sexta-feira, 10 de maio de 2019

Discutir o Acto Colonial (VI) - Publicações Oficiais.

 
 
 
 
 Depois de apreciado em Conselho de Ministros – primeiro, na generalidade, em Abril e, depois, na especialidade em Junho –, o Acto Colonial foi finalmente publicado em Anexo a um extenso Decreto Preambular.
«Dado nos Paços do Governo da República, em 8 de Julho de 1930», este Decreto n.º 18.570, promulgado pelo Presidente da República, Óscar Carmona, «para valer como lei», proposto e assinado pelos «Ministros de todas as Repartições», continha quatro artigos:
Artigo 1.º O Acto Colonial que vai anexo a este decreto com força de lei, e dele faz parte, entra imediatamente em vigor, substituindo o título V da Constituição Política da República Portuguesa, e devendo ser incorporado na reforma geral desta, sujeito a revisão pelo Congresso, reunido com poderes constituintes.
Artigo 2.º O disposto no artigo antecedente deve ser também entendido sem prejuízo de continuar a ser exercida pelo Governo a faculdade de publicar decretos com força de lei até se regressar completamente à normalidade constitucional.
Artigo 3.º Continua em vigor o artigo 1.º do decreto n.º 15.853, de 15 de Agosto de 1928, relativamente ao regime administrativo de Timor enquanto o Governo o julgar necessário.
Artigo 4.º Ficam revogadas as disposições das leis orgânicas das colónias que são alteradas pelo Acto Colonial e bem assim a demais legislação em contrário.
             O Decreto Preambular era, no conjunto, um texto carregado ideologicamente e compósito: continha uma introdução justificativa desenvolvida em cinco parágrafos, um enunciado descritivo dos principais preceitos reunidos nos quatro títulos do Acto Colonial, uma referência à discussão pública, uma outra quanto ao plano do Governo sobre a imediata apresentação pública e, finalmente, o citado articulado em quatro artigos que justificavam e regulavam a eficácia da publicação do Acto Colonial propriamente dito. Mas pouco diferia do projecto submetido a discussão pública: apenas se eliminava, por um lado, a referência expressa às missões religiosas estrangeiras, passando a admitir-se «o livre exercício dos diversos cultos» e se referia, em novo número, a prévia audição pública do projecto.  
Materialmente, tratava-se da primeira lei constitucional do Estado Novo; formalmente, valia como um decreto com força de lei, sujeito a posterior ratificação por uma Assembleia Constituinte; a sua denominação derivava da tradição portuguesa de chamar Actos Adicionais às leis que alteravam ou completavam a Constituição[1]. Relativamente à legislação anterior, o Acto Colonial, substituindo e absorvendo as Bases Orgânicas, era «uma lei orgânica com carácter constitucional»[2]. Enquanto tipo de constituição, era, e ficaria sendo até 1951, uma constituição (formal) especial para as colónias. Por outras palavras: através do Acto Colonial, o legislador português (de Lisboa) criava uma ordem constitucional própria das colónias – consequentemente, conforme concluía o parecer elaborado por Armindo Monteiro para esclarecimento dos seus colegas de Governo, também as normas constitucionais aplicáveis nas colónias – tal como a legislação ordinária – eram especiais[3].     
             Além das considerações nas Notas Oficiosas antecedentes da sua elaboração[4], Salazar fez uma primeira referência pública ao Acto Colonial (embora incidental e até anterior um dia à aprovação do parecer do Conselho Superior das Colónias e mais de um mês quanto à publicação oficial) no Discurso da Sala do Risco, em 28 de Maio de 1930. O Império Colonial veio a propósito da batalha da ordem e do problema económico: aqui, também relativamente aos «domínios ultramarinos», só era possível uma acção larga depois de se ter conseguido o seu saneamento financeiro. Segundo Salazar, o projectado Acto Colonial estava conforme o espírito ultramarino português (histórico, nacionalista e civilizador) e, além de certas reivindicações fundamentais, decorria da necessidade de ordem na administração e governo das colónias[5]. Assim, através de uma rigorosa centralização político-administrativa, a ordem colonial ficaria associada à revigorada independência nacional.
Menos de um mês depois da publicação do Acto Colonial e no dia seguinte ao da sua substituição como Ministro das Colónias, a 30 de Julho de 1930, após a leitura do manifesto constitutivo da União Nacional, feita por Domingos de Oliveira, Presidente do Ministério, Salazar definiu os traços fundamentais da reforma político-constitucional, afastando radicalmente as perspectivas ou hesitações quanto à “recuperação” da Constituição de 1911, ainda afloradas na publicação do Acto Colonial[6].
Plebiscitada em 19 de Março, a Constituição entrou em vigor a 11 de Abril de 1933. Passou a conter um Título VII – Do Império Colonial Português – composto por um só artigo (precisamente com o mesmo número do projecto e de igual redacção) dispondo: «São consideradas matéria constitucional as disposições do Acto Colonial, devendo o Governo publicá-lo novamente com as alterações exigidas pela presente Constituição» (artigo 132.º). Assim, por esta via de recepção, o Acto Colonial tornava-se o estatuto constitucional do Império, mas mantinha-se, ao constar de documento diverso, fora da Constituição de 1933, isto é, como «um acto adicional à Constituição de 1933»[7], e já não à Constituição de 1911. Ou seja, tal como o Estado Novo absorvera, separado e como outra forma de Estado, o Império Colonial, também a Constituição de 1933 absorvia, como constituição especial e heterónoma, o Acto Colonial.
A par da Constituição, o Acto Colonial foi revisto em 1935 (favorecendo as missões católicas) e em 1945 (alargando a descentralização administrativa). Na revisão de 1951, tendo Salazar decidido sacrificar a «ideia de Império»[8] e abolir toda a terminologia colonial, passou quase integralmente para o texto da Constituição de 1933.  Aí se manteve até à revisão de 1971, quando Marcelo Caetano (aliás, defensor do seu sistema, forma e doutrina, vencido em 1951), suprimiu o que restava dos seus princípios e normas, salvo quanto à «autonomia temperada» – que tentou reforçar.
 
