Depois de apreciado em Conselho de Ministros –
primeiro, na generalidade, em Abril e, depois, na especialidade em Junho –, o
Acto Colonial foi finalmente publicado em Anexo a um extenso Decreto Preambular.
«Dado nos Paços do Governo da República, em 8
de Julho de 1930», este Decreto n.º 18.570, promulgado pelo Presidente da
República, Óscar Carmona, «para valer como lei», proposto e assinado pelos
«Ministros de todas as Repartições», continha quatro artigos:
Artigo 1.º O Acto Colonial que vai anexo a este decreto com força de
lei, e dele faz parte, entra imediatamente em vigor, substituindo o título V da
Constituição Política da República Portuguesa, e devendo ser incorporado na
reforma geral desta, sujeito a revisão pelo Congresso, reunido com poderes
constituintes.
Artigo 2.º O disposto no artigo antecedente deve ser também entendido
sem prejuízo de continuar a ser exercida pelo Governo a faculdade de publicar
decretos com força de lei até se regressar completamente à normalidade
constitucional.
Artigo 3.º Continua em vigor o artigo 1.º do decreto n.º 15.853, de 15
de Agosto de 1928, relativamente ao regime administrativo de Timor enquanto o
Governo o julgar necessário.
Artigo 4.º Ficam revogadas as disposições das leis orgânicas das
colónias que são alteradas pelo Acto Colonial e bem assim a demais legislação
em contrário.
O
Decreto Preambular era, no conjunto, um texto carregado ideologicamente e
compósito: continha uma introdução justificativa desenvolvida em cinco
parágrafos, um enunciado descritivo dos principais preceitos reunidos nos
quatro títulos do Acto Colonial, uma referência à discussão pública, uma outra
quanto ao plano do Governo sobre a imediata apresentação pública e, finalmente,
o citado articulado em quatro artigos que justificavam e regulavam a eficácia
da publicação do Acto Colonial propriamente dito. Mas pouco diferia do projecto
submetido a discussão pública: apenas se eliminava, por um lado, a referência
expressa às missões religiosas estrangeiras, passando a admitir-se «o livre
exercício dos diversos cultos» e se referia, em novo número, a prévia audição
pública do projecto.
Materialmente, tratava-se da primeira lei
constitucional do Estado Novo; formalmente, valia como um decreto com força de
lei, sujeito a posterior ratificação por uma Assembleia Constituinte; a sua
denominação derivava da tradição portuguesa de chamar Actos Adicionais às leis
que alteravam ou completavam a Constituição[1].
Relativamente à legislação anterior, o Acto Colonial, substituindo e absorvendo
as Bases Orgânicas, era «uma lei orgânica com carácter constitucional»[2]. Enquanto
tipo de constituição, era, e ficaria sendo até 1951, uma constituição (formal) especial
para as colónias. Por outras palavras: através do Acto Colonial, o legislador
português (de Lisboa) criava uma ordem constitucional própria das colónias –
consequentemente, conforme concluía o parecer elaborado por Armindo Monteiro
para esclarecimento dos seus colegas de Governo, também as normas
constitucionais aplicáveis nas colónias – tal como a legislação ordinária – eram
especiais[3].
Além
das considerações nas Notas Oficiosas antecedentes da sua elaboração[4], Salazar
fez uma primeira referência pública ao Acto Colonial (embora incidental e até
anterior um dia à aprovação do parecer do Conselho Superior das Colónias e mais
de um mês quanto à publicação oficial) no Discurso da Sala do Risco, em 28 de
Maio de 1930. O Império Colonial veio a propósito da batalha da ordem e do
problema económico: aqui, também relativamente aos «domínios ultramarinos», só
era possível uma acção larga depois de se ter conseguido o seu saneamento
financeiro. Segundo Salazar, o projectado Acto Colonial estava conforme o
espírito ultramarino português (histórico, nacionalista e civilizador) e, além
de certas reivindicações fundamentais, decorria da necessidade de ordem na
administração e governo das colónias[5].
Assim, através de uma rigorosa centralização político-administrativa, a ordem
colonial ficaria associada à revigorada independência nacional.
