As paixões
são assim, repentinas. Mas, quando batem, dão forte. Ando desvairado por uma
senhora. E não me importa nada que se chame Dahlov Ipcar e que tenha nascido no ano
de 1917, prestes a ser centenária. Como não me interessa nada saber como é que
nasceu com o apelido Zorach e tenha decidido ficar com o nome do marido,
que, bem vistas as coisas, também é um bocadinho estranho: Ipcar (que até
parece nome de um instituto público).
O objecto da minha paixão teve – e tem – uma vida
maravilhosa. Nasceu no Vermont, viveu uns tempos em Greenwich Village, NY, mas
fixou-se no Maine em 1937 – e, desde então, pouco de lá saiu. A biografia de
Dahlov resume-se a isto. O resto é trabalho e família, uma existência longa e boa e simples a
desenhar coisas lindas. A partir dos anos 80, muito do que fez Dahlov não
suscita a comoção do belo, havendo até umas rosáceas com animais que mais valia
eu não as ter visto. Mas os livros infantis dos anos 60 são simplesmente únicos.
Descobri-os há pouco, é paixão recente, tórrida de poucos dias. Hoje falo apenas daquele que considero
o melhor de todos, I Like Animals, de 1960,
reeditado o ano passado pela Flying Eye Books. As fotografias dão uma pálida imagem do talento da
senhora Ipcar, que tem aquilo que alguém já chamou a inteligência amorosa das coisas. Com um grafismo típico dos anos
60, alternando páginas carregadas de cores vivas com outras mais sóbrias na
paleta, I Like Animals é uma delícia
indescritível. Aos 97 anos, fresquíssima, Dahlov Ipcar continua a desenhar e a
pintar, na companhia de netos e cães.
Há uns dias, o Miguel Esteves Cardoso
teve a desfaçatez amiga de se pôr a falar, para mais em Público, da minha generosidade, só por eu mostrar aqui no Malomil o que vou
lendo e encontrando por aí fora. Não há generosidade nenhuma, só a dele, imensa como sempre, na irmandade do twee. Falar de Dahlov Ipcar não é generosidade nenhuma. Esconder a
senhora é que seria um crime. Simplesmente isso, nada mais do que isso.
António Araújo
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