quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O Monumento a Sanjurjo, em Cascais.

 
 




 
 
 
O monumento em Cascais à morte ao general sedicioso espanhol José Sanjurjo
 em 20 de Julho de 1936
  



José Sanjurjo
 
 


Arquivo da Família de Henrique Galvão
 
 
 
É com uma certa relutância que me ocupo do tosco monumento fúnebre erguido à morte do general monárquico espanhol José Sanjurjo (Pamplona 1872 – Cascais, 20-VII-1936), exilado em Portugal e chefe indigitado pelos seus pares para liderar a conspiração contra a II República espanhola iniciada em 18 de Julho desse ano: de todos os locais de Cascais em que há palácios, residências, templos ou ainda tantos outros locais da memória ou de arte, escolher esta lúgubre lápide, erguida em 1961 com manifesto mau gosto, evocativa dum episódio em que morreu carbonizado aquele que se ia dirigir para Burgos par ali assumir a chefatura da junta sediciosa contra o regime republicano então em vigor na Espanha, não deixa de ser mórbido, mesmo se recorda um desastre de aviação que pôs fim à carreira conspirativa e antidemocrática dum militar espanhol formado nas guerras marroquinas – conhecido como “o leão do Rif” e nobilitado com o título de marquês do Rif  –, que fora comandante da Guardia Civil de 1928 a 1932, um servidor da monarquia alfonsista, sequaz da ditadura de Miguel Primo de Rivera, e, por fim, depois da sublevação contra a República em Sevilha (Agosto de 1932), amnistiado da pena de prisão perpétua a que fora condenando (1933), exilando-se então em Portugal e residindo no Monte Estoril até ao dia do seu voo fatal a nas cercanias de Areia. Homiziado entre nós num meio de expatriados monárquicos e direitistas opostos ao regime da Frente Popular triunfante nas eleições espanholas de 1936 (Fal Conde, Gil Robles, etc.), Sanjurjo, mau grado a pouca estima que lhe tinha Francisco Franco, depressa se tornaria no exílio português, a partir de Março de 1936, o chefe previsto para encabeçar a sedição político-militar então em marcha, juntando facções carlistas, alfonsistas, falangistas e outros grupos conservadores opostos ao governo da Frente Popular, cabendo-lhe mesmo a missão de ir à Alemanha nazi, entre Fevereiro e Março desse ano, visitar fábricas alemãs de material de guerra com vista a um futuro auxílio às tropas que se sublevariam contra a República em meados de Julho, tendo estado em Berlim com o adido militar ali, o conjurado Juan Beigbeder, futuro ministro do franquismo.
Valerá a pena recordar este evento e o tosco e antipático monumento de pedra que entre Cascais e o Guincho, perto da aldeia de Areia, erecto em 1961 à memória do seu desfecho num campo inadequado de voo no qual o jovem piloto monárquico Juan Antonio Ansaldo tentaria descolar, a 20 de Julho de 1936, numa avioneta Puss-Moth em direcção a Burgos, capital da sedição anti-republicana, causando a morte do indigitado chefe de Estado? Decerto que sim, até para mostrar a evidente cumplicidade de Salazar no caso, que por conveniência política recusara a Sanjurjo um aeroporto militar luso, mas autorizara a partida para Espanha a partir dum aeródromo improvisado, do militar sedicioso encarregado de comandar as forças inimigas do regime democrático de Madrid. Poderíamos até partir deste incidente para uma interessante reflexão de meta-história, perguntando o que teria acontecido se Sanjurjo tivesse chegado a ocupar na Navarra o cargo de chefe dos generais sediciosos em vez de Franco? [1], a verdade histórica acontecida é que o facto da hélice do avião que transportava o chefe máximo da sedição ter chocado com os pinheiros no extremo do campo improvisado donde descolava, iria facilitar a progressiva hegemonia político-militar do general Franco, não só livre do seu concorrente monárquico de simpatias carlistas, mas ainda de outros líderes da direita conspirativa como José António Primo de Rivera, fuzilado pelos republicanos em 20-XI-1936, destino que teve também o general Goded (12-VIII-36),  assim como o general Mola morria num desastre de avião (3-VI-1937). Em suma, a chefatura da rebelião nacionalista, logo nos começos da longa e sanguinolenta guerra civil, com as referidas mortes violentas, passou para Franco e Queipo de LLano, o que desde logo garantia a supremacia do galego. Em resumo, a morte acidental de Sanjurjo, deixou a conspiração militar decapitada do seu principal símbolo de unidade anti-republicana, com Franco a comandar o exército de África, Mola o exército do Norte e Queipo o inexistente exército do Sul. E, um ano depois, Franco só teria como eventual rival na chefia das compósitas forças adversas à República espanhola o truculento e inábil Queipo de Llano, político incapaz de liderar o seu campo.



