Tenho
o maior respeito pela figura de Eduardo Lourenço e pelo seu papel como crítico
literário, filósofo, ensaísta da identidade portuguesa e dos seus labirintos da
saudade. Mas não me parece que o Estado esteja em altura de gastar 100 mil
euros para comprar o seu espólio, em vida.
Mesmo
que o dinheiro ali estivesse, no final do ano, sem ser gasto, à mercê de um tal
Fundo do Fomento Cultural da SEC. Mesmo que estivessem criadas as condições
jurídicas para o inevitável gasto. Nada o justifica. Esta é uma questão
política e uma decisão que reputo de errada. Tenho ainda esperanças que o
Tribunal de Contas ou quem de direito não sancione tal processo.
A
Biblioteca Nacional deixou praticamente de comprar livros, desde 2010. Todos os
meses, em leilões e alfarrabistas, surgem impressos e manuscritos raros que não
podem ser adquiridos. O estado de conservação dos livros, antigos e modernos, é
uma tragédia. Já o disse e repito: só uma geração de bandalhos pode cometer um
crime tão grave como o de deixar ao abandono tanto livro, com casulos de
bibliófagos.
Pessoalmente,
tenho vergonha e não me cansarei de denunciar como irresponsáveis os que nada
fazem.
Mais.
A Biblioteca Nacional poupa no aquecimento e, muitas vezes, está frio. Parte
das luzes já foram desligadas. Construíram-se novas instalações que não são
utilizadas. Os leitores compreendem e vestem mais uma camisola ou encostam-se
mais às janelas, para melhorar a visibilidade. Todos os que trabalham na BN e
que são merecedores do maior respeito são cada vez menos, a desdobrar-se num
cada vez maior número de actividades, por turnos. E há quanto tempo é que os
quadros de técnicos e bibliotecários não são renovados? Numa casa onde o
testemunho tem de ser passado de geração em geração, a falta de renovação é
grave.
No
meio deste cenário calamitoso, em que leitores, bibliotecários (de uma extrema
competência) e funcionários são enxovalhados, súbito a urgência emergiu: a
compra do espólio de Eduardo Lourenço.
Que
a Gulbenkian possa pagar a uma equipa para organizar o espólio em causa e
gastar, como bem decidir, na catalogação e publicação das obras completas de um
dos seus administradores, é prioridade que o comum dos cidadãos não poderá
discutir. Tenho, aliás, esperança que sejam dados a outros espólios à guarda da
BN, muitos deles doados ou em vias de tal acontecer (como talvez venha a
suceder ao valiosíssimo espólio de David Mourão Ferreira), o mesmo.
Mas
que o Estado, a SEC ou o Fundo de Fomento Cultural se sintam na obrigação de
gastar 100 mil euros num espólio, de valor pecuniário muito duvidoso, que
precisamos de saber em que condições foi avaliado e por quem, à luz de que
regras de mercado, parece-me mais um sinal de bandalheira. Uma
irresponsabilidade que nenhum exercício de canonização em vida pode justificar.
Pelo menos Eduardo Lourenço, com a sua obra, não merecia ver-se envolvido em
tamanha confusão. E, estou certo, recusaria emprestar o seu nome a uma política
de afogadilho, determinada por circunstâncias do gastar à pressa. Tudo isto,
num afã celebrativo que, acredito, só pode ser justificado por um propósito de
compensar a incultura dos nossos dirigentes. Basta!
Diogo
Ramada Curto
Tem toda a razão. Isto cheira a esturro e sim, 100 mil euros fazem toda a diferença para os funcionários e leitores da Biblioteca Nacional de Portugal. É bonito o que ele diz sobre os funcionários e bem verdade o ambiente que descreve na sala. Gostei.
ResponderEliminarEssa quantia seria o "óleo de Lourenço", para untar algumas mãos.
ResponderEliminarEnfim os funcionarios e a situação dos mesmos .Não acho que seja de colocar as coisas nesse tom.Ou é importante e vale ou não e é um mau negócio .Não diria desperdicio de dinheiro.Devo lembrar que sem esses espolios e afins a biblioteca perde o seu sentido e deixa de ter necessidade de empregados novos e velhos.
