O Conselho Superior das Colónias, com
competência consultiva obrigatória acerca das alterações das leis orgânicas da
administração colonial, fora mandado ouvir sobre o assunto por despacho
ministerial de 10 de Maio de 1930. Emitiu um extenso parecer, com recurso à
teoria, à história e ao direito colonial comparado, português e estrangeiro,
relatado pelo vogal António de Aguiar e discutido em quatro sessões
consecutivas, a primeira dedicada à generalidade e as restantes na
especialidade e artigo por artigo.
As questões mais controvertidas foram sete: i)
a designação Acto Colonial; ii) a adopção dos termos colónias ou províncias
ultramarinas; iii) a necessidade, oportunidade e urgência da publicação; iv) a
designação Império Colonial Português; v) a expulsão de nacionais e
estrangeiros; vi) as disposições relativas aos territórios coloniais e às
concessões; vii) o título relativo aos indígenas.
Quanto à primeira questão, o parecer
considerava dever manter-se a designação Acto Colonial «adoptada pelo Sr. Ministro
das Colónias», por ser a mais harmónica com as tradições do direito público
constitucional português e a origem etimológica do termo. Talvez a expressão
pudesse «lembrar o Colonial Act dos
nossos fiéis amigos e aliados»[1],
mas, mais do que isso, ela estava na continuação histórica dos três Actos
Adicionais à Carta Constitucional.
A adopção do termo colónia prendia-se com os
três sistemas de governo e administração colonial (sujeição, assimilação ou
centralização, e autonomia colonial) – que são analisados com detalhe. Em
especial, quanto à designação a dar aos territórios ultramarinos, o parecer
concluía que a evolução da legislação ultramarina mostrava que a designação
províncias ultramarinas só era adequada ao sistema político de assimilação; era
«precisamente a realidade, nua e crua, da época presente e a nossa situação
internacional, no actual momento em que o sistema de autonomia administrativa e
financeira domina por toda a parte, que nos levam a adoptar a terminologia de
colónias portuguesas». Acrescia ainda – segundo o parecer – que a adopção do
termo províncias ultramarinas implicaria a mudança de nome do Ministério das
Colónias, «o que viria a alterar a nomenclatura hoje usada sobretudo lá fora,
onde todas as nações coloniais têm os seus Ministérios das Colónias, e não
Ministérios do Ultramar, ou outra designação equivalente».
Ora – acrescente-se –, em 1911, as expressões
províncias ultramarinas e colónias haviam sido usadas indiferenciadamente e,
por isso mesmo, os trabalhos da Assembleia Constituinte foram acusados de
«deplorável confusão»[2]. As leis
de 1914 mantiveram a ambiguidade, intitulando-se Leis Orgânicas das províncias
ultramarinas (como decorria expressamente do artigo 67.º da Constituição) mas
usavam sempre, no articulado, o termo colónias. Só com a revisão constitucional
de 1920 ficara oficialmente consagrada a designação colónia, agora mantida e
reforçada, como parte do Império Colonial, por sua vez, um todo, tratado como
uno e solidário embora formado por colónias dispersas e desiguais.
Decidida e justificada a opção pelo termo
colónia, o parecer passava à questão de saber se a publicação do Acto Colonial
era realmente necessária, oportuna e urgente. Primeiro, recordam-se as razões
avançadas na Nota Oficiosa de 29 de Abril e no relatório do projecto. Depois, o
parecer tece «a sua sincera homenagem ao Ministro das Colónias», quer «pela
iniciativa desse diploma», quer «pelos elevados e patrióticos intuitos com que
o elaborou». Ou seja, Salazar, como Ministro das Colónias, era quem estava
«mais autorizado» para sobre tal ajuizar e o Conselho concluía – após uma
panorâmica sobre a conjuntura internacional e colonial –, que era «sem dúvida
alguma necessário, oportuno e urgente publicar um diploma que fixe, como
matéria constitucional, um conjunto de preceitos de ordem moral, económica,
social e política a que deverá obedecer de futuro toda a nossa administração
colonial».
