III.1.
Cunha Leal
A
longa intervenção que Cunha Leal proferiu na primeira sessão do III Congresso
Colonial Nacional, a 13 de Maio de 1930, foi reproduzida sob o título “Oliveira
Salazar, o Dador” no opúsculo em que resumiu o seu conflito com Salazar em
matéria colonial.
Parecia-lhe que o projecto do Acto Colonial
apenas continha «ou disposições vagas, ou disposições redundantes, ou
disposições a que talvez não conviesse dar a rigidez de preceitos
constitucionais, ou disposições, se não inconvenientes, pelo menos inconvenientemente
redigidas, sendo os restantes artigos, por via de regra, simples repetição do
que já está preceituado». Passava, de seguida, à demonstração destas asserções.
Entre as alterações doutrinárias relativamente
ao estatuído na Constituição de 1911, destacava quatro: a)- a designação
Império Colonial Português; b)- a obrigação constitucional de se extinguirem os
deficits orçamentais das Colónias; c)-
a revogação e proibição de concessões; d)- a extinção do sistema dos Altos-Comissários.
Resumindo: a primeira inovação era
«inconveniente e pretensiosa»; a segunda, «ridícula»; a terceira «destituída de
valor prático». Já sobre o regime dos Altos-Comissários concordava com a sua
substituição enquanto as colónias não se encontrassem em condições de auto-suficiência
financeira. Enfim – concluía Cunha Leal –, o Acto Colonial, «depois de bem
espremido, não é nada», pois que, afinal de contas, não passava de mera
vaidade, «poeira, ensaio para ver como será recebida uma Constituição decretada
em Ditadura, pretexto para retumbantes exibições patrioteiras»[1].
III.2.
Bernardino Machado
Em 1930, o ex-Presidente da República,
Bernardino Machado, tornara-se a voz da oposição no exílio e em Agosto escreveu
um opúsculo intitulado o Acto Colonial da
Ditadura, considerado por Oliveira Marques como o «mais profundo e o mais
longo» de todos os seus manifestos clandestinos[2].
Dividiu-o em três partes: I – O assalto à
Constituição; II – A escravização das colónias; III – A Ditadura Separatista.
A Parte I é a mais personalizada contra
Salazar, que, segundo Bernardino Machado, com este Acto Colonial «da sua
milagrosa lavra», visaria iniciar «o assalto à Constituição da República para o
estabelecimento duma outra ordem política».
Para tal, tudo fora resolvido «entre bastidores pelas congeminações herméticas
dum ditador com a sua cúria privada…»; quanto ao nacionalismo consagrado pelo
Acto Colonial, era «reaccionário,
despótico, militarista». Na sua síntese, o assalto do Acto Colonial à Constituição
republicana era «o maior desacato cometido até hoje contra a soberania da
nação» pela Ditadura instaurada e mostrava que, para Salazar, «seu chefe e seu
mentor», não havia outra soberania «senão a papal».
Trata-se, portanto, de um panfleto, escrito no
estrangeiro e distribuído clandestinamente. Salazar arquivou-o, sem qualquer
comentário[3].
III.3.
João de Almeida
João de Almeida – Ministro das Colónias por
três dias em 1926 –, monárquico africanista e conspirador constante, compilou
as suas variadas intervenções sobre o problema colonial no quarto livro da
série Ao Serviço do Império, onde
procurava definir os objectivos fundamentais da nacionalidade, por si vistos
«do alto duma grandeza que é a única que convém e a única que é digna de
Portugal»[4]. Como a
preparação do Acto Colonial despertava enorme curiosidade no espírito público,
vinha-lhe uma primeira impressão de estar a formar-se uma «consciência imperial».
