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A França é a nação
anfitriã do próximo Campeonato da Europa em 2016. E há uma grande expectativa
que les bleus consigam repetir os
feitos do Europeu de 1984 e do Mundial de 1998 quando Michel Platini e Zinedine
Zidane lideraram a equipa francesa à vitória … em casa. Tudo indica que a França já fez a sua «estrada de Damasco»
e depois de anos muito tumultuosos voltou à ribalta. Foi difícil levar a cabo a
renovação da sua selecção depois de uma geração de ouro que «terminou» em 2006
com a derrota na final face à Itália. Aliás é sempre difícil levar a cabo uma
renovação depois de uma geração excepcional (mesmo com imenso talento
individual) sendo a Espanha de hoje o caso mais evidente. Em relação à França
assistimos a exibições decepcionantes que culminaram com o seu afastamento na
fase de grupos no Mundial em 2010. Foi pública a divisão do grupo, a contestação
relativa ao episódio Anelka e a relação difícil com o treinador Raymond Domenech.
O «escândalo» de ter ficado em último lugar do grupo na África do Sul foi tão
grande que ficou célebre a conversa entre o capitão Thierry Henry e o Presidente francês de
então Nicholas Sarkozy sobre o «fiasco francês».
Mas a julgar pela presença em massa do público francês
nos jogos de preparação (a França como anfitriã está automaticamente
qualificada), e dos quais o último em Marselha, no Stade Vélodrome, face à Suécia a 19 de Novembro é um excelente
exemplo, diria que os anos tumultuosos e infelizes são águas passadas. Do ponto
de vista do «regresso do público» o momento de viragem foi a vitória francesa
em casa, em 2013, face à Ucrânia no caminho para a «Copa» no Brasil. Os
franceses conseguiram anular a vantagem de dois golos dos ucranianos e acabaram
por vencer por 3 a zero.
O nacionalismo francês e o orgulho na sua selecção
nacional voltaram a estar na moda. Esta vaga nacionalista é, obviamente,
potenciada e instrumentalizada pela elite política com o intuito de projectar a
imagem de uma França «poderosa» além-fronteiras.
No entanto, esta mensagem de apoio à selecção não é
consensual na vida política francesa quando incluímos a Frente Nacional. Sem
dúvida que a actual líder, Marine Le Pen, tem um discurso muito mais
inteligente que o seu pai mas a questão mantém-se para os seus
correligionários: esta selecção representa a França? O que é a identidade
francesa face à imigração? Há um modelo? Os filhos de imigrantes nascidos em
França são «verdadeiros» franceses?
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Mas na formulação destas perguntas os franceses da Frente
Nacional não estão sozinhos a nível europeu. Ainda neste fim-de-semana a Suíça
teve mais um referendo onde a questão da imigração foi um tema forte. Não deixa
de ser curioso que uma das maiores vítimas de uma política mais restritiva será
a … selecção suíça. Se olharmos para os jogadores que venceram a Lituânia no último jogo relativo à
qualificação para o Campeonato da Europa temos: Jacques Moubandje (nascido em
Douala, Camarões), Johan Djourou (nascido em Abidjan, Costa do Marfim), Gökhan
Inler (filho de pais turcos), Haris Seferovic, Granit Xhaka, Xherdan Shaqiri,
Blemi Dzemaili, Valon Behrami e Admir Mehmedi (ascendência de países
resultantes do fim da Jugoslávia). E se olharmos para outros jogadores
igualmente importantes temos ainda Ricardo Rodriguez e Philippe Senderos que
têm também nacionalidade espanhola. O impacto da «imigração» tem sido muito
positivo e a Suíça fez a Argentina tremer nos oitavos-de-final no Brasil. Tendo
em conta este factor há quem imagine o que seria a selecção suíça sem os
«imigrantes».
