A ordem de trabalhos do III Congresso Colonial
Nacional, realizado na Sociedade de Geografia, em Lisboa, de 8 a 12 de Maio de
1930, previa múltiplos assuntos, sobre os quais tinham sido previamente
apresentadas quinze teses, cinco memórias e quatro comunicações[1].
Porém, logo na abertura dos trabalhos – perante
40 pessoas, «assistência reduzidíssima para a importância do acontecimento»[2] –, os
primeiros intervenientes consideravam as
teses prejudicadas pela recente publicação do projecto de Acto Colonial, cuja
imediata discussão entendiam necessária. Pelo contrário, os “situacionistas”
sustentavam tal não ser possível já que não havia sido previamente apresentada
qualquer tese sobre esta última matéria, como exigia o regulamento do Congresso.
Foi finalmente conseguida uma solução de compromisso: a sessão ordinária prosseguiria
a sua ordem de trabalhos e, no seu termo, abrir-se-ia uma sessão
extraordinária, destinada a discutir exclusivamente o Acto Colonial[3].
Nesta última, de 13 a 15 de Maio,
defrontaram-se duas correntes antagónicas[4].
Em calorosas intervenções, pronunciaram-se contra o projecto do Acto Colonial
os congressistas Carlos de Alpoim, Cunha Leal, Augusto Casimiro e Domingos
Pepulim. Eram a favor, sob liderança doutrinária e política de Henrique Galvão,
os congressistas Américo Chaves de Almeida, Garcia da Fonseca, João do Amaral,
comandante Correia da Silva e, embora apenas mediante intervenções escritas,
Pires Avelanoso, vice-almirante Hugo de Lacerda e coronel Eduardo Ferreira
Viana. Numa posição relativamente original, Caetano Gonçalves considerou que,
no essencial, o Acto Colonial, por um lado, recompilava a legislação anterior
e, por outro, reforçava a integridade e inalienabilidade do território colonial
e a política do Império; a intervenção de Nogueira de Lemos abordou
exclusivamente a questão das «concessões».
A corrente favorável ao Acto Colonial defendeu,
em suma, a sua necessidade e oportunidade; sustentou que não levantava questões
de constitucionalidade, embora criticasse algumas normas por nitidamente
regulamentares; discordou da denominação Império Colonial Português por ela
implicar uma ruptura da unidade política da República Portuguesa.
Contrariamente, os oponentes sustentaram a inutilidade do projecto, criticaram
a sua designação e falta de rigor, afirmaram tratar-se de matéria
constitucional da competência do Congresso no exercício de poderes
constituintes, discordaram das denominações Império Colonial Português e colónias,
defendendo a designação províncias ultramarinas.
Para a última sessão pública, em 15 de Maio, o
número de oradores inscritos era elevado. Mas, a meio dos debates, o grupo
liderado por Cunha Leal decidiu retirar-se, por não lhe estar a ser concedido o
tempo necessário para uso da palavra[5].
No final da manhã, as várias propostas
baixaram à Comissão de Redacção. À tarde, o Congresso reuniu para aprovar (por
maioria e votação na especialidade) as seguintes quatro conclusões:
1.ª- No presente momento internacional, a doutrina do Acto Colonial é
oportuna pelo pensamento nacionalista que a ditou e deve dominar toda a
política colonial portuguesa.
2.ª- Os Territórios portugueses de Além-Mar deverão de preferência
denominar-se de Províncias Ultramarinas, regressando-se deste modo à nossa
tradição histórica.
3.ª- Dos termos do Acto Colonial deverá resultar iniludivelmente que,
Metrópole e Províncias Ultramarinas, constituem um todo unitário e indivisível.
4.ª- O Congresso, pela dificuldade de traduzir num ou mais votos tão
diversas propostas apresentadas, não só acerca da matéria regulamentar,
que não deve ser incluída no Acto Colonial, como também de alterações,
aditamentos ou supressões de artigos do mesmo Acto, resolve pôr à disposição do
sr. Ministro das Colónias, para sua perfeita elucidação, os documentos enviados
para a Mesa por alguns congressistas.
De seguida, as moções e propostas foram
enviadas a Salazar por ofício de 19 de Maio, «com o objectivo no IV voto
consignado»[6]. Mas,
embora o III Congresso venha referenciado no subsequente parecer do Conselho Superior
das Colónias, as recomendações não tiveram repercussão na redacção final, até
porque o eventual atendimento das conclusões segunda e terceira impunha
relevantes alterações no projecto.
Ainda a propósito, na semana seguinte, o Diário de Lisboa deu grande destaque ao
“Momento Colonial” através de uma larga entrevista a Pires Avelanoso, fundador
do Arquivo Histórico Colonial. Pires Avelanoso discordou que o Congresso
tivesse apreciado o projecto do Acto Colonial, considerando não lhe caber nem
estar preparado para tal. E, em sua opinião, o que se notou foi que a
assembleia, sem qualquer proveito, se dividiu em dois campos, os que eram
contra a Ditadura e os que eram a favor dela. Quanto à muito discutida adopção
da terminologia colonial (em vez da pré-republicana designação províncias
ultramarinas – a qual seria «um contrassenso»), ela impunha-se, vinha de um
grande esforço feito no início da República, era lógica e correspondia à que,
internacionalmente, também se adoptava por toda a parte. Em especial sobre o
Acto Colonial, opinou, quanto à sua oportunidade e intenções, destacando a
extinção das companhias majestáticas, a proibição do trabalho compelido (embora
não permitindo «a vadiagem») e restringindo as concessões a estrangeiros; visto
estrategicamente, o Acto Colonial tinha um âmbito próprio, era uma espécie de
“Carta ou Estatuto Orgânico”, semelhante à Carta Orgânica de Rebelo da Silva,
de 1869, e ao Acto Adicional de 1852, pelo que não era um diploma para ser
intercalado na íntegra na futura constituição.
Especificamente sobre o Império Colonial, e a
sua ideologia, nada disse[7].
António Duarte Silva
[1] Ver III Congresso Colonial Nacional – Actas das Sessões e Teses, Lisboa,
Sociedade de Geografia, 1934.
[4] Cfr. “Sessão
extraordinária do 3.º Congresso Colonial Nacional” apud III Congresso…, cit., pp. CLXXXV e segs.
[5] Sobre esta «última
aparição pública» de Cunha Leal contra a Ditadura Militar, Luís Farinha, Cunha Leal, Deputado e Ministro da República,
Assembleia da República e Texto Editores, 2009, pp. 285/286.
[7]
“A urgência da publicação do ‘Acto Colonial’ e o que nos disse Pires
Avelanoso”, in Diário de Lisboa, de
21 de Maio de 1930, pp. 4 e 9.
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