sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Noite, de Pasternak.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Noite
 
A noite avança e, diminuindo,
Prepara o renascimento do dia.
Um homem aéreo ergue-se
Sobre a terra adormecida.
 
(…)
 
Debaixo dele há
Cidades estranhas
E vias intensas de tráfego
E clubes nocturnos, barracões, estivadores
E linhas férreas, estações, comboios.
 
A larga sombra das suas asas
Cai pesadamente sobre a nuvem.
Corpos celestiais vagueiam
Em multidão em seu redor.
 
E ali, com temível registo
Através do vazio, longínqua e
Através de sistemas solares ignotos
Gira a Via láctea.
 
Em ilimitadas expansões
Ardem com fulgor promontórios.
Em caves e sótãos
Os estivadores trabalham a noite toda.
 
E debaixo dum telhado
Em Paris, talvez em Marte
Ou Vénus vê uma notícia
Sobre uma farsa recente.
 
E talvez num sótão
Debaixo de telhas com velhas ardósias
Um homem está sentado, desperto, a trabalhar.
Ele pensa e matuta e espera.
 
E olha para o planeta
Como se as esferas celestes
Fossem parte dos seus
Pessoais cuidados nocturnos.
 
Combate o teu sono, criador: fica desperto,
Continua a trabalhar, mantém o teu ritmo,
Mantém-te vigilante como o piloto
Como todas as estrelas no espaço.
 
 
Continua a trabalhar, continua a trabalhar, criador –
Dormir seria um crime –
Refém da própria eternidade
E prisioneiro do tempo.
 
 
Trad. do inglês por João Medina, do poema Night in Fifty Poems de Pasternak,  trad. por Lydia Pasternak Slater, Londres, George Allen & Unwin Ltd, 1963, pp.76-77.
 
                                                                                                                                        
Boris Leonidovitch Pasternak (Moscovo, 1890-1960), poeta, romancista e tradutor, de ascendência judia, filho do célebre pintor e ilustrador Leónidas Pasternak, começou por estudar Direito e composição musical, esta com Scriabine. Desistindo de ambos os cursos, formar-se-ia em Filosofia em Marburgo, na Alemanha. Bibliotecário do ministério da educação após a revolução bolchevista de 1917, publicou três livros de poemas entre 1917 e 1923, e mais tarde dois importantes poemas históricos, além de livros de contos, tornando-se o tradutor oficial na URSS de Shakespeare Goethe e Verlaine. Durante o “degelo” de Krutchev publicou o grande romance autobiográfico e histórico Doutor Jivago (1957), obra que foi um verdadeiro terramoto político-literário, sendo então expulso da Associação dos Escritores Russos. Isolando-se da vida do seu país, recusou o prémio Nobel que lhe fora concedido em 1958. Nótula de J.M.

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