Marc Chagall, Crucificação Branca, 1938
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Inédito e somente possível em tempos modernos.
Antes, se Papa eleito
declarasse ter falado a antecessor e reportasse coisas ouvidas do além, João Paulo II ter
visto João Paulo I, seria declarado
santo em vida pelo dom da vidência.
Agora em
figuração inédita, o Papa emérito está disponível para deitar
falação e contar estórias recônditas do seu
frustrado pontificado ao sucessor, herdeiro de montanha de problemas e de gargalos na gestão da Cúria e da doutrina. Francisco visitará Bento e ouvirá, ou falará, ou perguntará, ou rezarão juntos, depois de trocarem segredos impenetráveis.
Imaginemos que o novo pontífice, de inovador em simplicidade no relato da imprensa, fosse mais longe e
suprimisse o vistoso ritual de
séculos, arquivando em museus mitras, tiaras e báculos, casulas douradas,
estolas cravejadas de pedras preciosas, solidéus carmesins,
e de enfado se contente em ditar
como obrigatório apenas o branco das túnicas originais. Quem protestará, o povo que ama o luxo ou os pobres que merecem uma refeição diária?
Vamos a
hipóteses.
Parece que
negras vestes ou pardas de monges ou
presbíteros do século, nem supletivas vestes
de leigo, também não iriam contentar
os titulares do baixo clero, que anseiam por uma meia roxa ou barrete
vermelho ou um simples berloque ou cordão a animar chapeirão ou barrete negro, sôfregos por dragonas da fé
a ornamentarem a ascensão na
hierarquia e na escala de poder de
perdoar os homens. Assim, é de esperar-se que o incenso continue a ninar as narinas dos fiéis e que
os badalos continuem movendo as ovelhas para as ocas basílicas e catedrais.
E o cerne da fé e
seus variados conteúdos e interpretações acompanhariam a modernidade e a
evolução do conhecimento humano ? A ONG
falida e suas irmãs paralelas resistiriam tanto e até quando, depois de se terem
convertido em agências arrecadadoras
e investidoras de dízimos
e doações – facções evangélicas ,
mulçumanas, hindus, budistas, tantas mais. A
substância dogmática, desgastada na vida dos fiéis pelas preferências mágicas – bolsas
de aposta sobre o efeito dos ritos externos de aspersão e mergulhos em águas sacramentais – sobreviveria à preferência pelos sinais externos e públicos
da prosperidade econômica ou financeira, marcação ígnea no
piedoso gado da retribuição
divina ao zelo da fé e da dedicação ao culto ?
Afinal, a
religião continua como último recurso. Antes
de fechar os olhos, cada consciência
psicológica como vela tremula na iminência de apagar. Difícil não sentir o frio da dúvida quanto
ao próprio destino . A Religião, quando não seja o ópio do povo, tem servido
de extrema-unção a um mundo aprisionado à rede virtual, sem tempo para
pensar ante elevações da alma menos concretas. E para não sair da
atualidade, nada mais coisa do que um corpo sem sopro em mausoléu. E por quanto
tempo?
15 de março de 2013
Claudio Sotero Caio
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