terça-feira, 8 de outubro de 2013

from Rio with love




Daniel Blaufuks





A cidade é maravilhosa, assim dizem, e não tem como deixar de ser... A natureza é rainha. O povo-Homem destrói, constrói, corrói e mói e Ela, sempre soberana, volta a pôr tudo no lugar. Devem existir poucos sítios no mundo onde esta circularidade seja tão clara. O pessoal chega com a imagem na cabeça e com o coração virgem, porque não faz porra de ideia do que vai encontrar. Na lembrança de quem já cá esteve apenas uma imagem: poderosa. A cidade é poderosa.

 

O dia estava nublado-carregado. Uma névoa espessa trazia o horizonte bem para perto e para baixo. Do aeroporto até Copacabana as circulares todas entupidas e o taxímetro contando... Em redor, tudo cinzento. Armazéns abandonados, favelas, construção caótica, emaranhado de viadutos, gigantescos muros de contentores: a selva urbana. E por detrás da neblina, espreitando de vez quando, a silhueta do Pão de Açúcar, a hirta figura do Redentor, e a selva: a selva poderosa.

 

Subimos ao 9º andar. Flat meio-espelunca. Janelas largas em frente a mais 50 janelas de mais 50 apartamentos, com mais de 50 vidas para efabular. Velhinha sozinha e seu caniche de pantufas; mocinha jovem que recebe cavalheiros barrigudos de shorts; cinquentona enxuta, peito de silicone enfiado num vestidinho de lycra do Flamengo.

 

Jet lag bate forte, corpo pede descanso, mas no 9º andar com janelas de alumínio o ruído é insuportável: gente gritando, música alta, televisões berrando, ônibus, buzinas, carros, motos... um marulho indistinto de carburadores. Dentro de casa tudo é pegajoso, lá fora o frenesi cinzento de Copacabana. Quero dormir e não posso... Cidade maravilhosa...

 

Não tem volta, o remédio é sair de casa e mergulhar no bulício: procurar um boteco, pedir uma Antártica, um pratinho de quibi e relaxar. E aí vem a gentileza do empregado te pegar no jet lag e transformá-lo em rendição. E aí começa logo a falar mais doce e cantado e chiado, porque você já é carioca no momento em que deixa de se preocupar.... No dia seguinte, apesar da noite buliçosa, a gente já acorda mais tranquilo. O dia continua cinzento, chove e faz calor: seguimos para o Jardim Botânico. Uma espécie de horta encaixada na selva, debaixo da tempestade iminente. E ali é um concentrado de exotismo: o jasmim é jasmim vermelho e cheira a jasmim com maracujá; as jaqueiras têm 30 metros e jacas do tamanho de melancias; micos passeiam-se entre ramos de árvores de cujo tronco brotam, indomáveis, flores cor-de-rosa de cheiro inebriante. 

 

E ao final da tarde, perto do Largo do Machado, procurámos roda de samba... A Sílvia nos guiou por ruelas e ruelinhas até ao largo do Salvador. Tudo escuro (desligaram a iluminação pública do largo), mas do meio do breu sobressaem umas luzinhas... e ao fundo uma batida. São sete ou oito músicos sentados em banquinhos de plástico, quatro ou cinco pessoas assistindo, e uma senhora setentona, cintilando de lantejoulas, dançando no meio: já é uma roda de samba. Pouco a pouco as pessoas vão chegando. Carioca não chega, vai chegando. Passado uma hora já está festa montada: muito músico, muita gente dançando, muita cervejinha rodando, tudo no breu (que a luz nunca chegou a acender) e tudo legal. Entretanto foi chegando pessoal, amigo do amigo do amigo: encaminha-se um grupo de dez pessoas para o Luigi pra comer pizza. Segundo alguém me sussurrou ao ouvido, jantamos com três músicos famosos: não faço ideia quem são. Mas  conversa flui fácil, em português dos dois hemisférios, acompanhada de umas batidas de garfo na mesa. No final convidam-nos para ir a um espectáculo no próximo final de semana, no Centro Cultural do Banco do Brasil.
 

Regressamos a casa cedo... jet lag é impiedoso. 
 

O coração vem cheio de doçura e alegria. A gente se sente derreter e não é só do calor. É uma espécie de ratificação solene: a cidade é maravilhosa, indizível porquê, mas é, e tudo vai dar certo.
 
 
D'Arc


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