segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Natal em Alcântara.

 



                                Dedico este conto ao meu Padrinho António Pracana


   Este conto de Natal começa comigo a sair da boca do metro. Atravesso uma rua até ao Largo das Fontaínhas. Ultrapasso a fila que se forma de manhã no Consulado e bebo uma bica no restaurante “Resina". A sair, olho para a casa por cima do Burger King, onde passava os natais da minha infância. Entro na hamburgueria e cumprimento o senhor Diógenes, cuja história irei de seguida contar. Ele vende-me o menu “Whopper”. E lembro-me de olhar pela janela na consoada.

   Naquele Natal nevava em Alcântara: o horizonte era brumoso, mas feliz. O frio cheirava-se, mas todos os que tinham agasalho contentavam-se com o fenómeno.

   Reinavam as luzes no meio do nevoeiro. A “CUF” estava quase escondida: só as janelas brilhantes e os táxis eram percetíveis. Sempre reparei no heliporto do hospital. Nunca lá tinha visto nenhum helicóptero e pensava que seria ali que estacionavam o Rudolfo e o Pai Natal.

   Do mesmo modo, as luzes das gruas das docas e ainda a própria ponte pareciam árvores de Natal que ficavam montadas o ano inteiro. A tudo isto acrescentava-se a iluminação natalícia oficial.

   Entre as pessoas que não gostavam do frio estava o senhor Diógenes. Não era maldisposto, mas ninguém gosta verdadeiramente de sentir frio.

   Nesse Natal,fiz um bolo-rei. Fui comprar a fruta cristalizada à mercearia e fui preparar o bolo a casa da minha avó. Em casa da minha avó estavam guardados a aguardente e o vinho do Porto, ingredientes que não poderia comprar sozinho. O cheiro da aguardente na massa do bolo-rei é fortíssimo!

   A preparação do bolo-rei é muito diferente da dos outros bolos: não se usa uma batedeira e não se prova a massa com os dedos. É mais especial do que fazer pão, apesar de às vezes os processos terem semelhanças.

   Enquanto a minha avó assistia o “Natal dos Hospitais” na rtp, comecei a misturar a farinha com a margarina com as mãos, depois: o fermento, a aguardente, a dúzia de ovos, as raspas de laranja e limão, o sumo de laranja, o leite morno, o açúcar, as frutas cristalizadas e a fava. Bati a massa com os punhos, envolvendo-a de baixo para cima, sem a deixar arrefecer. Chegou a minha avó. Só nas tuas mãos está, pelo menos, outro bolo - disse ela com carinho.

   Limpei as mãos e deixamos a massa levedar. Durante a espera para decorar o bolo, depois de o levar ao forno, ouvimos as "christmas carols" do Frank Sinatra e do Bobby Helms.

   Tendo terminado, fui encontrar-me com o senhor Diógenes. A casa dele era perto da minha. Fiz o caminho inverso ao que narrei no início do conto. Cheguei a uma Avenida que percorri até metade. No caminho, encontrei um grupo de homens sentados à beira de uma fogueira de três metros. 

   A casa de metal do senhor Diógenes não ficava longe desse lugar. Conversámos enquanto comíamos fatias gulosas do bolo que eu trouxera. 

   Antes de partir, o senhor Diógenes ofereceu-me o seu último tesouro: um ovo de avestruz. Ele trabalhara numa oficina de presépios. Segundo ele, era melhor que a oficina do Pai Natal. As mínimas figuras de cerâmica contavam todas a mesma história com ambientes e atores diferentes. Era um local desarrumado, mas, sem dúvida, emblemático.

   Abri o ovo e descobri um belo presépio. O ovo, por fora, era dourado com quatro “pés de galinha”. Toda a ação estava organizada em torno do Menino Jesus. Jesus tinha a seus pés pequenas abóboras e laranjas. A seu lado um senhor oferecia-lhe bananas e frutos exóticos. Era quase irónica a mistura entre o Antigo e o Moderno extravagante: todos estavam vestidos com mantos coloridos, bordados a ouro e feitos de veludo. 

   São José e Nossa Senhora estavam atrás do Menino, acompanhados de quatro senhoras. Nossa Senhora estava sentada em cima de uma manta azul. São José segurava-se no seu cajado. Duas das senhoras estavam no fundo, outra ajoelhada perto do Menino. Do lado oposto, estava uma cabrinha que sempre foi a minha figura preferida. Uma senhora carregava cestos de limões. A última senhora trazia um vaso de barro na mão esquerda, e mais trabalhos de barro num cesto por cima da cabeça. Por fim, os reis magos, de joelhos, eram os mais próximos do Menino e faziam-lhe as suas ofertas. 

   Por cima de tudo, estava um muro de pedra com uma trepadeira florida. As flores eram brancas. O muro escondia a fachada da casa minhota onde estavam a Sagrada Família e todos. 

   As faces das figuras, devido à sua pequena dimensão, tinham expressões muito simples. Felizmente, as laranjas, os cabelos e chapéus, os vasos, as cores dos mantos, as flores e as bananas, faziam-nos encontrar algo diferente no presépio todos os Natais.

   Passados três anos o senhor Diógenes encontrou um emprego. Pediu ajuda. Agora mora em Mem Martins. 

   As consoadas em nossa casa eram sempre iguais. Vinham avós, tios e primos de todos os graus. A sala meio escura era apenas iluminada pelas luzes douradas, verdes e vermelhas do pinheiro de Natal. A mesa de banquete tinha um pano vermelho e branco com desenhos bordados da flor de Natal. A avó sentava-se à cabeceira virada para a porta de entrada. Aos doces de Natal juntavam-se as especialidades de uma tia ou avó (mousses, arrozes-doces ou serraduras), que eram sempre as primeiras a acabar. 

   No dia 24, eram muitos os atrasos: o tempo passava rápido. O Dia de Natal parecia o dia mais longo do ano. As crianças jogavam jogos de tabuleiro. Os adultos comiam "after-eights" e conversavam com fervor.

   Olhava pela janela e via tudo aquilo que já descrevi anteriormente. No centro da festa e para maravilha de todos estava o presépio.

 

                                                                                            Lucas Mendes


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