ResponderEliminarÉ terrível que tenhamos chegado a este (mau) estado. Foram anos e anos de desvio e desperdício (e, infelizmente, enquanto contribuinte, não sinto que tenha mudado muito). Tendo estudado algumas das obras de Eduardo Lourenço na Faculdade, não lhe nego um carinho especial, ainda que, vê-lo a escrever posfácios nos últimos tempos, me tenha desiludido tamanhamente.
ResponderEliminarQuanto vale ou como se avalia um espólio é algo que não domino, mas gostava de ver os dinheiros públicos a serem usados com algum bom senso.
Sou leitor da Biblioteca nacional e aqui estou contra a corrente.
ResponderEliminarNão gramo este Governo - NEM VOTEI NELE! - mas por uma vez fez algo a favor do património, adquirindo o espólio de Eduardo Lourenço. Se o não tivesse feito, daqui a uns anos vozes se ergueriam a criticar quem não tinha comprado o espólio quando o podia ter feito.
Segundo me disseram, quando o espólio ainda não estava na Biblioteca Nacional, parece que o espólio é enorme e riquíssimo. Posso imaginar o que ser´´a a correspondência nele contida.
E mais: não é preciso enxovalhar Eduardo Lourenço que tanto tem feito pelo nosso país e pela Europa. E que nos merece (ou devia merecer) todo o respeito!
Parece-me que os dinheiros públicos foram gastos, por uma vez, com bom senso.
E alguém acredita que se o espólio não tivesse sido comprado ele iria reverter para contratar mais funcionários?
O que me faz mais confusão é o que é que leva um (grande) senhor de 91 anos de idade e, presumivelmente, sem dificuldades financeiras, a vender o seu (sem dúvida importante) espólio ao país, por oposição a doá-lo simplesmente... A não ser que os cem mil euros, que assumo como certos (o comunicado da SEC não indica o valor), se refiram a despesas de transferência, tratamento documental e afins e/ou acerto de contas entre a BNL e a TT (onde o espólio estava depositado há uns anos).
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ResponderEliminarDe facto isto retrata tanto o analfabetismo de sucessivos directores da coisa 'nacional' (carlos reis incluído), como a indecorosa ganância de um pensador de terceira categoria.
ResponderEliminarO espólio de Eduardo Lourenço - que inclui "uma grande quantidade de manuscritos do autor, alguns deles inéditos", desde finais dos anos 1940 até à actualidade, e "mais de 11.000 documentos referentes a correspondência" mantida com figuras como Jorge de Sena, Vergílio Ferreira e Sophia de Mello Breyner Andresen - vale muitíssimo mais do que esses 100 mil euros, que o governo foi aliás buscar a um fundo próprio - fundo esse que não dá para aumentar o quadro de profissionais da BN, para aquisições correntes de livros ou para melhorar os serviços prestados pela biblioteca.
ResponderEliminarHaveria, certamente, universidades americanas ou outras instituições privadas interessadas no espólio de Eduardo Lourenço. Lembro que o espólio Pessoa também esteve para ir para Inglaterra ou os EUA, quando o ministro José Hermano Saraiva em 1969 o impediu, alertado pelo irmão e pela Teresa Rita Lopes que estavam em Paris. A alternativa era deixar ir, para melhorar a balança de pagamentos portuguesa?
Não conheço a história da aquisição deste espólio documental, mas, tanto quanto sei, Eduardo Lourenço quis oferecer a sua biblioteca pessoal a várias instituições, como a Biblioteca Gulbenkian, que não a aceitaram. Insinuações que já li acerca da cupidez de Lourenço não merecem sequer consideração. Mas não deixa de ser curioso que só esta aquisição de um espólio pela BN é que suscite dúvidas e reparos, quando todos os anos as tem havido.
Eduardo Lourenço doou milhares de livros à biblioteca municipal da Guarda e à da Fac de Letras de Coimbra.
ResponderEliminar... como Eduardo Lourenço é de esquerda e tem amigos no largo do Rato, não é de admirar tanta dúvida e reparo á aquisição do seu espólio pela BN. Nada de novo.
