Em
mais uma das suas loucuras psicadélicas, a drª Isabel Moreira veio dizer que «a
Joacine é a prova de que ainda há portugueses de primeira e portugueses de
segunda. Se os de segunda forem negros, pior. Para mais, claro, Joacine é
mulher. Está, portanto, no fim da linha». Como?!? Li a desenvolvida reportagem
biográfica que a revista Visão
dedicou a Joacine Katar Moreira e, perdoar-me-á quem discorde, não encontro
grandes motivos para que ela se veja como «no fim da linha» ou que os outros a
vejam nessa posição. Aliás, dizer uma coisa dessas é um insulto e um ultraje a
quem está verdadeiramente «no fim da linha». Às irmãs de Joacine, por exemplo,
que, ao contrário dela, cresceram no Vale da Amoreira e não tiveram
oportunidade de prosseguir estudos superiores – como, aliás, a própria Joacine nos
conta, estabelecendo um contraste claro entre a sua situação e a das irmãs.
Dizer que Joacine está «no fim da linha» é um insulto à cabo-verdiana que há
alguns dias deu à luz uma criança numa tenda a poucos metros do Lux, sem que os
frequentadores desta discoteca se apercebessem sequer do drama que decorria em
seu redor.
Não quero entrar no discurso racista e
palerma de dizer que a Joacine é estrangeira e negra e tem mais é que estar
agradecida a Portugal, que cuidou dela e lhe deu um curso. O ponto é apenas,
sublinho três vezes, criticar o discurso vitimizador da deputada do Livre, o
retrato e autorretrato que dela existe como uma vítima de tripla discriminação,
por ser mulher, por ser negra e por ser gaga.
Vejamos: Joacine Katar Moreira nasceu numa família privilegiada da Guiné colonial («a minha família fazia parte dos civilizados, dos que tinham BI e podiam circular pelo território»), foi enviada para Portugal pela avó quando tinha 8 anos, veio estudar num colégio de freiras que, pelo que conta, não a maltratavam, aos 15 anos foi viver com o pai e a madrasta para Alverca, onde teve «liberdade total», aí escreveu poemas, trabalhou, estudou com distinção, entrou para a Faculdade. Ao vir para Lisboa estudar para o ISCTE, ficou hospedada numa residência universitária do Estado, mais próxima do local de estudo, que preferiu a continuar a morar não longe dali, em Alverca. Formou-se com elevadas classificações, ao que parece, pelo que aparentemente não foi alvo de discriminação académica. Doutorou-se, uma vez mais com mérito e sem sobressaltos. Fundou o IMUNE, o Instituto da Mulher Negra em Portugal, onde mensalmente organizava as Conversas às Escuras, espera-se que concorridas. Fez-se militante do Livre, foi eleita deputada da nação pelo povo soberano e, diz a revista Visão, ostenta o título de «primeira mulher negra a ser eleita deputada como cabeça de lista de um partido».
Vejamos: Joacine Katar Moreira nasceu numa família privilegiada da Guiné colonial («a minha família fazia parte dos civilizados, dos que tinham BI e podiam circular pelo território»), foi enviada para Portugal pela avó quando tinha 8 anos, veio estudar num colégio de freiras que, pelo que conta, não a maltratavam, aos 15 anos foi viver com o pai e a madrasta para Alverca, onde teve «liberdade total», aí escreveu poemas, trabalhou, estudou com distinção, entrou para a Faculdade. Ao vir para Lisboa estudar para o ISCTE, ficou hospedada numa residência universitária do Estado, mais próxima do local de estudo, que preferiu a continuar a morar não longe dali, em Alverca. Formou-se com elevadas classificações, ao que parece, pelo que aparentemente não foi alvo de discriminação académica. Doutorou-se, uma vez mais com mérito e sem sobressaltos. Fundou o IMUNE, o Instituto da Mulher Negra em Portugal, onde mensalmente organizava as Conversas às Escuras, espera-se que concorridas. Fez-se militante do Livre, foi eleita deputada da nação pelo povo soberano e, diz a revista Visão, ostenta o título de «primeira mulher negra a ser eleita deputada como cabeça de lista de um partido».
As três situações em que, segundo ela,
foi alvo de discriminação na vida são tão ridículas que nem vale a pena
contá-las (posso contar, mas se quiserem comprem a Visão). A própria, de resto, diz que nunca sofreu racismo
descarado, que «eram coisas muito subtis. Ao contrário do que vemos hoje nas
caixas de comentários, o racismo em Portugal era muito difícil de comprovar».
Joacine
Katar Moreira, depois, vai ao essencial: os filhos do seu pai, como ela e os
irmãos, por terem nascido e crescido em Alverca tiveram oportunidades, seguiram
estudos e o irmão e ela acabaram na faculdade. Já as irmãs da parte da mãe, por
terem crescido no Vale da Amoreira, não tiveram as mesmas chances. Di-lo a
própria Joacine. Quer dizer, o que motivou a diferente trajectória de uns e
outros não foi a ascendência, a cor da pele, o facto de serem mulheres ou
gagos. O que separou os irmãos Katar Moreira e lhes deu destinos diversos foi o
meio onde cresceram, eventualmente a pobreza ou outra realidade parecida.
