O João Miguel Tavares tem uma crónica no Público de sábado passado em que
denuncia, e bem, uma mensagem do Bloco de Esquerda em que, por baixo de uma
fotografia dos incêndios na Austrália (pelos vistos, uma fotografia falsa!), o
BE escreveu «Não é fogo, é capitalismo».
Compreendo
a indignação do João, pois é fogo, é fogo mesmo, que já fez arder uma área maior
do que Portugal inteiro e já matou 800 milhões de animais (leram bem). E não é
capitalismo, ou não é necessariamente capitalismo, pois a causa das alterações
climáticas é muito mais vasta do que isso: a China, o maior emissor de CO2, é
capitalista ou comunista?
E
concordo inteiramente com ele quando diz que o movimento contra o aquecimento
global está a ser, ou corre o risco de ser, apropriado por uma facção
ideológica ou, mais precisamente, pela esquerda radical.
O
fenómeno nem sequer é novo: todos nos lembramos como o PCP e a URSS apoiavam nos
anos 80 os movimentos antinucleares no Ocidente mas, na frente doméstica, não
permitiam veleidades ecologistas e o Bloco de Leste tinha centrais nucleares
por toda a parte. Nem adianta falar muito: Chernobyl foi uma criação do
comunismo, alguém ousa duvidar?
Isto
dito, o que me parece é que a excelência do diagnóstico do meu amigo João
Miguel o deveria levar um pouco mais longe – e a não deixar a batalha contra as
alterações climáticas nas mãos da esquerda ou da esquerda radical.
Talvez
eu esteja um passo à frente ou, decerto, uns furos abaixo do JMT, mas o diagnóstico
está feito e é correcto. Ora, precisamente pelo que ele diz, que há uma apropriação
da ecologia pela ideologia (de esquerda), é que importa e é fundamental mobilizar
aqueles que, no outro lado do espectro político, não podem continuar a negar ou
a relativizar o alcance das alterações climáticas. Ao fazerem-no, deixam campo
aberto àquilo que denunciam: o monopólio desta causa pela esquerda radical.
Infelizmente,
o que tenho visto por parte de pessoas amigas, que muito estimo e admiro, como
o João Miguel Tavares, o João Pereira Coutinho ou o Manuel S. Fonseca, é
justamente o inverso: têm feito várias intervenções, umas atrás das outras,
minorando a importância deste problema, questionando sequer que ele exista ou
duvidando que a sua principal causa seja humana, a chamada antropogénese.
Morreu
Roger Scruton que, com tudo o que nele possamos questionar, era um conservador
que bem se apercebeu da necessidade de uma green
philosophy, título de um livro seu onde, já agora, existe uma denúncia de excessos
do capitalismo em matéria ambiental.
Portanto,
meus caros e queridos Joões (Miguel Tavares e Pereira Coutinho), meu caro
Manuel (Fonseca), não estará na hora de levar a sério este problema? Ou
preferem ficar-se pelo nível 1, o da denúncia da apropriação da esquerda
radical, sem avançar para o nível 2, o da defesa do planeta? Sim, porque não há
dúvida que na Austrália ardeu uma área superior à de Portugal e morreram 800
milhões de animais. Há dúvidas? É como Chernobyl, não dá sequer para duvidar.
Portanto, ou não querem saber do planeta ou não se importam de tornar isto um
feudo do BE, ou querem fazer mesmo alguma coisa, pelo planeta e pela vossa área
política, e então acho que é tempo de passarem a um patamar diferente, darem um
passo à frente – e acabar, de uma vez por todas, com cepticismos ou
negacionismos. Por esse caminho, desculpem, não irão muito longe.
Pronto,
aqui fica a minha opinião, decerto bastantes furos abaixo da vossa.
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