impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 86 - JOE LOVANO
Quando Joe Lovano nasceu em 1952,
Cleveland estava no apogeu do seu vigor e era um dos pilares ardentes do rust belt, a “cintura de ferrugem” das
grandes siderurgias e aciarias da Região dos Lagos, orgulho económico da
América. Nessas margens também acabaria por medrar o jazz – sempre, sempre do
lado dos tesos – forjado numa modalidade robusta, com têmpera, quase fumegante
– de índole operária, portanto. Durante tais anos, de uma grandeza hoje apenas
recordada, era o saxofonista tenor Tony “big T” Lovano, quem aquecia as noites agrestes
de Cleveland. O pai de Joe.
Apear de ter começado a dedilhar o
saxofone desde criança, obviamente inspirado e instruído pelo progenitor, Joe
Lovano fez um percurso à antiga, com tarimba na “manada”, a Herd de Woody
Herman e na Big Band de Mel Lewis com a qual desembarcou em Nova Iorque. Aí fez
uma viragem de 180º e surge durante a década de 80 como um dos vértices do trio
de Paul Motion, com o guitarrista Bill Frisell na outra ponta, no qual
demonstrou ter assimilado bem o estilo livre de Ornette Coleman. Apesar de a
sua consistência ter sido desde logo apreciada, a verdade é que Lovano só começou
a ganhar estatuto já com 40 anos de idade, bem ao contrário de tantos talentos
precoces que desde sempre irromperam no jazz com maior ou menor sorte, pois,
actualmente, integrar uma orquestra é uma desdita que atrasa a progressão de um
músico e o desqualifica para se alcandorar a cabeça de cartaz.
Seria, no entanto, uma ilusão
resumir a experiência de Joe Lovano a estas credenciais e ao seu aspecto de
tunante, com colares de ouro à mostra por cima da camisa berrante,
provavelmente a ver se nos convence que aprendeu na rua tudo o que sabe. Nada
disso, Lovano é um erudito: frequentou o insigne Berklee College of Music onde
hoje leciona a emérita cátedra Gary Burton.
Chega-se assim a este momento acurado que é “52nd Street Blues”, obra com a
qual Joe Lovano quis concluir o século. Daí em diante, disco após disco, ano
após ano, nunca mais deixou de disputar a preferência do público e da crítica
com o “imortal” Sonny Rollins e o resiliente Wayne Shorter. Bastará correr o
dedo pelas polls da Downbeat para
comprovar esta afirmação.
52nd STREET THEMES
2000
Blue
Note 96667
Joe
Lovano, George Garzano, Ralph Lalama (saxofone tenor); Steve Slage (saxophone
alto); Gary Smulyan (saxophone baritone); Tim Hagans (trompete); Conrad Herwig
(trombone); John Hicks (piano); Dennis Irwin (contrabaixo); Lewis Nash
(bateria).
A proposta de “52nd Street Blues” é
reconsiderar o repertório do jazz dos anos 30 e 40, quando residia no troço
dessa rua nova-iorquina entre a 5ª e a 7ª Avenida. Mas porque no jazz actual é
por vezes difícil distinguir a mera eficácia da exactidão, à primeira escuta não
será despropositado julgar o disco como demasiado culto e perfeito. Mas é esse
o risco de Joe Lovano, o de bordejar a petulância sem nunca tropeçar nela.
Em nada “52nd Street Blues” sugere
um regresso ou uma regressão. Puro nos princípios, mas informado nos processos,
em vez de exumar cadáveres como tendem a fazer os revivalistas, Lovano não
pretende fazer “à maneira de…” mas antes reviver “como se fosse”. Por isso
“52nd Street Blues” não tem fantasmas, embora nele ressurjam os espíritos de
Tadd Dameron e Billy Strayhorn, os mais prolíficos e determinantes compositores
daquele tempo, assim como de Gershwin, a quem os boppers tantas vezes recorreram, ou de Miles Davis autor do tema “Sippin’
at Bells”, talvez a sua primeira composição, datado de 1945, precisamente
quando actuava na Rua 52 e ainda de Willie “Face” Smith. Quem? Um obscuro herói
da Cleveland natal de Lovano, falecido em 2009 e aqui também autor dos arranjos
orquestrais.
“52nd Street Blues” é como se a
conversa tivesse sido interrompida durante 50 anos e recomeçasse no ponto em
que tinha ficado. Joe Lovano apresenta o fervor dos antigos, que ora exultavam
de alegria, ora exacerbavam a tristeza: “I’m
a possessed tenor saxophone player within the history of a lot of possessed
tenor saxophonists.” Para início de conversa não lhe fica nada mal.
José Navarro de
Andrade
Este é VIP (*), já o ouvi e vi ao vivo.
ResponderEliminarPor acaso não tenho este disco mas aproveitando a onda do último post que calhou a ser sobre Bob Dylan e Sinatra vou apresentar um deste também com The Voice.
(*) Aparentemente não está na célebre lista.
Boa escolha. Mas dada a prolixidade de Lovano e a energia das suas revisitações, quase se poderia eleger um disco dele de olhos fechados. Obrigado pelo comentário.
ResponderEliminarBom finalmente chegamos ao mundo dos vivos.Assisti em Matosinhos a um concerto do Joe.Pode ser erudito mas é mesmo azeiterola na roupa e adereços.A musica é de primeira e isso é que conta.Sempre bem acompanhado.Mais um bom texto.Obrigado.
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