segunda-feira, 6 de maio de 2019

Discutir o Acto Colonial (II) - No III Congresso Colonial Nacional.

 


 
A ordem de trabalhos do III Congresso Colonial Nacional, realizado na Sociedade de Geografia, em Lisboa, de 8 a 12 de Maio de 1930, previa múltiplos assuntos, sobre os quais tinham sido previamente apresentadas quinze teses, cinco memórias e quatro comunicações[1].
Porém, logo na abertura dos trabalhos – perante 40 pessoas, «assistência reduzidíssima para a importância do acontecimento»[2] –, os primeiros intervenientes  consideravam as teses prejudicadas pela recente publicação do projecto de Acto Colonial, cuja imediata discussão entendiam necessária. Pelo contrário, os “situacionistas” sustentavam tal não ser possível já que não havia sido previamente apresentada qualquer tese sobre esta última matéria, como exigia o regulamento do Congresso. Foi finalmente conseguida uma solução de compromisso: a sessão ordinária prosseguiria a sua ordem de trabalhos e, no seu termo, abrir-se-ia uma sessão extraordinária, destinada a discutir exclusivamente o Acto Colonial[3].
Nesta última, de 13 a 15 de Maio, defrontaram-se duas correntes antagónicas[4]. Em calorosas intervenções, pronunciaram-se contra o projecto do Acto Colonial os congressistas Carlos de Alpoim, Cunha Leal, Augusto Casimiro e Domingos Pepulim. Eram a favor, sob liderança doutrinária e política de Henrique Galvão, os congressistas Américo Chaves de Almeida, Garcia da Fonseca, João do Amaral, comandante Correia da Silva e, embora apenas mediante intervenções escritas, Pires Avelanoso, vice-almirante Hugo de Lacerda e coronel Eduardo Ferreira Viana. Numa posição relativamente original, Caetano Gonçalves considerou que, no essencial, o Acto Colonial, por um lado, recompilava a legislação anterior e, por outro, reforçava a integridade e inalienabilidade do território colonial e a política do Império; a intervenção de Nogueira de Lemos abordou exclusivamente a questão das «concessões».
A corrente favorável ao Acto Colonial defendeu, em suma, a sua necessidade e oportunidade; sustentou que não levantava questões de constitucionalidade, embora criticasse algumas normas por nitidamente regulamentares; discordou da denominação Império Colonial Português por ela implicar uma ruptura da unidade política da República Portuguesa. Contrariamente, os oponentes sustentaram a inutilidade do projecto, criticaram a sua designação e falta de rigor, afirmaram tratar-se de matéria constitucional da competência do Congresso no exercício de poderes constituintes, discordaram das denominações Império Colonial Português e colónias, defendendo a designação províncias ultramarinas.
Para a última sessão pública, em 15 de Maio, o número de oradores inscritos era elevado. Mas, a meio dos debates, o grupo liderado por Cunha Leal decidiu retirar-se, por não lhe estar a ser concedido o tempo necessário para uso da palavra[5].
No final da manhã, as várias propostas baixaram à Comissão de Redacção. À tarde, o Congresso reuniu para aprovar (por maioria e votação na especialidade) as seguintes quatro conclusões:
1.ª- No presente momento internacional, a doutrina do Acto Colonial é oportuna pelo pensamento nacionalista que a ditou e deve dominar toda a política colonial portuguesa.
2.ª- Os Territórios portugueses de Além-Mar deverão de preferência denominar-se de Províncias Ultramarinas, regressando-se deste modo à nossa tradição histórica.
3.ª- Dos termos do Acto Colonial deverá resultar iniludivelmente que, Metrópole e Províncias Ultramarinas, constituem um todo unitário e indivisível.
4.ª- O Congresso, pela dificuldade de traduzir num ou mais votos tão diversas propostas apresentadas, não só acerca da matéria regulamentar, que não deve ser incluída no Acto Colonial, como também de alterações, aditamentos ou supressões de artigos do mesmo Acto, resolve pôr à disposição do sr. Ministro das Colónias, para sua perfeita elucidação, os documentos enviados para a Mesa por alguns congressistas.
 
De seguida, as moções e propostas foram enviadas a Salazar por ofício de 19 de Maio, «com o objectivo no IV voto consignado»[6]. Mas, embora o III Congresso venha referenciado no subsequente parecer do Conselho Superior das Colónias, as recomendações não tiveram repercussão na redacção final, até porque o eventual atendimento das conclusões segunda e terceira impunha relevantes alterações no projecto.
Ainda a propósito, na semana seguinte, o Diário de Lisboa deu grande destaque ao “Momento Colonial” através de uma larga entrevista a Pires Avelanoso, fundador do Arquivo Histórico Colonial. Pires Avelanoso discordou que o Congresso tivesse apreciado o projecto do Acto Colonial, considerando não lhe caber nem estar preparado para tal. E, em sua opinião, o que se notou foi que a assembleia, sem qualquer proveito, se dividiu em dois campos, os que eram contra a Ditadura e os que eram a favor dela. Quanto à muito discutida adopção da terminologia colonial (em vez da pré-republicana designação províncias ultramarinas – a qual seria «um contrassenso»), ela impunha-se, vinha de um grande esforço feito no início da República, era lógica e correspondia à que, internacionalmente, também se adoptava por toda a parte. Em especial sobre o Acto Colonial, opinou, quanto à sua oportunidade e intenções, destacando a extinção das companhias majestáticas, a proibição do trabalho compelido (embora não permitindo «a vadiagem») e restringindo as concessões a estrangeiros; visto estrategicamente, o Acto Colonial tinha um âmbito próprio, era uma espécie de “Carta ou Estatuto Orgânico”, semelhante à Carta Orgânica de Rebelo da Silva, de 1869, e ao Acto Adicional de 1852, pelo que não era um diploma para ser intercalado na íntegra na futura constituição.
Especificamente sobre o Império Colonial, e a sua ideologia, nada disse[7].
 
António Duarte Silva






[1] Ver III Congresso Colonial Nacional – Actas das Sessões e Teses, Lisboa, Sociedade de Geografia, 1934.


[2] Diário de Lisboa, de 9 de Maio de 1930.


[3] Cfr. III Congresso…, cit., pp. XL a LXIII.


[4] Cfr. “Sessão extraordinária do 3.º Congresso Colonial Nacional” apud III Congresso…, cit., pp. CLXXXV e segs.


[5] Sobre esta «última aparição pública» de Cunha Leal contra a Ditadura Militar, Luís Farinha, Cunha Leal, Deputado e Ministro da República, Assembleia da República e Texto Editores, 2009, pp. 285/286.


[6] Cfr. Arquivos Nacionais – Torre do Tombo, AOS/CO/UL-1, n.ºs 154/203.


[7] “A urgência da publicação do ‘Acto Colonial’ e o que nos disse Pires Avelanoso”, in Diário de Lisboa, de 21 de Maio de 1930, pp. 4 e 9.

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