domingo, 5 de janeiro de 2014

Irmãos génios.




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Otto Glória e Vinicius de Moraes. Lisboa, Novembro de 1968









EUSÉBIO (entre um adeus e um «whisky»). DIÁLOGO COM VINÍCIUS




Por Neves de Sousa







- Este cara você não precisa de apresentar. Senta aqui, Eusébio, senta.


Eusébio ficou de pé. Olhando e sorrindo. Estendeu a mão sem jeito de menino sem jeito.


          - Pois, não posso… Tenho de ir. Mas eu conheço o senhor. Eu vi o seu «show» na Argentina.


Eusébio, menino sem-jeito, lá da beira-praia estendido à porta do muceque. Menino que deu volta ao Mundo: e deixou o pé descalço justamente para calçar as botas.


- Quando o Benfica lá esteve, o senhor recorda?


Maniqualmente, o poeta diz que sim.


- Foi em Agosto, O Pelé estava comigo, o sr. Vinícius lembra-se?


Ficaram-se, por instantes. Vinicius dizendo que, Eusébio pensando que. «É, dessa vez o “show” não estava muito bom, não». Eusébio morno, pondo água na fervura, saindo do beco: «E os outros, os outros não vieram?»


- Baden veio.


- E as moças? - quer saber o negrão – E as moças?


- Ficaram a gravar nos Estados Unidos. Mais tarde…


O copo sobe e desce, na mão fremente do poeta único. Eusébio quer dizer adeus. Cristina de Moraes, a mulher de Vinícius, pega o fio da meada:


- Eusébio, você sabe? Eu sou «vidrada» por você…


Cristina é fã do futebol. Conhece, salteado e de cor, os nomes e os feitos dos craques de continente e meio. Para ela, o ídolo é Rivelino.


Eusébio condescende:


- Foi o melhor. No jogo da F.I.F.A. ele foi o melhor.


- E o Gerson? Já imaginou que está jogando o Corintians? Miséria, Eusébio, miséria….


Vinícius espera que lhe encham o copo.


- Aqui, em Lisboa, o espectáculo vai ser no dia 12.


Eusébio promete:


- Eu não vou faltar!


Foi então que Otto o chamou. E Vinícius ficou entregue a Costa Pereira, e este bombardeado por dois fogos: Cristina, que logo ali se lembrou do «arqueiro» que saía do «arco» e defendia com a cabeça; Vinícius que dava parabéns. Vinícius que batia a tecla daquele contentamento-bebé que está na raiz de algo que se chama génio…


            Pois é.




Diário de Lisboa, 25 de Novembro de 1968
 
 
 
 
 

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