E há quem
faça o exercício ao nível das várias selecções nacionais e mesmo quem o faça relativamente a jogadores de origem africana. O
que seriam as selecções sem os seus jogadores filhos de imigrantes ou
naturalizados? Há muitos exemplos mas poderíamos olhar para os italianos Angelo
Ogbonna (pais nigerianos) ou Mario Balotelli (nascido em Palermo de pais
ganeses). A Bélgica seria também uma selecção com baixas de peso tendo em conta
o capitão Vincent Kompany, Romero Lukaku, Kevin Mirallas, Moussa Dembélé, Marouane
Fellaini e Axel Witsel. A estes nomes apontados teríamos que juntar o agora
titular Radja Nainggolan da Roma. E os campeões do Mundo? A Alemanha ficaria
sem Mezut Özil, Shkodran Mustafi, Sami Khedira, Lukas
Podolski e Miroslav Klose (agora retirado da selecção). Mas é, sem dúvida, Jérôme
Boateng, um dos centrais indiscutíveis da selecção alemã e do Bayern de
Munique, que melhor ilustra esta questão já que o seu irmão Kevin-Prince
Boateng optou pela selecção ganesa.
Como podemos ver a imigração é um factor a ter em
conta no futebol. Para alguns destes imigrantes ou dos seus filhos o futebol é
uma forma de melhorarem a sua vida. Para os poucos que são talentosos o futebol
ao mais alto nível permite-lhes ter uma vida que muito dificilmente
conseguiriam alcançar. Jogadores de famílias abastadas como Andrea Pirlo ou
Gian Luca Vialli são a excepção à regra num mundo onde a maioria dos jogadores
tem um background humilde e muito difícil. Estes jogadores, tal como Atlas era
responsável por carregar o mundo sobre os seus ombros, têm a seu cargo toda a
família. Para além do seu talento e do mérito de o trabalharem, há outros
factores importantes na «curta» carreira de um futebolista tais como o seu
agente ou os clubes onde joga. A forma como os jogadores gerem a sua carreira é
um tema fascinante ao qual voltarei mais tarde.
E a selecção francesa? Se olharmos para a selecção que
deu o primeiro título internacional à França, em 1984, liderada por Michel
Hidalgo temos, entre outros, Jean Tiganá, nascido em Bamako, Mali e
naturalizado francês, Luis Fernández nascido em Espanha e … Michel Platini, filho de
imigrantes italianos. Mas foi a diversidade da equipa campeã do
mundo em 1998 (e que voltou a ser campeã europeia em 2000) que foi colocada no
centro das atenções. Desde logo, o herói Zinedine Zidane era filho de argelinos
e muçulmano não praticante. E também tínhamos, por exemplo, Marcel Desailly, Lilian Thuram, Christian Karembeu, Patrick Vieira, Thierry
Henry e David Trezeguet. Ficaram famosas as declarações de Jean-Marie Le Pen
insurgindo-se contra uma selecção que era «artificial», ou seja, não
suficientemente «branca» para ser francesa. A vitória categórica dos bleus na final contra o Brasil fez calar
a Frente Nacional mas não por muito tempo.
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A selecção
continuou a fazer parte da discussão política e a Frente Nacional a fazer dela
um exemplo do que não deveria ser considerado francês. Esta posição levou os
jogadores a apelarem ao voto em Chirac em 2002 contra Jean-Marie Le Pen. Em 2006 as críticas voltaram ao centro das atenções tendo Le Pen
acusado o treinador Domenech de sub-representar os «brancos». Tendo em conta os
anos difíceis vividos pela selecção até 2013 houve igualmente polémica nas
estruturas federativas francesas sobre a possibilidade de estabelecer quotas
para jogadores árabes e negros com dupla nacionalidade. Esta controvérsia que na altura envolveu o seleccionador Laurent Blanc foi
muito intensa e, em alguns aspectos, ainda está por resolver. Um exemplo desta
tensão verificou-se durante o Campeonato do Mundo no Brasil relativamente à
Argélia. Esta equipa fez um campeonato extraordinário tendo claudicado nos
oitavos-de-final perante a Alemanha por duas bolas a uma. Não só os festejos
dos sucessos argelinos levaram Marine Le Pen a afirmar que «temos que parar a imigração» e aqueles
envolvidos nas celebrações «têm de escolher: ou são argelinos ou são franceses…
não podem ser ambos», mas se a
Argélia tivesse derrotado a Alemanha encontraria… a França nos
quartos-de-final. Esta possibilidade que lembrou o desastre do jogo entre as duas selecções em 2001 levou a medidas
extras de segurança.