Outra questão importante, debatida na
especialidade, respeitava à consagração constitucional do Império Colonial
Português. Apesar de algumas divergências, o Conselho acabou por concordar com
ela e avançava mesmo – respondendo expressamente ao mais importante argumento
contrário – que «manifestamente, ao agruparem-se as colónias portuguesas sob a
designação de Império Colonial Português, não se quis de forma alguma quebrar a
unidade nacional, nem tão pouco que elas passassem a constituir politicamente
um organismo distinto». Eram dois os argumentos decisivos para a maioria dos
conselheiros. Primeiro, porque no texto do projecto ficara «bem frisada a
solidariedade e bem assim a unidade política, moral, administrativa e económica
entre a metrópole, ilhas adjacentes e os territórios do ultramar, de forma a
constituírem, de facto, sob a designação de Nação portuguesa ou Portugal, um
todo político, indivisível e indissolúvel». Depois, porque «o próprio espírito
nacionalista que ditou todo o Acto Colonial nenhumas dúvidas deixa a tal
respeito».
Ou seja: segundo o parecer, o Acto Colonial
privilegiava a essência ideológica do Império Colonial Português, que havia
sido criado legalmente em 1926 pelo Ministro João Belo como associação política
dividida administrativamente em oito colónias. Agora, em 1930, o Acto Colonial
vinha constitucionalizar o imperialismo da política colonial portuguesa.
Sobre a expulsão de nacionais e estrangeiros
residentes nas colónias, o parecer pronunciou-se pela manutenção do processo
administrativo e mero recurso para o Conselho de Ministros, contra aqueles que
defendiam a intervenção do poder judicial, «visto tratar-se a bem dizer de
medidas de carácter policial ou de ordem pública, e atenta a necessidade que
hoje há de fortalecer a autoridade de quem governa».
Quanto à definição e propriedade sobre o
território colonial, bem como sobre o regime de concessões ou exploração por
estrangeiros, o parecer (embora sugerindo algumas reformulações) concordava com
o teor da proposta governamental por ter «um largo alcance patriótico e ao
mesmo tempo um especial significado no momento político internacional».
Relativamente ao Título sobre os indígenas não
conteria «a bem dizer matéria nova», limitando-se a fixar constitucionalmente o
que se encontrava espalhado na legislação colonial. Em especial, foi rejeitada
a sugestão de que «ficasse definida por forma bem expressa a obrigação dos
indígenas em matéria de impostos, e bem assim no tocante ao trabalho braçal
[…], serviço militar, trabalho correccional […]». Portanto, os artigos em causa
ficaram aprovados tal qual se encontravam no projecto, com alguns retoques.
Finalmente, o Conselho concordava com os princípios
que enformavam o Título III, sobre o regime político e administrativo, e também
o Título IV, sobre as garantias económicas e financeiras – aqui «atento o
descalabro em que se encontram as finanças de quase todas as nossas colónias,
sobretudo a de Angola, e a necessidade e urgência de prover de remédio a uma
semelhante situação» –, embora sugerindo algumas alterações em ambos os
articulados.
Este Parecer
n.º 331, acerca do Acto Colonial (Substituição do artigo V da Constituição
Política da República Portuguesa de 1911), do Conselho Superior das
Colónias, foi publicado como uma espécie de Anexo à edição oficial do Acto
Colonial. O texto – aprovado, em 29 de Maio, pela unanimidade dos 18 membros e
subscrito à cabeça por Manuel Fratel, secretário-geral do Ministério das
Colónias – mereceu porém várias discordâncias na especialidade. Identificado
como publicista e administrador do Banco Nacional Ultramarino, Quirino de Jesus
surge como mero subscritor mas irá beneficiar das considerações constantes do parecer
aquando da meticulosa redacção definitiva do Acto Colonial, que lhe caberá em
exclusivo[3].
O Conselho Superior das Colónias, em
complemento do seu trabalho, integrou no parecer o projecto do Acto Colonial
com as alterações que entendeu introduzir-lhe na especialidade. Este (novo)
projecto não se encontra, porém, publicado autonomamente nem arquivado nas
Pastas constantes do Arquivo Oliveira
Salazar (a quem foi, de certeza, enviado). Mas deve ter servido de base ao
texto que, dias depois, em 23 de Junho de 1930, foi discutido e aprovado na
especialidade em Conselho de Ministros. Certo é que a versão definitiva do
relatório do Decreto n.º 18.570 referencia expressamente o dito parecer como um
dos elementos apreciados pelo Governo.
António Duarte Silva
[1] Esta equiparação, algo
repetida na época, é superficial: na história do Império britânico, os Colonial Act foram múltiplos, variados e
seculares; designavam os actos legislativos (provenientes do Parlamento ou
enquanto Orders in Council) que se
destinavam a regular certas e determinadas matérias na(s) colónia(s).
[2] José Gonçalo de Santa Rita, “As parcelas
do Portugal ultramarino na nomenclatura constitucional”, in Revista da Escola Superior Colonial,
Vol. I (1948-1949), p. 21.
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