terça-feira, 7 de maio de 2019

Discutir o Acto Colonial (III) - Opiniões Contemporâneas.





 
III.1. Cunha Leal
         A longa intervenção que Cunha Leal proferiu na primeira sessão do III Congresso Colonial Nacional, a 13 de Maio de 1930, foi reproduzida sob o título “Oliveira Salazar, o Dador” no opúsculo em que resumiu o seu conflito com Salazar em matéria colonial.
Parecia-lhe que o projecto do Acto Colonial apenas continha «ou disposições vagas, ou disposições redundantes, ou disposições a que talvez não conviesse dar a rigidez de preceitos constitucionais, ou disposições, se não inconvenientes, pelo menos inconvenientemente redigidas, sendo os restantes artigos, por via de regra, simples repetição do que já está preceituado». Passava, de seguida, à demonstração destas asserções.
Entre as alterações doutrinárias relativamente ao estatuído na Constituição de 1911, destacava quatro: a)- a designação Império Colonial Português; b)- a obrigação constitucional de se extinguirem os deficits orçamentais das Colónias; c)- a revogação e proibição de concessões; d)- a extinção do sistema dos Altos-Comissários.   
Resumindo: a primeira inovação era «inconveniente e pretensiosa»; a segunda, «ridícula»; a terceira «destituída de valor prático». Já sobre o regime dos Altos-Comissários concordava com a sua substituição enquanto as colónias não se encontrassem em condições de auto-suficiência financeira. Enfim – concluía Cunha Leal –, o Acto Colonial, «depois de bem espremido, não é nada», pois que, afinal de contas, não passava de mera vaidade, «poeira, ensaio para ver como será recebida uma Constituição decretada em Ditadura, pretexto para retumbantes exibições patrioteiras»[1].
 
III.2. Bernardino Machado
Em 1930, o ex-Presidente da República, Bernardino Machado, tornara-se a voz da oposição no exílio e em Agosto escreveu um opúsculo intitulado o Acto Colonial da Ditadura, considerado por Oliveira Marques como o «mais profundo e o mais longo» de todos os seus manifestos clandestinos[2].
Dividiu-o em três partes: I – O assalto à Constituição; II – A escravização das colónias; III – A Ditadura Separatista.
A Parte I é a mais personalizada contra Salazar, que, segundo Bernardino Machado, com este Acto Colonial «da sua milagrosa lavra», visaria iniciar «o assalto à Constituição da República para o estabelecimento duma outra ordem política». Para tal, tudo fora resolvido «entre bastidores pelas congeminações herméticas dum ditador com a sua cúria privada…»; quanto ao nacionalismo consagrado pelo Acto Colonial, era  «reaccionário, despótico, militarista». Na sua síntese, o assalto do Acto Colonial à Constituição republicana era «o maior desacato cometido até hoje contra a soberania da nação» pela Ditadura instaurada e mostrava que, para Salazar, «seu chefe e seu mentor», não havia outra soberania «senão a papal».
Trata-se, portanto, de um panfleto, escrito no estrangeiro e distribuído clandestinamente. Salazar arquivou-o, sem qualquer comentário[3].
 
