quarta-feira, 1 de abril de 2015


impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 
 

# 55 - LENNIE TRISTANO

 

 
Fotografia de Roberto Polillo
 
 
Quase todas as suas fotografias são formais, num preto e branco muito contrastado, com uma sombra nos olhos. Cego de nascença e seco de carnes, de perfil ascético e senhor da sua própria ortodoxia, Lennie Tristano demonstrou ser uma das personagens mais fugidias do jazz do seu tempo.
Vindo de fora da tradição e tendo subsistência estável como professor de música, a sua rigidez conceptual e algum criticismo fizeram de Tristano um objeto estranho ao meio. Não deixa de ser curioso que tenha granjeado bastante consideração entre os principais do be bop, já que das várias linhagens formadoras do cool, um dos cromossomas primevos e mais férteis forneceu-o Lennie Tristano. Ou não tivesse sido ele o mestre de Lee Konitz, comparsa de Miles Davis em The Birth of the Cool.
O estilo de Lennie Tristano inspirava-se ao mesmo tempo em Art Tatum e Bach, o que constituiu uma das razões para que Charlie Parker o definisse lapidar e elogiosamente: “I call him the great acclimatizor”. A outra razão terá sido porque Tristano conseguiu aclimatar a escala cromática ao jazz, ainda mais do que o próprio Parker, que tinha fama de não desperdiçar nenhuma nota.
          Do muito que Lennie Tristano tocou ao vivo pouco ficou. Sempre especioso com os contratos, assinou para a etiqueta Atlantic os disco “Lennie Tristano” em 1955 e “The New Lennie Tristano” em 1962, que em posteriores edições acabaram fundidos numa peça.
 
 
LENNIE TRISTANO /
THE NEW LENNIE TRISTANO
1955-1962
Atlantic / Wea 71595
Lennie Tristano (piano); Lee Konitz (saxofone alto); Peter Ind, Gene Ramey (contrabaixo); Art Taylor, Jeff Morton (bateria).
 
Entre outras singularidades os quatro primeiros temas assentam em experiências técnicas assaz iconoclásticas. Em “Line Up” e “East 32nd” a fita de registo foi ligeiramente acelerada na transcrição para o suporte e tanto “Requiem” como “Turkish Mambo” resultam de sobreposições de três pistas, dando a impressão de haver mais do que duas mãos ao piano.
Estas invenções criaram celeuma. Por exemplo, o poeta e aficionado de jazz Philip Larkin, considerou “Line Up” brilhante, claro, mas sombrio e opressivo produzindo o efeito de uma pessoa a tocar só com uma mão. Já “Requiem” que supostamente Tristano compusera e tocara no funeral de Charlie Parker, tem um inusitado sabor a blues, coisa rara no repertório do pianista.
         Após estas quatro irreverentíssimas faixas iniciais, aquilo que antes constituía ao lado B de “Lennie Tristano” prossegue em registo mais canónico, tanto em quarteto como em trio de piano, nos quais Lee Konitz tem espaço e tempo para desenvolver as suas melodias serenas. “The New Lennie Tristano” decorre em registo de piano solo, virtuoso e milimétrico, mas sem nunca perder o norte emocional. Três mundos contem este disco e tão alienígenas entre si.
Pouco depois destas gravações Lennie Tristano silenciou-se. No final dos anos 60 a cena do jazz ao vivo pedia exacerbamentos: musicais, emocionais e intelectuais. Bem o contrário da atitude contida de Tristano e do seu estilo esotérico. Também a sua relação com as editoras já conhecera melhores dias. Tudo junto, fez com que ele se retirasse, dedicando-se quase exclusivamente ao ensino. De metrónomo em punho, minucioso com o legato e com o staccato, tratava os alunos com cordialidade e exigência.
Assim como chegou, Tristano partiu; mas deixou um legado cuja sensibilidade tem aumentado com o tempo.
 
 
José Navarro de Andrade




6 comentários:

  1. Devia ter vergonha mas não conheço ou melhor conheço o nome mas não a musica que é o que interesa .Mais despesas.Obrigado.

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    1. Not so fast.
      Hoje vou colocar à disposição de todos o "Intuition" com Warne Marsh e
      Lee Konitz.
      Temos que ser uns para os outros.

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    2. Ferol: para já não há que ter vergonha de nada, o que eu tenho descoberto ao ir fazendo estas fichazitas...
      F.A. obrigado pelo apoio musical.

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  2. Ha um outro pianista que eu gosto particularmente e que tambem era cegoi.Tive a oportunidade de o ouvir ao vivo.Quase não se fala .Catalão.Tete Montoliu.Merecia creio reedições que estão tanto em voga em caixas generosas que me fazem chorar o dinheiro que gastei pelos que ja tenho.Enfim é a vida.

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