Amor de pai.

 

 

 

 

 

 

         A Índia é uma terra tão grande e com tanta gente e, nunca percebi porquê, dela só nos chegam notícias más. Acidentes ferroviários, desastres ambientais, mulheres violentadas pelos seus maridos ou pais. Nunca há notícias boas vindas da Índia.

Agora, o resto do mundo, num assomo de hipocrisia, fica espantado com a notícia de fraudes em massa nos exames numa escola no Bihar. Só nos últimos dias, mais de 600 alunos foram expulsos; as autoridades locais reagiram com embaraço e indignação às imagens que mostravam pais, arriscando a vida, a escalar as paredes da escola de Vidya Niketan, em Mahnar, para ajudarem os filhos, dizendo-lhes as respostas aos testes.  

         O Estado do Bihar é o mais pobre da Índia. Os pais que escalaram o edifício da escola, arriscando as suas vidas para darem aos filhos um destino melhor, são uns heróis. Não se trata de condescendência para com os pobrezinhos, de tolerância à fraude só porque são menos afortunados. Em todo o mundo existe alpinismo social. Aqui, os pais arriscaram a vida para tirarem os filhos de uma sina de miséria. Num puro gesto de amor, admirável. Não sei porquê, as imagens que agora incendeiam a Internet fazem-me lembrar outras, as do formigueiro humano nas minas da Serra Pelada, tiradas por Sebastião Salgado. Em ambos os casos, são formigas humanas a lutar por uma vida melhor e mais digna. Na Índia, as formigas lutam por uma vida melhor para os seus filhos, com risco da própria vida. Haverá coisa mais bela?

 

 

 

Sebastião Salgado, Serra Pelada

 

 

         O Ministro da Educação do Bihar está muito envergonhado pelo sucedido, mas não devia estar. O Bihar pode ter alunos que fazem batota nos exames e pais que pactuam e até contribuam para  a batotice. O Bihar tem os pais mais pobres da Índia, mas são os melhores pais mais pobres da Índia. O Sr. Ministro da Educação do Bihar devia era estar muito orgulhoso destes encarregados de educação, que arriscam a vida pelos seus filhos. Não há muitos assim, neste mundo-cão. E não, não estou a brincar. Esta história não é risível ou caricata, é comovente e bonita. Finalmente, da Índia chega-nos uma boa notícia.