorreCto.

      Repare: há pelo menos o caso de um jornal que decidiu adoptar o «aborto pornortográfico» mas que, porém, continua a escrever «espectadores» porque esta palavra sem o «c» é - obviamente! - ridícula. As perversões de Malaca, Bechara, Cristóvão & Cia. originaram, entre outras consequências, a multiplicação de ortografias «à vontade do freguês».

      A minha dúvida também surge tendo em atenção a editora que lança o livro... e o facto de se tratar de uma tradução.

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