Portanto, no caso particular de Joacine Moreira, ao contrário do que sucede com
os que crescem em meios sufocantes, sejam negros ou brancos, mulheres ou
homens, no caso particular de Joacine Moreira, dizia, a tragédia da discriminação
fez-se sentir de um modo muito lateral e, diríamos, pouco castrador do seu talento
e do seu mérito, reconhecido na escola e na faculdade, agora à prova em São
Bento.
É óbvio que há racismo e sexismo em
Portugal, como há discriminação das pessoas com deficiência (e é óbvio que ela deve ter tempo suplementar para falar e tudo o que necessite para expor as suas ideias e o programa do Livre, incluindo a leitura dos seus textos por terceiros, no hemiciclo, como advoga, e bem, Ricardo Sá Fernandes). Mas parece que,
acima de tudo, há discriminação dos pobres, se é que o exemplo da família de
Joacine nos consegue dizer alguma coisa. O que ele nos diz seguramente é que
ela não esteve nem está «no fim da linha», como afirma a outra deputada
Moreira. Joacine Katar Moreira não é a vítima indefesa que dela querem fazer,
nem serve grande coisa como protagonista ou bandeira de discriminação. Terá
sem dúvida outros méritos. Mostre-os. Para isso foi eleita. Joacine Katar Moreira
merece mais do que ser tratada como uma coitadinha, mesmo que ela própria ainda
não se tenha apercebido disso.
Isabel Moreira tem toda a razão. Joacine estava no fim da linha Sintra/Alverca. Por isso veio para uma residência universitária junto ao ISCTE.
ResponderEliminarConheço jovens que vivendo a 80 kms de Lisboa vão e vêm para e da Faculdade de transportes públicos diariamente por não terem suporte financeiro para pagar um quarto em Lisboa. Outros acabam por desistir. Não estão no fim da linha, porque estão sempre a meio dela.
Antes de mais nada, devo afirmar que não nutro qualquer tipo de simpatia por Joacine Katar Moreira (JKM). Cá para mim (e até ver) está no Parlamento a fazer a mesma figura “decorativa” que fazem/fizeram Isabel Moreira, Alexandre Quintanilha, Miguel Vale de Almeida, André Ventura e outros grandes paladinos da defesa dos fracos e oprimidos. Mas ao ler este “textinho” ocorre-me o seguinte:
ResponderEliminar1) “As três situações em que, segundo ela, foi alvo de discriminação na vida são tão ridículas que nem vale a pena contá-las (posso contar, mas se quiserem comprem a Visão).”. Como o “astuto” autor deste “textinho” não conta quais foram as situações, eu vou fazê-lo (citando a Visão) e deixando aos leitores o critério de decidir se são ridículas ou não:
a) Ir a um restaurante com vista para o mar, sentar-se numa mesa na primeira linha e de o responsável vir dizer-lhe que ia arranjar outra “mais discreta”.
b) Tirar 19 no 1º período, mas a professora baixar-lhe a nota para 16, “com a desculpa de que a seguir não teria de a descer. Como se fosse impossível para uma menina como eu manter aquelas notas altas.”.
c) Ou de como o familiar de uma das suas melhores amigas disse à sua frente “Até a Joacine conseguiu!”, quando foi escolhida para um emprego e essa amiga não.
Bem sei que isto não tem comparação com a violação de Recy Taylor, ou o calvário de Ruby Bridges, ou com Ellijah Mohamed ser obrigado a assistir ao linchamento do pai quando ainda era uma criança (ide googlar. Ide, ide.). Mas torna-se difícil discordar de JKM quando afirma “É este o típico racismo português. Não é algo que seja óbvio, mas tira-nos oxigénio.”.
Também por isso é que o “curioso” argumento de que pelo facto de JKM não ser a vítima indefesa que dela querem fazer (ainda bem para ela…) não poder servir grande coisa como protagonista ou bandeira da discriminação - e, deduzo, que não poder servir como ativista na luta contra a discriminação - não tem pés nem cabeça. Nesse caso o mesmo raciocínio se aplicaria a Alexandre Quintanilha e Miguel Vale de Almeida, por exemplo.
2) Tanto quanto percebi aquela tirada enfática e melodramática “de estar no fim da linha” é da autoria de Isabel Moreira e não de que JKM. Por isso deveriam ter ilustrado este “textinho” com a foto da autora da dita tirada, em vez de aproveitarem para “cascar” em JKM, como se esta fosse responsável pelo que dela dizem.
Por esta ordem de ideias se alguém “Em mais uma das suas loucuras psicadélicas” se lembrar de dizer que JKM é a maior serial killer de todos os tempos, teremos de responsabilizar JKM por esta afirmação. Já para não falar de que “dizer uma coisa dessas é um insulto e um ultraje” a Jack o Estripador, ao estrangulador de Boston, a Samuel Little, a Aileen Wuornos e quejandos.
3) Tenho o maior respeito pelas pessoas que preferem sentir-se como Alice no País das Maravilhas, mas desculpem-me por achar que este “textinho” do Malomil e o (inevitável e previsível) comentário do leitor João Alves, apenas serviram para dar razão a JKM quando “diz que nunca sofreu racismo descarado, que «eram coisas muito subtis. Ao contrário do que vemos hoje nas caixas de comentários, o racismo em Portugal era muito difícil de comprovar». “.