A primeira edição portuguesa deste
livro surgiu, pasme-se, em 1975, o ano em que tudo era possível, até publicar
um livro sobre transexualidade e uma operação de mudança de sexo ocorrida em
Casablanca. Mas esta é uma nova e cuidada edição, com cuidada tradução de Paulo
Faria. A Tinta-da-china tem trazido Jan Morris ao conhecimento dos portugueses,
e ainda há dias se recomendou aqui Manhattan
’45. É do melhor que existe em literatura de viagens, e este Enigma também é, num certo sentido, um
livro de viagens, ou de uma viagem, um livro que nos leva a um país que ainda
temos por bizarro e estranho. Quase cinquenta anos depois de ser publicado, o
relato autobiográfico de Jan Morris, e o que ela nos conta sobre a provação de
ter nascido num corpo masculino, continua a merecer ser lido, até porque Morris
não adopta o registo revoltado e agreste muito típico neste tipo de
depoimentos. Podemos pensar o que quisermos sobre a transexualidade, mas, como
em tudo na vida, convém ler e estudar antes de opinar; neste caso, ler um
testemunho na primeira pessoa do que significa ser transexual. Não
necessariamente para extrair daí opiniões políticas ou conclusões genéricas,
para tomar partido a favor ou contra. Nada disso. Aqui o que importa é ler
apenas, sem preconceitos nem ideias feitas, num sentido ou noutro. Ler e
sobretudo ouvir o que nos diz Jan Morris, sobre o que significa ser como é, e
ter nascido e crescido de outra maneira, em permanente e atormentada dúvida.
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