quarta-feira, 13 de março de 2013

A Batalha das Nações.



 



 
 



 
 
 
 
 
Já aqui no Malomil falei de um triplo homicídio em Leipzig, quando aí entraram, no final da 2ª Guerra, as tropas aliadas. Agora, tropecei numa fotografia estranhíssima, que não me parecia ser real. Na imagem, um soldado, com um ar espantado (não era para menos…), deambulava num cenário que, como bem observou o meu amigo João, parecia tirado de um filme do Indiana Jones. Sem pretensiosismos, a imagem parecia-me ser o retrato perfeito do germânico conceito de Ernstfall, expressão intraduzível, mas sempre bonita.
 
 
 
         A cripta, monumental, tinha uns cavaleiros teutónicos e umas imagens estranhíssimas de umas caras gigantescas, que pareciam a recriação hollywoodesca, ademais mal feita, de um cruzamento contranatura entre uma igreja medieval e um monumento azteca. O que me surgia ao caminho era uma torre descomunal, um zigurate gótico. 
 
 

 
 
 
De facto, é um monumento – bendita Wiki ! –, mais precisamente o Monumento à Batalha das Nações, que em alemão se escreve, vamos lá, Völkerschlachtdenkmal (aqui, por ex., ou aqui). Foi acabado de edificar em 1913, mesmo a tempo de comemorar o centenário da derrota de Napoleão. Diz-se que está construído (e sempre são 91 metros de altura) no local exacto em que os franceses perderam a Batalha das Nações.
.
.
 




 

 
Para chegar ao topo, são 500 degraus. Desde o ano a seguir à vitória – em 1814, portanto – que se pensava construir algo, assim para o grandioso, que assinalasse o triunfo germânico sobre os gauleses. Por ocasião do 50º aniversário da batalha, lançou-se a primeira pedra, andou-se à volta com projectos, mas apenas em 1913, como se disse, a obra seria concluída. O seu autor, Bruno Schmitz, morreria três anos depois. Foi escolhido, ao que parece, por ter traçado as linhas do Kyffhäuserdenkmal, outro esmagador memorial, sito na Turíngia.
.
O Kyffhäuserdenkmal, 1896
 
 
Nos anos vinte do século XX, o Völkerschlachtdenkmal serviu de cenário a grandes comícios nacionalistas e há uma fotografia, fraquita, de Hitler a discursar às massas junto ao monumento, por alturas de 1933 ou 1934. Poderíamos falar das colossais esculturas, e do que representam, as qualidades germânicas, enaltecidas em granito no mais puro estilo guilhermino: a bravura, a fé, a capacidade de sacrifício, a ferilidade. Também se poderia dizer qualquer coisa a propósito das representações dos «Guardas da Morte» (Totenwächter) ou das ressonâncias maçónicas que por ali existem. Vamos a contas: a construção começou em 1898 e terminou em 1913.
  
Comício nacionalista, 1924
 
 
Hitler no local, 1933
 
Oficiais nazis, frente ao monumento, 1940
Um soldado americano, no pós-guerra
 
 
Para um monumento com 91 metros de altura e 124 metros na base, um dos mais grandiosos da Europa, não demorou muito tempo. Os custos estiveram à altura do empreendimento: 54,759,977€, a preços de 2013.
 
 
Construção, 1912

Esquema do interior, vendo-se a cripta
 
 
Interior da cúpula
 
 
 
 
Diz-se que os nazis de Leipzig se entrincheiraram ali e 150 homens das SS, com abastança de munições e provisões, aguentaram-se no Völkerschlachtdenkmal durante cerca de três meses. No final da 2ª Guerra, não se sabia muito bem o que fazer àquele mono. No período da República Democrática Alemã, depois de muita hesitação, já que o monólito tresandava a nacionalismo pangermânico, conseguiram encontrar uma fórmula engenhosa para lhe dar uma nova vida. Assim, aquele que fora um símbolo da vitória da Germania sobre a França napoleónica, aquele que fora o palco de exaltadas celebrações nazis, era agora um hino de pedra à amizade germano-soviética. A «irmandade de armas» russo-alemã (Deutsch-russische Waffenbrüderschaft) passou ali a ser comemorada, sobretudo a partir de 1956, com um festival de ginástica e de desporto, dois vícios que sempre caracterizaram os regimes totalitários. Ao que parece, nos tempos mais recentes realizaram-se aí encontros de neonazis, pois o cenário presta-se na perfeição a idiotias do género, os frémitos e as saudades que, quando juntos, acabam semnpre aos arroubos. Para contrabalançar a tendência, desfraldaram uma tela monumental com um conhecido símbolo antinazi. O monumento encontra-se em fase final de restauro, que vai ser terminado este ano. Bem a tempo de se assinalar o seu centenário e, por sua vez, o bicentenário da vitória da selecção teutónica sobre Napoleão. Deutschland über alles ou, como dizia uma conhecida escritora e filósofa portuguesa, Não Há Coincidências.
 
 
1951
 
 
O Festival Desportivo de 1956
 
 
O símbolo antinazi
 
Sashimi e Yorita Neves, mais dois palermas nipónicos que acreditaram estar em Versailles  
 
 
É interessantíssimo ver como este monumento foi atravessando a História, sendo objecto das mais diversas, e até contraditórias, apropriações propagandísticas, servindo de pretexto e cenário a evocações memoriais que apenas têm um denominador comum: a exaltação do nacionalismo germânico. Agora, não por acaso, 2013 vai ser um novo ano de festa para o Völkerschlachtdenkmal. Desta feita, não é preciso celebrar nada de explícito: a realidade que nos rodeia fala por si.
 
 
António Araújo
 
 
 
 
 
 
 


 




 

2 comentários: