Hoje
à tarde, na Judaica – Mostra de Cinema e Cultura, uma festa que Lisboa deve à
generosidade e à dedicação de Elena Piatok (obrigado, Elena!), passou um filme
extraordinário. Faça Hummus, Não Guerra,
do australiano Trevor Graham, são 77 deliciosos minutos. Sobre o hummus, um prato típico do Médio
Oriente. O meu grande amigo José Sobral, que se interessa e estuda como ninguém
os cruzamentos entre culinária e nacionalismo, certamente teria gostado deste
filme.
A
guerra principiou quando Israel começou a exportar a massa com que se faz o hummus com o rótulo «product of Israel» (aqui ou aqui).
O Líbano não gostou, ripostando com um hummus
colossal, feita por dezenas de cozinheiros, com entrada directa no
Guinness. Depois vieram os palestinianos, metendo-se ao barulho. O filme aborda
a querela de uma forma desconcertante, com um humor finíssimo. Trevor Graham entrevista
israelitas (e uma norte-americana neocon)
que juram que o produto é criação judaica. Depois, a autoridade palestiniana,
ao mais alto nível, assevera que o hummus
é tão árabe como o chão que pisam. Satiriza-se o belicismo da contenda: por um
lado, entrevistas a políticos ou donos de restaurantes; por outro, imagens de
pelejas épicas extraídas de películas bíblicas feitas em Hollywood (filmar a
Bíblia em Meca, ainda que só a do cinema, também se prestaria a algumas
divagações…). Paira a dúvida no espectador: a guerra do hummus é consequência de outras batalhas, bem mais sangrentas? Ou,
pelo contrário, os Seis Dias ou a Intifada são expressão de
um conflito mais surdo e antigo, de uma inimizade cultural milenar, em que hummus e heimat surgem como sinónimos? O
que é notável, neste filme, além da independência da abordagem, é o facto de
nunca insultar a inteligência do espectador, jamais alimentando a pretensão de
o manipular ou de fazer com que tome partido numa contenda que é muito mais do que culinária. Brinca-se
com esta guerra, mas o apelo à paz é bem explícito. O hummus é uma metáfora para tratar, como nunca vi tratado, o conflito
do Médio Oriente; com infinita graça e com imensa sabedoria. Bem valia a pena que este extraordinário
documentário passasse na nossa televisão.
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