impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 27 - Dexter
gordon
Fotografia de Herman Leonard
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Já estávamos em 1960
quando Dexter Gordon saiu de vez da prisão. Entre 1940 e 1943, descia a Europa
ao inferno, russos e alemães chacinavam-se nos escombros de Estalingrado, e no
Minton’s Playhouse, bem no interior de Harlem, subia todas as noites ao palco o
“gato” mais bem apessoado da cena de jazz de Nova Iorque. Era Long Tall Dexter,
o maior jazzmen de sempre (tinha
1,98m), que pela mão de Lionel Hampton, primeiro, e Lester Young,
depois, se dedicava a demonstrar que os acordes vertiginosos do bebop podiam ser tenorizados e não eram
um exclusivo do rápido saxofone alto de Charlie Parker ou do trompete
estridente de Dizzy Gillespie.
Dexter Gordon era assim
o sucesso do momento e provava ser o príncipe herdeiro da dinastia do saxofone
tenor, iniciada por Coleman Hawkins e prosseguida por Lester Young. Elegante
e espirituoso, Dexter Gordon mostrava ser homem de largos pulmões, o que lhe
permitia assinar o seu estilo com um som volumoso, além de uma certa melancolia
proporcionada pelo facto de se deixar ir atrás do ritmo, como quem não tem
pressa ou está para durar.
Terá sido da fama ou
das más companhias, que eram muitas no meio do jazz, o certo é que Dexter,
crendo-se herói, caiu nos braços da heroína. Podia ter sido destroçado, como
via acontecer a tantos músicos à sua volta, mas foi outra a espécie de má-sorte
que lhe calhou. Nos anos 50, quando o jazz entrava em órbita e todos os anos
saíram para os escaparates gravações de primeira água, essa década sofreu-a
Dexter Gordon a maior parte do tempo encarcerado: dois anos em Chino, na
Califórnia, e temporadas avulsas em Forth Worth, no Texas, Lexington, no
Kentucky e na tenebrosa Folsom, de novo na Califórnia. Os curtos períodos de
liberdade passava-os quase sempre prostrado a injectar-se.
Chegamos assim àquela
tarde de 25 de Abril de 1961. Dexter Gordon reside em Los Angeles em liberdade
condicional e deita contas à vida; havia ficado para trás e fora ultrapasso
pelas novas estrelas do tenor, Sonny Rollins e John Coltrane.
Toca o telefone. É uma chamada interurbana de Nova Iorque, do outro lado da
linha apresenta-se o sotaque carregado de Alfred Lions, o dono da Blue Note. Em
três tempos fica acordado um contrato: Dexter mudar-se-á para Nova Iorque assim
que legalmente lhe for permitido. Se há telefonemas que salvam uma vida, este
foi um deles.
Mal desembarca na Costa
Leste, Dexter Gordon grava febrilmente durante 3 dias, de 6 a 9 de Maio,
material suficiente para um par de disco: “Doin’ Allright” e “Dexter Calling”.
A receção é surpresa e entusiástica – dado como extinto, ei-lo que renasce das
cinzas mais forte do que nunca! Mas o passado não o larga: por ser relapso a
polícia recusa conceder-lhe o famigerado Cabaret Card, o que o impede de tocar
nos clubes noturnos e entretanto os dealers
rondam, cheirando-lhes a presa fácil. O bom governo da sua vida exige de Dexter
Gordon uma decisão drástica e súbita, por isso no verão de 1962 as coisas
precipitam-se. No final de Agosto enclausura-se durante dois dias no estúdio de
Rudy van Gelder e em estado de graça, debita num fôlego 12 temas com que se
podem editar dois discos: “Go!” e “A Swingin’ Affair”. Poucas semanas após esta
incandescente sessão, parte para a Europa, onde irá pássaros próximos 15 anos,
residente em Copenhaga mas frequentador assíduo de Paris. Logo em Maio de 1963,
praticamente na primeira visita que faz à Cidade Luz, encontra-se com outros
dois expatriados, Bud Powell e o baterista Kenny Clarke, donde
resulta “Our Man in Paris” – mais um padrão.
Com oito discos em 4
anos, embora um deles, “Clubhouse”, só tenha sido editado posteriormente, não
há grande controvérsia em dizer-se que o período Blue Note, entre 1961 e 1965,
é o mais frutífero da carreira de Dexter Gordon. Dir-se-ia que tudo o que está
antes prepara esta série dourada e o que veio depois celebra-a.
E desse lote de obras,
os corações costumam oscilar entre “Go!” e “Our Man in Paris”.
“Our Man in Paris” é um
disco aliviado, quase jubilatório. Gordon, Powell e Clarke, em cada acorde
parecem entreolhar-se e dizer: “sobrevivemos!”. Além disso talvez se possa
considera-la a derradeira obra legítima de bebop,
numa altura em que este estilo de jazz já tinha ficado bem para trás, aqui
interpretado por três dos seus principais mentores, ainda capazes de terem
alguma coisa a acrescentar.
GO!
1962
Blue Note 746094
Dexter Gordon (saxofone
tenor); Sonny Clarke (piano);
Butch Warren (contrabaixo); Billy Higgins
(bateria).
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Mas “Go!” desprende uma
rara complexidade emocional. O próprio Dexter Gordon concede ser o seu
preferido: “Uma secção rítmica perfeita, que tornou possível eu tocar o que
quisesse tocar”. Nessa seção apresentava-se ao piano um Sonny Clark em
paupérrima condição física que, ainda segundo Dexter, “já tinha desistido” e
que viria a morrer cinco meses depois, consumido até ao tutano pela heroína. A
sua presença introduz de facto, uma patine
dramática em “Go!”. O saxofone de Gordon tem o característico som áspero, sem o
acabamento com que Coleman Hawkins e Lester Young davam um certo
bom-tom ao tenor, permitindo-lhe oscilar entre a impaciência e a fadiga. Mas ao
lado e um pouco atrás dele, mesmo no tempo, ouve-se um Sonny Clark melancólico, suave talvez, sem desespero decerto, mas com a suavidade imprecisa
dos vencidos – perfeito Sonny Clark.
José Navarro de Andrade
Gostei muito.Valeu a espera.Atrevo-me a sugerir como complemento a leitura de Mas é Bonito-Geoff Dyer e o filme Á volta da meia noite-Bertrand Tavernier.Tem em comum.Dexter Gordom e não só.Obrigado.
ResponderEliminarTenho.
ResponderEliminarProvavelmente também tenho os outros todos.
Também tenho o filme e, claro, o CD da banda sonora.
Istro não é prosápia é simplesmente ter a sorte de me ensinarem a ouvir e depois ter os melhores.
Obrigado pelo post.
Obrigado pelos comentários. Segue-se Miles Davis para a semana.
ResponderEliminarEis o verdadeiro "despertar o gosto por" ... Em nome dos leigos ...Obrigada.
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