Dedico
este conto ao meu Padrinho António Pracana
Este
conto de Natal começa comigo a sair da boca do metro. Atravesso uma rua até ao
Largo das Fontaínhas. Ultrapasso a fila que se forma de manhã no Consulado e
bebo uma bica no restaurante “Resina". A sair, olho para a casa por cima
do Burger King, onde passava os natais da minha infância. Entro na hamburgueria
e cumprimento o senhor Diógenes, cuja história irei de seguida contar. Ele
vende-me o menu “Whopper”. E lembro-me de olhar pela janela na consoada.
Naquele Natal nevava em Alcântara: o horizonte era brumoso, mas feliz. O frio cheirava-se, mas todos os que tinham agasalho contentavam-se com o fenómeno.
Reinavam
as luzes no meio do nevoeiro. A “CUF” estava quase escondida: só as janelas
brilhantes e os táxis eram percetíveis. Sempre reparei no heliporto do
hospital. Nunca lá tinha visto nenhum helicóptero e pensava que seria ali que
estacionavam o Rudolfo e o Pai Natal.
Do
mesmo modo, as luzes das gruas das docas e ainda a própria ponte pareciam
árvores de Natal que ficavam montadas o ano inteiro. A tudo isto
acrescentava-se a iluminação natalícia oficial.
Entre
as pessoas que não gostavam do frio estava o senhor Diógenes. Não
era maldisposto, mas ninguém gosta verdadeiramente de sentir frio.
Nesse
Natal,fiz um bolo-rei. Fui comprar a fruta cristalizada à mercearia e fui
preparar o bolo a casa da minha avó. Em casa da minha avó estavam guardados a
aguardente e o vinho do Porto, ingredientes que não poderia comprar sozinho. O
cheiro da aguardente na massa do bolo-rei é fortíssimo!
A
preparação do bolo-rei é muito diferente da dos outros bolos: não se usa uma
batedeira e não se prova a massa com os dedos. É mais especial do que fazer
pão, apesar de às vezes os processos terem semelhanças.
Enquanto
a minha avó assistia o “Natal dos Hospitais” na rtp, comecei a misturar a
farinha com a margarina com as mãos, depois: o fermento, a aguardente, a dúzia
de ovos, as raspas de laranja e limão, o sumo de laranja, o leite morno, o
açúcar, as frutas cristalizadas e a fava. Bati a massa com os punhos,
envolvendo-a de baixo para cima, sem a deixar arrefecer. Chegou a minha avó. Só
nas tuas mãos está, pelo menos, outro bolo - disse ela com carinho.
Limpei
as mãos e deixamos a massa levedar. Durante a espera para decorar o bolo,
depois de o levar ao forno, ouvimos as "christmas carols" do Frank
Sinatra e do Bobby Helms.
Tendo
terminado, fui encontrar-me com o senhor Diógenes. A casa dele era perto da
minha. Fiz o caminho inverso ao que narrei no início do conto. Cheguei a uma
Avenida que percorri até metade. No caminho, encontrei um grupo de homens sentados
à beira de uma fogueira de três metros.
A
casa de metal do senhor Diógenes não ficava longe desse lugar. Conversámos
enquanto comíamos fatias gulosas do bolo que eu trouxera.
Antes
de partir, o senhor Diógenes ofereceu-me o seu último tesouro: um ovo de
avestruz. Ele trabalhara numa oficina de presépios. Segundo ele, era melhor que
a oficina do Pai Natal. As mínimas figuras de cerâmica contavam todas a mesma
história com ambientes e atores diferentes. Era um local desarrumado, mas, sem
dúvida, emblemático.
Abri
o ovo e descobri um belo presépio. O ovo, por fora, era dourado com quatro “pés
de galinha”. Toda a ação estava organizada em torno do Menino Jesus. Jesus
tinha a seus pés pequenas abóboras e laranjas. A seu lado um senhor oferecia-lhe
bananas e frutos exóticos. Era quase irónica a mistura entre o Antigo e o
Moderno extravagante: todos estavam vestidos com mantos coloridos, bordados a
ouro e feitos de veludo.
São
José e Nossa Senhora estavam atrás do Menino, acompanhados de quatro senhoras.
Nossa Senhora estava sentada em cima de uma manta azul. São José segurava-se no
seu cajado. Duas das senhoras estavam no fundo, outra ajoelhada perto do Menino.
Do lado oposto, estava uma cabrinha que sempre foi a minha figura preferida.
Uma senhora carregava cestos de limões. A última senhora trazia um vaso de
barro na mão esquerda, e mais trabalhos de barro num cesto por cima da cabeça.
Por fim, os reis magos, de joelhos, eram os mais próximos do Menino e
faziam-lhe as suas ofertas.
Por
cima de tudo, estava um muro de pedra com uma trepadeira florida. As flores
eram brancas. O muro escondia a fachada da casa minhota onde estavam a Sagrada
Família e todos.
As
faces das figuras, devido à sua pequena dimensão, tinham expressões muito
simples. Felizmente, as laranjas, os cabelos e chapéus, os vasos, as cores dos
mantos, as flores e as bananas, faziam-nos encontrar algo diferente no presépio
todos os Natais.
Passados
três anos o senhor Diógenes encontrou um emprego. Pediu ajuda. Agora mora em
Mem Martins.
As
consoadas em nossa casa eram sempre iguais. Vinham avós, tios e primos de todos
os graus. A sala meio escura era apenas iluminada pelas luzes douradas, verdes
e vermelhas do pinheiro de Natal. A mesa de banquete tinha um pano vermelho e
branco com desenhos bordados da flor de Natal. A avó sentava-se à cabeceira
virada para a porta de entrada. Aos doces de Natal juntavam-se as
especialidades de uma tia ou avó (mousses, arrozes-doces ou serraduras), que
eram sempre as primeiras a acabar.
No
dia 24, eram muitos os atrasos: o tempo passava rápido. O Dia de Natal parecia
o dia mais longo do ano. As crianças jogavam jogos de tabuleiro. Os adultos
comiam "after-eights" e conversavam com fervor.
Olhava
pela janela e via tudo aquilo que já descrevi anteriormente. No centro da festa
e para maravilha de todos estava o presépio.
Lucas
Mendes
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