Los Nacionales, cartaz republicano, s/autor, s/data
 


 
Ao acabar a guerra, os restos mortais de Sanjurjo seriam trasladados para Madrid, por fim para Pamplona e um decreto franquista nomeá-lo-ia postumamente capitão-general do Exército, apesar de Franco e o antigo comandante da guardiã Civil serem inimigos que se detestavam mutuamente. Nas vésperas do alzamiento, comentando as prudentes delongas de Franco em aderir a ele, Sanjurjo teria dito que a rebelião se faria “com Franquito ou sem Franquito”. [2] Um derradeiro pormenor do acidente do 20 de Julho em Cascais: tendo o piloto Ansaldo ficado alarmado com a enorme e pesadíssima mala que Sanjurjo quis levar consigo, contendo um uniforme completo que queria envergar como chefe do novo Estado espanhol ao chegar a Burgos e nas vésperas da sua esperada entrada triunfal entrada na capital espanhola, o “leão do Rif” não aceitou deixá-la para trás, pelo que se pode dizer que foi este excesso de equipagem o que fez difícil o descolar do avião. Como remata o britânico Hugh Thomas, Sanjurjo morreu, em suma, “vítima mais da etiqueta do que de sabotagem” [3], já que a queda do Puss-Moth chegou a ser atribuída a um misterioso sabotador, porventura ao serviço de Franco, hipótese pouco credível.
Pouco tempo volvido, a 23-X-1936, o governo português rompia as relações diplomáticas com a República espanhola proclamada em 1931, forçando Cláudio Sanchez-Albornoz, derradeiro representante do regime democrático espanhol, a expatriar-se m França, donde mais tarde, invadida esta pela Alemanha nazi, partiria para a América latina, aliás com a discreta mas eficaz ajuda do nosso Ditador, porventura secreto admirador do grande historiador medievista castelhano que tivera amarga e impossível missão de representar um regime que até as democracias europeias tinham deixado ser assassinada pelos regimes ditatoriais como a Alemanha e a Itália fascistas. [4]






 
Em 1961, na derradeira década do poder salazarista, um grupo de companheiros de armas de Sanjurjo fez erguer, com o beneplácito do nosso ditador, e durante a presidência da edilidade cascalense do tenente-coronel Vítor Novais Gonçalves, este tosco monumento cuja lápide, colocada no centro da base de calcário, reza:
 
“A la memoria del Excmo,Sr. Capitan General Don José Sanjurjo Sacanell, Marqués del Rif.
Falecido en este lugar en 20 julio 1936 en accidente de aviacción al emprender vuelo hacia España para incorporar-se ao glorioso Alzamiento Nacional
Sus compañeros de armas
20 julio de 1961.”
 
Olhando uma vez mais este feio e antipático monumento erguido pela nossa Ditadura para recordar o fim incandescente de Sanjurjo, o leitor, se for como eu democrata e verdadeiro amigo duma Espanha sem trauliteiros ou janízaros intolerantes de sabre na mão, poderá achar neste detalhe psicológico de vaidade ofenbaquiana  – os uniformes e as medalhas que Sanjurjo queria levar no avião que o matou – um elemento grotesco de anticlímax que varre todo o lado sombrio desta estória. Outra questão interessante seria ainda a de suscitar a remoção deste vestígio das ditaduras coligadas, a portuguesa e a espanhola, a salazarista e a franquista, deste feio e antipático obelisco que não tem qualquer utilidade ou legitimidade nacional ou ibérica numa península há tantos anos redemocratizada, trambolho erguido a poucos anos do afastamento do nosso frio Minotauro beirão, portanto mais adequada a ser trasladado para um cemitério na região de Areia do que a perpetuar um fait-divers que macula a paisagem do concelho de Cascais, não tendo sequer a desculpa de poder representar um momento relevante ou assinalável da História do nosso país.
 
 
João Medina
 
 
 
 
 
 
(*) Agradece-se ao Dr. João Miguel Henriques, da Câmara Municipal de Cascais, coordenador da Agenda Cultural de Cascais, a cedência das imagens para efeito exclusivo da presente publicação.   





[1] Sobre  a carreira de Sanjurjo veja-se  Carlos de Arce, Los Generales de Franco, Barcelona, ATE, 1984, pp.137-157
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[2] Veja-se a entrada Sanjurjo Sacanell, José no vol.2 do Dicionario de la Guerra Civil Española, Madrid, Editorial Planeta, 1987, p.704.
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[3] Hugh Thomas, La Guerra Civil Española, Barcelona, Mondadori, 2001vol.I, p.280.
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[4] Sobre a acção do derradeiro embaixador republicano em Lisboa, veja-se o nosso capítulo”Salazar e a ruptura das relações diplomáticas com a Espanha”, na nossa História de Portugal, Amadora, Ediclube, 1993, vol.XII, pp.321-342; sobre Sanjurjo, maxime pp.331-332 e 340.

4 comentários:

  1. Deve faltar ao monumento a base óssea que engrandece o Vale dos Caídos...pois que o Salazar mesmo na fase terminal era assumidamente um sacristão muito humanista...qualidade que o futuro Salazar pode não vir ter por a ICAR ter sido manifestamente arredada do condução espiritual da Nação....

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  2. Dou todo apoio à sugestãp de remover esse grotesco monólito quasimodal para lugar mais esconso, ou até simplesmente destruí-lo. Entretanto, transferi-lo para um cemitério não me parece adequado, já que não se trata dum túmulo, nem mesmo dum catafalco.

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  3. Tem a sua graça. Andei anos a fio a chatear AOC sempre que a placa era roubada (creio mesmo que esta não seja a original) e escusado será dizer que andou anos sem estar lá... História é História, por mais historiadores que o não achem.

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  4. Como de costume , a versão a preto e branco da Guerra Civil Espanhola...
    Que diabo, os trabalhos de Pio Moa, César Vidal, Stanley Payne, etc., estão, há já alguns anos, á disposição de quem se interessa por este período da História de Espanha.
    A versão do Komintern , intocável pós 45, foi desautorizada após 1990, com a abertura dos Arquivos Soviéticos.
    Conviria dar uma vista e olhos por " Spain Betrayed ", de R.Radosh,Mary Habeck e Grigory Sevostianov.
    E, já agora, outra sobre " Los Mitos de la Guerra Civil" , de Pio Moa.
    Sempre se fugia da propaganda dos mesmos de sempre.

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