III.3. João de Almeida
João de Almeida – Ministro das Colónias por três dias em 1926 –, monárquico africanista e conspirador constante, compilou as suas variadas intervenções sobre o problema colonial no quarto livro da série Ao Serviço do Império, onde procurava definir os objectivos fundamentais da nacionalidade, por si vistos «do alto duma grandeza que é a única que convém e a única que é digna de Portugal»[4]. Como a preparação do Acto Colonial despertava enorme curiosidade no espírito público, vinha-lhe uma primeira impressão de estar a formar-se uma «consciência imperial». Reconhecia que a sua imediata publicação até era necessária e urgente, embora a sua função fosse provisória. Impunha-se pelas circunstâncias internacionais do momento e a futura Constituição, a reformar pelo Congresso com poderes constituintes, haveria de ser a mesma para toda a Nação e afirmar a Unidade do Império – que, por sua vez, se dividiria integralmente em Províncias, todas elas iguais e partes integrantes de Portugal. Destacou que os indígenas, apesar de pretos, eram portugueses, com os mesmos direitos e obrigações de todos os demais, enquanto as missões laicas não valiam nada pois «para missionar é preciso ter fé, desinteresse». A questão do regime não estava em equação e a Ditadura tinha de organizar o Estado Novo, «contrapondo-o ao Estado liberal que faliu estrondosamente». Apesar da confiança que depositava em Salazar – que «nestes dois anos de governo já deu as suas provas…» –, João de Almeida defendia que na redacção definitiva do Acto Colonial deveriam ser introduzidas as alterações de nomenclatura ou outras que: a)- marcassem mais nitidamente a unidade do Império Português; b)- reivindicassem mais energicamente a feição civilizadora da acção histórica de Portugal nos seus domínios; c)- procurassem estabelecer na administração o sentido nacionalista dessa acção; d)- finalmente, melhor defendessem o Império das cobiças estranhas[5].  
 
III.4. Paiva Couceiro

Num tempo e plano diferentes – pois posterior à recepção do Acto pela Constituição de 1933 –, Paiva Couceiro elaborou uma exposição acerca do Acto Colonial a solicitação do exilado e pouco depois falecido rei D. Manuel II.
Abre com um ensaio de definição e identificação do Acto Colonial: tratar-se-ia de um vantajoso «instrumento jurídico apropriado para marcar posições legais», cujo conteúdo fazia uma afirmação de princípio, declarando o significado nacional do domínio ultramarino como parte integrante da Nação Portuguesa no continente europeu e definindo os direitos, deveres, e normas constitucionais, que presidiam ao funcionamento prático desse conjunto unitário, de aquém e além-mar.
Prossegue com a sua descrição e passa a quatro observações. Em primeiro lugar, discordava da terminologia: a designação colónia deveria ser substituída, conforme era tradição portuguesa e decorria do «espírito de império unitário», por ultramar e ultramarino; quanto ao Acto Colonial deveria intitular-se Estatuto do Ultramar e as precauções nacionalizadoras quanto aos portos comerciais deveriam ser alargadas aos caminhos-de-ferro. Em terceiro lugar, quanto aos indígenas, o Acto «inclui, tão-somente, disposições relativas aos direitos destes, sem se preocupar com os seus ‘deveres’», sobretudo relativos ao trabalho «e nomeadamente ao trabalho rural, que usam endossar às mulheres». Em quarto lugar, Paiva Couceiro discordava das restrições ao estatuto das missões religiosas. Mas a conclusão geral era muito favorável: no seu conjunto, tratava-se de «um diploma de alto valor moral e jurídico» pelo que a sua promulgação representava «oportuna iniciativa de boa política nacional»[6].
 
António Duarte Silva
 




[1] Cunha Leal, Oliveira Salazar, Filomeno da Câmara e o Império Colonial Português, Lisboa, Edição do Autor, 1930, pp. 147 e segs. (e que, mais tarde, resumirá sob o novo título “O famigerado Acto Colonial”, in Minhas Memórias, Lisboa, Edição do Autor, 1968, pp. 348 e segs.).


[2] Bernardino Machado, Manifestos Políticos (1927-1940) – compilação, prefácio e notas de A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Palas editora, 1978, pp. 299 e segs.


[3] Cfr. AOS/CO/UL -1.


[4] João de Almeida, Em prol do comum, Aveiro, Minerva Central, 1931 Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1931.


[5] Idem, “O Acto Colonial”, in A Voz, de 15/V/1930, apud Em prol…, cit., pp. 104 e segs.


[6] Cfr. “Documento 339 – Estudo, ‘Anotações ao Ato Colonial para Sua Majestade ver’, Maio de 1933”, apud Filipe Ribeiro de Meneses, Paiva Couceiro, Diários, Correspondência e Escritos Dispersos, Lisboa, Dom Quixote, 2011.                

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