segunda-feira, 19 de maio de 2014

Hip-Hope.

 
 
 
 



 
         Dizem os jornais de há dias que a Direcção-Geral de Saúde elaborou, pela primeira vez, um plano de prevenção de suicídios. Ao que parece, o número subiu recente e vertiginosamente. A DGS fala de uma «necessidade premente» de criar um «plano de prevenção», que é coisa que regra geral nunca dá em nada. Segundo os dados mais recentes, em 2011 houve 1.012 suicídios em Portugal. Culpa da crise, talvez. Mas, bem ou mal, há quem se dê ao trabalho inverso da nossa DGS: ensinar técnicas que facilitam o suicídio. A intenção não é necessariamente maléfica: já que alguém quer pôr termo à vida, que o faça da melhor maneira. Que cada um tenha o direito a morrer a sua própria morte, já dizia Torga, bardo telúrico. Todos se recordam quando foi publicado em França Suicídio. Modo de Usar, de Claude Guillon e Yves Le Bonniec. O livro suscitou uma polémica danada, creio que até foi proibido na sequência de uma vaga suicida que por lá passou. Entre nós, foi dado à estampa em 1990 pela Antígona, sem suscitar alaridos nem indignações. Ainda bem. Mas, para quem não quiser gastar os 5 euros que o livro hoje custa, mais portes de envio da Wook, e como a vida está pela hora da morte, há sempre o instrutivo Lost All Hope, um site pateta  que nos ensina a matar-nos, que é coisa que, além de dar uma trabalheira danada, não é assim muito asseada, e quem cá fica é que tem de limpar. Escusa portanto o Sr. Durkheim de falar em «suicídio altruísta» pois todo o suicídio é egoísta, pelo menos nisso: quem cá fica é que as paga. O Lost All Hope recomenda bibliografia e tudo mas, como é bimbo, não cita o livro de Claude Guillon e Yves Le Bonniec. Nem cita sequer os grandes clássicos, com David Hume à cabeça (aqui). Não recomendo nadinha o Lost All Hope, até porque o incitamento ao suicídio é crime punido por lei penal. À cautela, o Lost All Hope tem também um manual de prevenção, com delírios fantásticos como «a regra dos três dias». Que reza assim: se estás a pensar suicidar-te hoje, não te precipites; esperas até quarta, quinta-feira e, nessa altura, se a intenção autodestrutiva se mantiver muito forte, então vai em frente. Para os potenciais suicidas, haveria outra regra mais prática e produtiva: em vez de se matarem de vez, porque não traduzem Offences against one's self ? É um clássico dos clássicos, um texto extraordinário de Jeremy Bentham que, ao fim de séculos, ainda não foi traduzido entre nós, e que até interessa para a discussão sobre homossexualidade, etc. Traduzi-lo é uma boa alternativa. O facto de este ensaio de Bentham, segundo creio, não estar por cá traduzido levará certamente Vasco Pulido Valente a fustigar a ignorância dos «indígenas»; ou o digníssimo Unamuno a lamentar Portugal e o seu pueblo de suicidas. Nada disto interessa. Vamos lá traduzir o texto de Bentham, dando-se alvíssaras a quem o fizer, com garantia de publicação aqui no Malomil. E, já que estamos em domínios de negros humores, convém recordar, no remate final, que a múmia de Jeremy Bentham, por vontade deste, está preservada na Universidade de Londres. Ao que parece, primeiro restauraram o corpo e só depois a cabeça, que mereceu tratamento à parte. Em certas ocasiões, colocam-no a ele, Bentham, ou a ela, a sua múmia, à mesa das reuniões académicas, sendo qualificado como um membro «present but not voting». A morte é um lugar estranho.


A múmia de Bentham, muito quietinha


 

3 comentários:

  1. Também poderia recomendar "O Livro dos Coelhinhos Suicidas"...
    https://www.google.pt/search?q=coelhinhos+suicidas&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=FNd7U8ebJKSb0AXq_YDIAw&sqi=2&ved=0CDUQ7Ak&biw=1527&bih=868

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    1. Já o fiz, em tempos...
      http://malomil.blogspot.pt/2012/04/coelhos-suicidas.html
      Um abraço,
      António Araújo

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