Mandume
Ya Ndemufayo
O
último soba do povo Cuanhama
O
povo cuanhama habitava a região correspondente à parte sul de Angola (Ovambo),
que faz fronteira atualmente com a Namíbia. Apesar do clima ser semi-árido e
não favorecer a agricultura, as terras agrícolas, trabalhadas pelas mulheres
cuanhamas, atingiam uma dimensão considerável. Devido aos constrangimentos
climáticos, os cuanhamas eram forçados a constantes transumâncias, ora na busca
de pastos, ora na busca de água – um elemento raro no espaço geográfico do
Ovambo.
Entre
os cuanhamas havia bons metalúrgicos, possuidores de técnica apurada para a
obtenção do metal líquido, e era-lhes reconhecida a grande paixão pela cor
vermelha e por ritmos fortes, normalmente emitidos por agigantados tambores
cilíndricos com tímpanos de pele.
Revelavam
uma inata vocação poética, possuindo no seu cancioneiro centenas de poemas, a
maioria dedicados aos bois.
Os cuanhamas usavam como
armas tradicionais o arco e flechas, o porrinho e a lança de arremesso equipada
com caudas. Eram bons caçadores e destros cavaleiros, o que os tornava
proprietários de muitos cavalos, constituindo esse facto motivo de grande
prestígio e de vantagem estratégica em combate.
Mandume
O último chefe (soba) do povo
cuanhama (ou kuanyama) foi Mandume ya Ndemufayo. Nasceu em 1884 e morreu em
1917, tendo reinado de 1911 até à sua morte. Num ponto, o povo cuanhama e a
História são unânimes: era um homem cruel, mas muito inteligente e
politicamente hábil: um déspota feroz, sagaz, mas corajoso.
O soba Mandume era letrado e,
abstraindo a suas atitudes bárbaras, tolerava as missões protestantes alemãs,
que o instruíram na língua, na escrita e na religião. Dizia ele, ao que consta,
que «todos os brancos que estivessem
dentro do seu território deviam ser mortos, à exceção dos padres», e a
comprová-lo mandou matar um português, a mulher e os amigos que o acompanhavam.
Para justificar a diferenciação que fazia entre as missões, católicas e
protestantes, inimigas as primeiras, amigas as segundas, referia o facto de os
católicos «só se dedicarem à catequese e se meterem em negócios de gado»,
enquanto os luteranos primavam por «elevar o nível social e intelectual das
massas».
O seu fim, trágico define o homem que
era: valente, ousado, arrogante e aventureiro. Abandonando N'Giva, sede do
reino, depois da última batalha da Môngua com os portugueses, em Agosto de
1915, fugiu para Lhole, na fronteira com o Sudoeste, e prestou vassalagem à
Coroa Britânica.
Impaciente, de espírito ardente e
guerreiro, desenvolveu uma enorme atividade nos domínios já abrangidos pelos
portugueses, incitando à revolta contra os brancos e intimando-os a passarem
para o sudoeste com suas manadas. Eufórico, foi além dos limites da prudência e
exerceu uma ação de combate em território inglês.
No ano seguinte, dirigiu investidas
ao Cuanhama, tentando reconquistar o seu reino. Foi então que as autoridades
portuguesas de Namakunde decidiram pedir aos ingleses que terminassem com as
atividades de Mandume. A 30 de Outubro de 1916, o soba aniquilou uma força
portuguesa, comandada pelo tenente Raul de Andrade, habilmente atraída a uma
cilada.
Convocado pelos ingleses para uma
conferência de paz em Windhoeck, no atual território namibiano, recusou-se a
ir, argumentando: «os ingleses que venham
ao Lhole, se quiserem», e preparando-se para os receber, sabendo de antemão
que apressava o seu fim, declarou: «se os
ingleses me querem, podem vir apanhar-me. Não dispararei o primeiro tiro, mas
não sou um touro do mato. Sou um ser humano. E como também não sou uma mulher,
combaterei até ao último cartucho».
Assim
terá morrido, embora outras versões relatem o suicídio do soba, perante a
ameaça das tropas portuguesas, ou o ter sido abatido a tiro por estas, sendo
depois decapitado e a sua cabeça exibida «durante anos» pelas autoridades
lusas. Desconhecendo-se os pormenores históricos e qual a versão que
corresponde à verdade, mas deverá ficar para a memória coletiva esta
personagem, bem relatada num poema épico laudatório escrito em sua honra pelo
Padre Carlos Estermann, e que consta da sua obra Etnografia do Sudoeste de Angola, editada em 1960.
Mário
Cordeiro
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