Luciano
Amaral vem neste ensaio atualizar outro de sua lavra, datado de 2010, com o mesmo
título A Economia Portuguesa, As Últimas Décadas, Fundação Francsico
Manuel dos Santos; observou então, sem margem para controvérsias, que na raíz e
na complexidade do problema da economia portuguesa pesavam a fraca
produtividade, decorrente da proteção do setor não transacionável (bens e serviços não sujeitos a concorrência
externa) e que aparecem associados aos grandes projetos políticos
pós-revolução: o Estado-Providência, a União Europeia e o Euro. Lança sérios
avisos e uma inquietante chamada de atenção: “Há 15 anos que a economia de
Portugal não cresce. Apesar da expansão dos anos de 1950 a 1973 e da segunda
metade da década de 1980, assim como de uma evolução razoável após a
intervenção da troika e antes da covid-19, o PIB per capita
estagnou desde 2005. Dado este comportamento medíocre, a economia portuguesa
tem divergido face à média europeia, e os indicadores sociais do país têm
melhorado muito lentamente”.
É claro que o ensaio foi escrito durante a pandemia, não
inclui (e não podia incluir) nada do que atualmente se está a passar no quadro
mitigado da pandemia. Ele bem nos alerta que ainda não conseguimos perceber as
consequências totais relacionadas com estes tempos de pandemia, supostamente
suaviasados, não esconde que o retrato que faz da economia portuguesa referente
à última década prolonga o retrato pessimista da primeira edição. Concluiu o
ensaio em setembro de 2021, a imprevisibilidade era e é enorme e não vale a
pena estarmos a especular sobre a aplicação da bazuca.
Começando
em 2010, procura mostrar no seu trabalho que “a ideia de um grande ciclo
uniforme de crescimento entre meados dos anos de 1980 e o final do século XX é
uma ilusão estatística decorrente da contiguidade temporal entre dois ciclos
diferentes, o primeiro entre 1986 e 1992 e o segundo entre 1995 e 2000”. E
avança os seus comentários sobre a evolução económica. O sociólogo António
Barreto escreveu em diferentes ocasiões que a década de 1960 foi o periodo
dourado da economia portuguesa, não coincide com o que propõe Luciano Amaral
que a posiciona entre 1950 e 1973, os tempos que se seguiram foram medíocres.
“A diferença de comportamento do PIB per capita e da produtividade de
1974 e dos dias de hoje explica-se por duas razões: a primeira é que foi
possível, durante algum tempo, financiar com capitais ou por transferência
externas a incapacidade da economia para pagar o seu nível agregado de despesa:
quando esse financiamento parou, começou o endividamento. A outra razão é que
houve um considerável aumento da taxa de emprego. Este aumento resultou
sobretudo da expansão da participação feminina no mercado de trabalho, mas
também, durante algum tempo, da absorção do desemprego cirado entre 1974 e
1975. Foi graças a essa reserva de mão-de-obra que se tornou possivel aumentar a
relação comparada em termos do PIB per capita, uma vez que a
produtividade recuperou muito lentamente. No futuro, nem as disponibilidades de
financiamento externo nem a reserva de mão-de-obra, voltarão a estar
disponíveis da mesma forma. Torna-se assim claro o grande problema da economia
portuguesa: a produtividade no longo prazo”.
A sua atenção também se orienta para a aparente
contradição entre a fraca convergência económica e a quase completa
convergência em termos político e instituicionais. O nosso modelo de
Estado-Providência é muito próximo dos que existem na Europa, só que o caminhoa
percorrer na economia é de grande lonjura. E dá-nos conta das razões da nossa
baixa produtividade e põe outra questão: “Restaurar a competitividade da
economia contradiz, neste momento, outros elementos nucleares da organização da
sociedade da comunidade política portuguesa (seja a abertura comercial na UE,
seja a participação na UEM, seja a instalação do Estado-Providência)”. Há para
ali aspetos inconciliáveis. O ensaio divide-se em duas partes: temos a evolução
da economia portuguesa, dos anos de 1950 à atualidade e uma parte temática que
vai do Estado-Providência, passando pelo crescimento económico até à última
década (2011-2021). No final da primeira parte procede a um balanço e deixa um
comentário que, penso, nenhum quadrante político irá refutar: “Não obstante a
retórica de muitos governos, a verdade é que todos eles seguiram política
conducentes à expansão da despesa pública”.
Na segunda parte o seu olhar debruça-se sobre o
funcionamento do Estado-Providência, a lentidão do crescimento da
produtividade, questiona a baixa qualificação da mão-de-obra portuguesa, o
mercado de trabalho, o sistema educativo e não se furta à controvérsia se a
nossa economia é mesmo um caso de sucesso internacional. “Quando pensamos em
Portugal, os casos que mais se prestam a comparação são os do Mezzogiorno
italiano ou da Alemanha de Leste. As semelhanças são muitas: tal como Portugal,
ambas são regiões de uma união monetária; ambas têm graves problemas de
competitividade; ambas são economias incapazes de satisfazer com produção
própria as suas necessidades de consumo, encontrando-se, portanto, endividadas.
A grande diferença entre elas e Portugal é o facto de, para além de serem
regiões de uma união monetária, serem também regiões de países soberanos, não
se constituindo a suia dívida num problema nacional. O seu problema não é de
endividamento, mas de subsídio ou da receção de recursos provenientes das áreas
mais produtivas dos respetivos países. Tanto o Mezzogiorno como a Alemanha de
Leste só não são economias endividadas como Portugal porque são economias
subsidiadas. A dívida externa portuguesa mostra-nos a dimensão que o subsídio à
nossa economia atingiria caso a UE fosse também uma união política com
responsabilidades na transferência de recursos compensatórios. Mas enquanto
continuar a ser um país independente, Portugal não será automaticamente
benficiado com aquelas transferências, continua a correr o risco de
insolvência”. Faz referência à reorganização dos serviços públicos, ao papel
dos reguladores, como à Autoridade da Concorrência, mas recorda que algumas
reformas estruturais mais detalhadas ficaram por realizar. E no auge destes
problemas a pandemia entrou na economia, a UE adotou medidas de emergência, mas
as incógnitas são muitas. “Dez anos após a primeira edição deste livro não
estamos numa situação estruturalmente diferentes da de então. Os fundos
europeus para a recuperação serão evidentemente fundamentais para ajudar ao
equilíbrio externo imediato, mas o seu ponto fundamental seria contribuírem
para a manutenção desse equilíbrio de forma sustentada ao longo do tempo, o que
implicaria serem aplicados em atividades que permitissem aumentar as
exportações. Não é seguro que isso vá acontecer”.
De leitura obrigatória.
Sem comentários:
Enviar um comentário