Menos de um mês depois da publicação do Acto
Colonial e no dia seguinte ao da sua substituição como Ministro das Colónias, a
30 de Julho de 1930, após a leitura do manifesto constitutivo da União
Nacional, feita por Domingos de Oliveira, Presidente do Ministério, Salazar
definiu os traços fundamentais da reforma político-constitucional, afastando
radicalmente as perspectivas ou hesitações quanto à “recuperação” da
Constituição de 1911, ainda afloradas na publicação do Acto Colonial[6].
Plebiscitada em 19 de Março, a Constituição
entrou em vigor a 11 de Abril de 1933. Passou a conter um Título VII – Do
Império Colonial Português – composto por um só artigo (precisamente com o
mesmo número do projecto e de igual redacção) dispondo: «São consideradas
matéria constitucional as disposições do Acto Colonial, devendo o Governo
publicá-lo novamente com as alterações exigidas pela presente Constituição»
(artigo 132.º). Assim, por esta via de recepção, o Acto Colonial tornava-se o
estatuto constitucional do Império, mas mantinha-se, ao constar de documento
diverso, fora da Constituição de 1933, isto é, como «um acto adicional à
Constituição de 1933»[7], e já não
à Constituição de 1911. Ou seja, tal como o Estado Novo absorvera, separado e
como outra forma de Estado, o Império Colonial, também a Constituição de 1933
absorvia, como constituição especial e heterónoma, o Acto Colonial.
A par da Constituição, o Acto Colonial foi revisto
em 1935 (favorecendo as missões católicas) e em 1945 (alargando a
descentralização administrativa). Na revisão de 1951, tendo Salazar decidido sacrificar a «ideia de
Império»[8] e
abolir toda a terminologia colonial, passou quase integralmente para o texto da Constituição de 1933. Aí se manteve até à revisão de 1971, quando
Marcelo Caetano (aliás, defensor do seu sistema, forma e doutrina, vencido em
1951), suprimiu o que restava dos seus princípios e normas, salvo quanto à «autonomia
temperada» – que tentou reforçar.
António Duarte Silva
[1] Marcelo Caetano, A Constituição de 1933 – Estudo de Direito Político (Coimbra:
Coimbra Editora, 1957), p. 6, e Idem, Manual
de Ciência Política e Direito Constitucional (Lisboa: Coimbra Editora,
1972), pp. 491/492.
[2] Idem, Direito Público Colonial Português (lições coligidas por Mário
Neves) (Lisboa: s.n.,1934), p. 74.
[3] Apud AOS/CO/UL-1A, pp. 346-348.
[4] São relevantes as seguintes quatro
Notas Oficiosas: i)- de 7 de Janeiro (“A crise de Angola”, em polémica com
Cunha Leal sobre a política financeira para Angola); ii)- de 16 de
Fevereiro (Programa do Ministério das
Colónias); ii) de 22 de Fevereiro (Polémica com Norton de Matos sobre o
programa do Ministério das Colónias); iii)- de 29 de Abril (Justificação do
Acto Colonial). Ver também, pela sua «importância excepcional», o discurso que
Salazar proferiu no termo da sua interinidade como Ministro das Colónias, in Diário de Notícias, de 30 de Julho de
1930.
[5] Oliveira Salazar, “Ditadura
Administrativa e Revolução Política”, in Discursos,
Vol. I, 5.ª edição revista, Coimbra Editora, 1961, pp. 56/57.
[6] Cfr. Oliveira Salazar, “Princípios
fundamentais…”, in Discursos… , cit.,
pp.. 69 e segs.
[7]
Marcelo Caetano, Administração e Direito
Colonial - Apontamentos das lições ao 3.º ano de 1949-1950 (coligidos por
Arminda Vilares Cepeda e A. J. Viana Rodrigues), Lisboa, AAFDL, p. 5.
[8] Oliveira Salazar, “O caso de Goa”, in
Discursos e Notas Políticas, vol. V, 1951-1958, Coimbra Editora, 1959,
p. 271.
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