António Duarte Silva
 




[1] Marcelo Caetano, A Constituição de 1933 – Estudo de Direito Político (Coimbra: Coimbra Editora, 1957), p. 6, e Idem, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional (Lisboa: Coimbra Editora, 1972), pp. 491/492.
[2] Idem, Direito Público Colonial Português (lições coligidas por Mário Neves) (Lisboa: s.n.,1934), p. 74.
[3] Apud AOS/CO/UL-1A, pp. 346-348.
[4] São relevantes as seguintes quatro Notas Oficiosas: i)- de 7 de Janeiro (“A crise de Angola”, em polémica com Cunha Leal sobre a política financeira para Angola); ii)- de 16 de Fevereiro  (Programa do Ministério das Colónias); ii) de 22 de Fevereiro (Polémica com Norton de Matos sobre o programa do Ministério das Colónias); iii)- de 29 de Abril (Justificação do Acto Colonial). Ver também, pela sua «importância excepcional», o discurso que Salazar proferiu no termo da sua interinidade como Ministro das Colónias, in Diário de Notícias, de 30 de Julho de 1930.
[5] Oliveira Salazar, “Ditadura Administrativa e Revolução Política”, in Discursos, Vol. I, 5.ª edição revista, Coimbra Editora, 1961, pp. 56/57.
[6] Cfr. Oliveira Salazar, “Princípios fundamentais…”, in Discursos… , cit., pp.. 69 e segs.
[7] Marcelo Caetano, Administração e Direito Colonial - Apontamentos das lições ao 3.º ano de 1949-1950 (coligidos por Arminda Vilares Cepeda e A. J. Viana Rodrigues), Lisboa, AAFDL, p. 5.
[8] Oliveira Salazar, “O caso de Goa”, in Discursos e Notas Políticas, vol. V, 1951-1958, Coimbra Editora, 1959, p. 271.
 
 
 
 
 

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