Reconhecia que a sua imediata publicação até era necessária e urgente, embora a
sua função fosse provisória. Impunha-se pelas circunstâncias internacionais do
momento e a futura Constituição, a reformar pelo Congresso com poderes
constituintes, haveria de ser a mesma para toda a Nação e afirmar a Unidade do
Império – que, por sua vez, se dividiria integralmente em Províncias, todas
elas iguais e partes integrantes de Portugal. Destacou que os indígenas, apesar
de pretos, eram portugueses, com os mesmos direitos e obrigações de todos os
demais, enquanto as missões laicas não valiam nada pois «para missionar é
preciso ter fé, desinteresse». A questão do regime não estava em equação e a
Ditadura tinha de organizar o Estado Novo, «contrapondo-o ao Estado liberal que
faliu estrondosamente». Apesar da confiança que depositava em Salazar – que
«nestes dois anos de governo já deu as suas provas…» –, João de Almeida
defendia que na redacção definitiva do Acto Colonial deveriam ser introduzidas
as alterações de nomenclatura ou outras que: a)- marcassem mais nitidamente a
unidade do Império Português; b)- reivindicassem mais energicamente a feição
civilizadora da acção histórica de Portugal nos seus domínios; c)- procurassem
estabelecer na administração o sentido nacionalista dessa acção; d)-
finalmente, melhor defendessem o Império das cobiças estranhas[5].
III.4. Paiva Couceiro
Num tempo e plano diferentes – pois posterior à recepção do Acto pela Constituição de 1933 –, Paiva Couceiro elaborou uma exposição acerca do Acto Colonial a solicitação do exilado e pouco depois falecido rei D. Manuel II.
Abre com um ensaio de definição e
identificação do Acto Colonial: tratar-se-ia de um vantajoso «instrumento
jurídico apropriado para marcar posições legais», cujo conteúdo fazia uma
afirmação de princípio, declarando o significado nacional do domínio
ultramarino como parte integrante da Nação Portuguesa no continente europeu e
definindo os direitos, deveres, e normas constitucionais, que presidiam ao
funcionamento prático desse conjunto unitário, de aquém e além-mar.
Prossegue com a sua descrição e passa a quatro
observações. Em primeiro lugar, discordava da terminologia: a designação
colónia deveria ser substituída, conforme era tradição portuguesa e decorria do
«espírito de império unitário», por ultramar e ultramarino; quanto ao Acto
Colonial deveria intitular-se Estatuto do Ultramar e as precauções
nacionalizadoras quanto aos portos comerciais deveriam ser alargadas aos
caminhos-de-ferro. Em terceiro lugar, quanto aos indígenas, o Acto «inclui, tão-somente,
disposições relativas aos direitos destes, sem se preocupar com os seus
‘deveres’», sobretudo relativos ao trabalho «e nomeadamente ao trabalho rural,
que usam endossar às mulheres». Em quarto lugar, Paiva Couceiro discordava das
restrições ao estatuto das missões religiosas. Mas a conclusão geral era muito
favorável: no seu conjunto, tratava-se de «um diploma de alto valor moral e
jurídico» pelo que a sua promulgação representava «oportuna iniciativa de boa
política nacional»[6].
António Duarte Silva
[1] Cunha Leal, Oliveira Salazar, Filomeno da Câmara e o Império Colonial Português, Lisboa, Edição
do Autor, 1930, pp. 147 e segs. (e que, mais tarde, resumirá sob o novo título
“O famigerado Acto Colonial”, in Minhas
Memórias, Lisboa, Edição do Autor, 1968, pp. 348 e segs.).
[2] Bernardino Machado, Manifestos Políticos (1927-1940) – compilação,
prefácio e notas de A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Palas editora, 1978,
pp. 299 e segs.
[4] João de Almeida, Em prol do comum, Aveiro, Minerva
Central, 1931 Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1931.
[6] Cfr. “Documento 339 –
Estudo, ‘Anotações ao Ato Colonial para Sua Majestade ver’, Maio de 1933”, apud
Filipe Ribeiro de Meneses, Paiva
Couceiro, Diários, Correspondência e
Escritos Dispersos, Lisboa, Dom Quixote, 2011.
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