quinta-feira, 9 de abril de 2015




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 


# 92 - CHUCHO VALDÉS

 

 

 
Esboçar a saga da breve dinastia dos Valdés descortina, de algum modo, os dilemas da Cuba contemporânea. Jesús “Chucho” Valdés é filho de Ramón “Bebo” Valdés, cuja vida mal coube em 94 anos. Na década de 50 destacou-se como regente e pianista titular do lendário Cabaret Tropicana, onde assomou a dois píncaros: o de ter competido com Pérez Prada no florescimento do mambo e o de ter secundado Nat King Cole, cuja voz de chocolate ofuscou os seus admiráveis dotes pianísticos, com quem cimentaria sólida amizade. Depois Castro tomou Havana, chamando a si os foguetes do ano novo de 1959. Bebo não aceitou socializar-se nem integrar as cooperativas de músicos estatuídas pelo nova ordem e exilou-se para sempre de Cuba, acabando por domiciliar na gélida Suécia, cativado pelo fogo do amor.
É um dissabor das revoluções socias que também trespassem os umbrais do lar. A insubmissão do pai Bebo à lei dos insurgentes instigou a rebeldia do filho Chucho contra o pai, optando por ficar em Cuba e aderir ao regime. Desde então tratado nas palminhas pelo poder, decerto com doçura este lhe alvitrou que deixasse de chamar jazz à sua música, malfadado vocábulo yankee, logo ideologicamente reprovável, e Chucho fez-lhe a vontade – que não o apoquentassem valeria bem um vocábulo – passando a apelidar de “Afro-cubana” a sua continuada inspiração nas técnicas pianísticas de Dave Brubeck, Bill Evans ou McCoy Tyner, actualizadas com audições nocturnas dos programas de jazz da “Voice of America”.
Dezoito anos sem se verem estiveram pai e filho, até ao dia de 1978 em que tocaram juntos no Carnegie Hall. Por esta altura já Chucho liderava a banda Irakere, que nos intervalos da música de dança fazia um pézinho no jazz, nas barbas das autoridades. Continuavam elas muito de pé atrás com o cunho dissoluto deste género musical e, a bem ver, razão não lhes faltava, pois fora o jazz que deveras instigara Paquito d’Rivera, em 1981, e Arturo Sandoval, em 1990, a desertarem de Cuba, desfalcando o Irakere.
Em abono da verdade e para mal dos lugares-comuns, registe-se que em nenhuma declaração pública Chucho Valdés denunciou ou insinuou o mal de vivre que oprime tantos dos seus compatriotas. Ele entra e sai da ilha sem aparente constrangimento e oportunidades não lhe terão faltado para bater com a porta. Impedimento aos seus concertos nos EUA e à continuidade do seu contrato com a Blue Note ter-lhe-á posto a administração de George W. Bush em 2003, ao decretar o embargo dos vistos de entrada para os residentes em Cuba que viajassem com bilhete de ida e volta.
 
 


 
New Conceptions
2003
Blue Note 40496
Chucho Valdés (piano); Lazaro Rivero Alarcón (contrabaixo); Yaroldy Abreu Robles (congas); Ramses Rodriguez Baralt (bateria); Maylin Sevila Brizuela (violoncelo); Jacinto Joaquin Olivero Gavilán (flauta); Roman Filliu O’Reilley (saxophone alto); Inving Luichel Aacao Tierra (saxophone tenor).
 
 
Estaria Chucho Valdés ciente que “New Conceptions” seria o seu último trabalho para a Blue Note? Dava jeito que sim, porque legitimaria conceituá-lo como uma síntese enciclopédica, pois se, por um lado, é convocada para este álbum uma estarrecedora complexidade de referências, por outro, nunca perde coração para pulsar nem pés para dançar.
Chucho enceta a récita com a popular canção “La Comparsa”, espécie de matriz da cubanidade e ex libris dos Valdés. Dali até encerrar a função, com a longa batucada de santeria, a caminho do Além, em que desagua o medley “Homenaje a Ellington”, tudo vem ao caso no repertório de “New Conceptions”: o tema “Solar” de Miles Davis; “You Don’t Know What Love Is”, standard do Cancioneiro americano; três originais do pianista, em que pelo meio dos traços harmónicos de rumba, bolero, descarga, danzón – e mais que latinidades que houvesse… – irrompem citações ao virar da esquina. Um desses originais intitula-se “Sin clave pero com swing” – ora aqui está a revelação do segredo.
Enfiar o Rossio na Betesga, era o desastre em que descambaria o alinhamento de “New Conceptions”, não fosse o punho de ferro e os dedos de pássaro de Chucho Valdés. Aquela formidável mão esquerda faz o que lhe apetece e ao correr de um estilo bombástico como o de McCcoy Tyner e prolixo como o de Art Tatum, não deve ter havido nenhum efeito técnico que não tenha sido conjurado a descer neste disco – bem domesticado, porém, a vir comer à mão do pianista.
Em 2013 Chucho e os seus Afro-Cuban Messengers actuaram no Hollywood Bowl diante de uma plateia de 12.500 almas, na primeira parte de uma apresentação de Natalie Cole. Quando ela subiu ao palco para um dueto com o pianista, foi como se reatassem os fios do passado, os filhos fechando um círculo em nome dos pais.
 
 
 
José Navarro de Andrade



 

3 comentários:

  1. Tem um belo disco com uma cantora:Buika.

    ResponderEliminar
  2. Excelente, de todos tenho alguns.
    Vou publicar do filho o Solo cuja capa é a foto aqui publicada (por problemas técnicos vai tudo numa única faixa, sorry!)
    Do pai irá também outro e curiosamente também ao vivo e da Buika um trecho incluído no álbum de outra.
    O Nat King Colo fica para outra sessão.
    Do Bush não tenho nada.
    Até logo.

    ResponderEliminar