ResponderEliminarSB
"...um pensador de terceira categoria" - diz aí acima alguém, referindo-se a Eduardo Lourenço, a quem vota evidente ódio político. Essa faz-me lembrar os juízos feitos em 1935 por um triste deputado da União Nacional sobre um grande escritor. Nos jornais A Voz e Diário de Lisboa, referiu-se assim esse deputado a Fernando Pessoa, meses antes da sua morte: "um pobre escrevedor" a quem "não mereceria a pena mencionar-lhe sequer o nome"; "um raté qualquer da literatura e da vida". Ironicamente, é com estes juízos que o nome do triste deputado fica para a história. O ódio político é mau conselheiro...
ResponderEliminarLeiam o que Luís Miguel Queirós escreveu no Público de ontem: http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/arquivo-de-eduardo-lourenco-tera-mais-de-cem-mil-documentos-1685196
ResponderEliminarEm relação ao artigo saído no jornal Público como resposta a Diogo Ramada Curto gostava de referir o seguinte - A pagela desta notícia refere - "cem mil euros por cem mil documentos". Bastava isto para me irritar. Mas o que se segue na notícia irritou-me ainda mais. Vou então dar a minha opinião sobre este "caso" que está a provocar bastante polémica nos meios onde me movi durante décadas e dos quais estou retirada. Concordo com Diogo Ramada Curto - em síntese. Um espólio, como muito bem refere a Directora da BNP, não é avaliado pela quantidade. Pode ter milhares de documentos e não valer quase nada. Ora no caso em apreço, parece-me que estando uma equipa a editar tudo o que o autor escreveu e havendo poucos inéditos, tudo será editado pela Gulbenkian, o que é óptimo, mas retira obviamente valor ao acervo. Resta, pois, a abundante correspondência. Como é previsível, e até porque o autor viveu grande parte da sua vida fora de Portugal, há milhares de cartas, onde se correspondeu com grande parte da intelectualidade nacional e quiçá alguma internacional, designadamente francesa. Tal correspondência não poderá ser consultada nas próximas 3 ou 4 décadas, o que vem reforçar o argumento de não haver qualquer urgência na compra deste espólio. Por vezes, há circunstâncias prementes que levam as instituições patrimoniais a terem de agir com muita pressa. Não é o caso. Como aliás é referido na notícia, as conversações acerca da aquisição ou doação do espólio iniciaram-se há meia dúzia de anos. Outro factor que leva as instituições patrimoniais a terem de tomar uma apressada atitude é uma atitude aloucada das famílias e/ou a concorrência de particulares ou ainda a venda em leilão ou por alfarrabistas que podem levar a uma dispersão "criminosa" dos acervos. Tanto quanto sei, nada disto se passou ou passa neste caso. Nesta notícia foram consultados 2 alfarrabistas, curiosamente nenhum dos "grandes" da praça de Lisboa. O que não foi dito é que talvez nenhum comerciante actualmente pudesse dispôr do capital necessário para adquirir este espólio pelo valor que a BN o adquiriu. Foi referida uma aquisição de papéis de Pacheco, um escritor "maldito" que em boa hora a BN conseguiu obter (não tive qualquer intervenção nessa compra). Mas o pior vem no fim da notícia - um amigo, que não dá a cara não se percebe bem porque razão, argumenta que o Eduardo Lourenço até queria doar o espólio à BN, mas foi dissuadido por um grupo de amigos para não prejudicar os seus descendentes. Prefiro não me pronunciar sobre isto. Basta referir o mal que esses amigos fizeram a Eduardo Lourenço e a uma instituição de excelência como a BNP. Por último, daqui a 30 anos, a BNP ainda cá estará. O espólio de Eduardo Lourenço certamente também. Nessa altura, seria a altura apropriada para se encetarem conversações com vista à obtenção do acervo para o património público e a sua imediata divulgação aos investigadores. Claro que há sempre alguma parte destes espólios mais reservada e que fica selada por mais uns anos, mas a maior parte ficaria imediatamente disponível. Numa altura de absoluta penúria como calculo que esteja o financiamento das compras da BN, e sendo nestas alturas de crise que aparecem em leilões espécies bibliográficas muito apreciadas, seria bom que a BNP tivesse argumentos face à tutela para ter uma verba condigna para aquisições. E que as normas e directivas para essas aquisições fossem mais transparentes, como sempre foram. Mesmo que informais e com muito debate e discussão. Terá havido? Não sei.
ResponderEliminarMaria Teresa Mónica