quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A minha Austrália.

 
 
O João Miguel Tavares tem uma crónica no Público de sábado passado em que denuncia, e bem, uma mensagem do Bloco de Esquerda em que, por baixo de uma fotografia dos incêndios na Austrália (pelos vistos, uma fotografia falsa!), o BE escreveu «Não é fogo, é capitalismo».
Compreendo a indignação do João, pois é fogo, é fogo mesmo, que já fez arder uma área maior do que Portugal inteiro e já matou 800 milhões de animais (leram bem). E não é capitalismo, ou não é necessariamente capitalismo, pois a causa das alterações climáticas é muito mais vasta do que isso: a China, o maior emissor de CO2, é capitalista ou comunista?
E concordo inteiramente com ele quando diz que o movimento contra o aquecimento global está a ser, ou corre o risco de ser, apropriado por uma facção ideológica ou, mais precisamente, pela esquerda radical.
O fenómeno nem sequer é novo: todos nos lembramos como o PCP e a URSS apoiavam nos anos 80 os movimentos antinucleares no Ocidente mas, na frente doméstica, não permitiam veleidades ecologistas e o Bloco de Leste tinha centrais nucleares por toda a parte. Nem adianta falar muito: Chernobyl foi uma criação do comunismo, alguém ousa duvidar?
Isto dito, o que me parece é que a excelência do diagnóstico do meu amigo João Miguel o deveria levar um pouco mais longe – e a não deixar a batalha contra as alterações climáticas nas mãos da esquerda ou da esquerda radical.
Talvez eu esteja um passo à frente ou, decerto, uns furos abaixo do JMT, mas o diagnóstico está feito e é correcto. Ora, precisamente pelo que ele diz, que há uma apropriação da ecologia pela ideologia (de esquerda), é que importa e é fundamental mobilizar aqueles que, no outro lado do espectro político, não podem continuar a negar ou a relativizar o alcance das alterações climáticas. Ao fazerem-no, deixam campo aberto àquilo que denunciam: o monopólio desta causa pela esquerda radical.
Infelizmente, o que tenho visto por parte de pessoas amigas, que muito estimo e admiro, como o João Miguel Tavares, o João Pereira Coutinho ou o Manuel S. Fonseca, é justamente o inverso: têm feito várias intervenções, umas atrás das outras, minorando a importância deste problema, questionando sequer que ele exista ou duvidando que a sua principal causa seja humana, a chamada antropogénese.
Morreu Roger Scruton que, com tudo o que nele possamos questionar, era um conservador que bem se apercebeu da necessidade de uma green philosophy, título de um livro seu onde, já agora, existe uma denúncia de excessos do capitalismo em matéria ambiental.
Portanto, meus caros e queridos Joões (Miguel Tavares e Pereira Coutinho), meu caro Manuel (Fonseca), não estará na hora de levar a sério este problema? Ou preferem ficar-se pelo nível 1, o da denúncia da apropriação da esquerda radical, sem avançar para o nível 2, o da defesa do planeta? Sim, porque não há dúvida que na Austrália ardeu uma área superior à de Portugal e morreram 800 milhões de animais. Há dúvidas? É como Chernobyl, não dá sequer para duvidar. Portanto, ou não querem saber do planeta ou não se importam de tornar isto um feudo do BE, ou querem fazer mesmo alguma coisa, pelo planeta e pela vossa área política, e então acho que é tempo de passarem a um patamar diferente, darem um passo à frente – e acabar, de uma vez por todas, com cepticismos ou negacionismos. Por esse caminho, desculpem, não irão muito longe.
Pronto, aqui fica a minha opinião, decerto bastantes furos abaixo da vossa.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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