Debaixo de Ponte.

 

 

 

 

Uma vez, mostrei aqui a Torre de David, em Caracas, colosso semidesfeito, hino à miséria humana. A propósito da recentíssima publicação de Ponte City, um projecto fotográfico de Michael Subotzky (com a colaboração de Patrick Waterhouse), que culmina seis anos – seis anos – de pesquisa e labor, entramos hoje nesta torre cilíndrica. Começado a edificar em 1975, nos arredores de Joanesburgo, Ponte City Apartments era o maior arranha-céus residencial do continente africano. Com 173 metros de altura, era também o primeiro grande edifício cilíndrico de África. Ponte City era assim, alto e cilíndrico, pela simples razão de que os promotores imobiliários tinham pouco espaço de terra para muita ambição de lucro. Queriam construir o maior número possível de habitações num lote de terreno algo exíguo. Daí este tubo gigantesco, colmeia de luxo quando foi inaugurada, hoje um canudo de degradação total. Nos anos oitenta, a insegurança e a acção dos gangues tornaram-no pouco atractivo como lugar de residência. Com o fim do abjecto regime do apartheid houve efeitos colaterais, nem todos bons, como sempre sucede aquando das grandes mudanças. Alguns gangues mudaram-se para o Ponte City, que se foi deteriorando ano após ano, inexoravelmente. Hoje é um prédio semidestruído. Chegaram a existir projectos para começar tudo de novo, a partir do zero, reparando a torre, dando-lhe uma melhor imagem, chamando-lhe New Ponte. A crise do subprime exterminou a liquidez do investimento. A ganância do lucro, que lhe dera aquela estranha e bela forma cilíndrica, impediu agora que o edifício fosse reconstruído. De permeio, a invasão dos bárbaros. Não por acaso, já foi usado em filmes e séries. Há quem goste de ver estas coisas bizarras no conforto do seu lar.

 

António Araújo