Mas foram as
recentes declarações de Willy Sagnol, antigo internacional e agora treinador
do Bordéus, que fizeram «rebentar» novamente os estereótipos e o racismo no
futebol francês. As reacções mais fortes vieram do jogador francês com mais
internacionalizações na selecção nacional masculina: Lilian Thuram. Este
jogador, nascido em Guadalupe, foi um defesa fabuloso na selecção (e nos vários
clubes por onde passou) e desde que se reformou tem-se dedicado ao combate ao racismo através da sua Fundação. Segundo Thuram há muito para
fazer em França e, em especial, em tempos de maior vulnerabilidade económica. A
sondagem efectuada este ano pela Comissão Nacional Consultiva de
Direitos Humanos demonstrou que o número de franceses que admitiam ser bastante
ou um pouco racistas tinha aumentado de 22% em 2012 para 35%. A estes dados
temos que acrescentar a popularidade eleitoral da Frente Nacional que inclui, pela primeira
vez, lugares no Senado e há mesmo quem advogue a candidatura de Marine Le Pen a
presidente em 2017.
O contexto francês é
preocupante mas não é o único a nível europeu. Para além do caso suíço há
muitos outros países onde há problemas sérios de racismo a nível do futebol: desde
a Itália à Hungria. E apesar da campanha da UEFA e da promoção de tolerância zero em matéria de
racismo há muito por fazer. Andrea Pirlo escreve na sua autobiografia como Mário Balotelli tem sido vítima de insultos
racistas nos campos de futebol italianos e como a sua figura é em si mesma um «antídoto
ao racismo» (pp. 131-134).
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E o que pode ser
feito? Durante a controvérsia sobre a possibilidade de se impor quotas no
futebol francês a jogadores negros e árabes com dupla nacionalidade Arsene
Wenger foi claríssimo: «o futebol nacional tem de ser identificado pela sua cultura
e pela qualidade da educação, não com as origens dos jogadores». E se há
selecção onde encontramos talento e mérito é, sem dúvida, a francesa.
Apesar da enorme falta que Franck Ribéry vai fazer (faria
em qualquer selecção no mundo) temos jogadores como Blaise Matuidi, Mathieu
Valbuena, Karim Benzema, Yohan Cabaye, Patrice Evra (agora na Juventus depois
de oito anos no Man. United) e Antoine Griezmann. Mas gostaria de destacar dois
jogadores: Raphaël Varane e Paul Pogba. Ambos são dois jogadores de classe
mundial com ... 21 anos. É um prazer ver Pogba a jogar na Juventus e tenho pena
que Varane não jogue mais no Real Madrid mas a competição é de facto (ainda)
muito dura.
Como podemos ver pelo enorme talento à disposição do
treinador Didier Deschamps (outro grande jogador) a renovação da selecção
parece garantida. Eu vou continuar a admirar o futebol e os seus jogadores pelo
seu mérito e talento. E esta selecção
continuará a dar muitas dores de cabeça à Frente Nacional.
Como diria Lilian Thuram vive la France, la vraie!
Raquel Vaz-Pinto
Eu diria a julgar pelas arbitragens decisivas no apuramento da França para as duas últimas grandes competições europeias para desgraça da Ucrania e sobretudo da Irlanda(gol com a mão)foi e é o Platini aos comandos da europa do futebol.
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