«A cultura
japonesa possui uma espantosa aptidão para oscilar entre posições extremas»,
escreveu Claude Lévi-Strauss num texto do belíssimo A Outra Face da Lua. Escritos sobre o Japão (trad. portuguesa, Temas
e Debates, 2012, p. 43).
Mokusatsu é uma
palavra que conjuga moku (silêncio) e
satsu (matar), possuindo um
significado ambíguo. À letra, corresponde a «matar em silêncio». Mas, na
linguagem corrente, tanto pode querer dizer «sem comentários» ou «ignorar» ou
ainda «não ter em conta» como pode significar algo muito diferente: «tratar com
desprezo».
Confrontadas em 1945 com o ultimato
para uma rendição incondicional por parte de ingleses, norte-americanos e
chineses, as chefias militares nipónicas procuraram ganhar tempo. A União
Soviética, como se sabe, tinha à época uma posição titubeante quanto ao futuro
do Japão e o Comando Supremo do Império do Sol queria aguardar pela reacção dos
russos. Respondeu ao ultimato com uma declaração em que usava a palavra mokusatsu. Naquele que foi certamente o
mais trágico erro de tradução de toda a História, a palavra seria interpretada
e vertida para as línguas do Ocidente no pior dos seus sentidos: «tratar com desprezo».
O Japão desprezava o ultimato. Ora, o que o Comando Supremo queria dizer, ao
usar a expressão mokusatsu, mais não
era do que um bem mais caloroso e amigável «no comments». Esse erro precipitou
a tragédia, acabando por ditar, em larga medida, o morticínio de Hiroshima e
Nagasáqui. Lost in translation, o
filme, passa-se no Japão. Esta
realidade também. A história, incrível, é contada aqui e foi-me trazida pelo Jorge Almeida Fernandes, a quem muito agradeço, com um abraço do
António Araújo
O caríssimo A. Araújo tem estado atento às espantosas crónicas de MEC, no Público!? Há ali material para várias peças de qualidade!
ResponderEliminarE, caro Araújo, não me passa pela cabeça que se precipite o lançamento de uma bomba antónia por um erro de tradução. Evidentemente que a coisa não foi assim, por assim!! É, contudo, curioso!!
ResponderEliminarNão, não há obviamente uma relação directa e imediata entre o lapso de tradução e as bombas atómicas. Mas que ele contribuiu para uma determinada «leitura» das intençõpes dos japoneses por parte dos Aliados, isso parece ser inegável. Trata-se, no entanto, de algo que não estudei a ponto de poder dar uma resposta fundamentada.
EliminarCordialmente,
António