quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Mokusatsu.

 
 
 

 
 
«A cultura japonesa possui uma espantosa aptidão para oscilar entre posições extremas», escreveu Claude Lévi-Strauss num texto do belíssimo A Outra Face da Lua. Escritos sobre o Japão (trad. portuguesa, Temas e Debates, 2012, p. 43).
Mokusatsu é uma palavra que conjuga moku (silêncio) e satsu (matar), possuindo um significado ambíguo. À letra, corresponde a «matar em silêncio». Mas, na linguagem corrente, tanto pode querer dizer «sem comentários» ou «ignorar» ou ainda «não ter em conta» como pode significar algo muito diferente: «tratar com desprezo».
         Confrontadas em 1945 com o ultimato para uma rendição incondicional por parte de ingleses, norte-americanos e chineses, as chefias militares nipónicas procuraram ganhar tempo. A União Soviética, como se sabe, tinha à época uma posição titubeante quanto ao futuro do Japão e o Comando Supremo do Império do Sol queria aguardar pela reacção dos russos. Respondeu ao ultimato com uma declaração em que usava a palavra mokusatsu. Naquele que foi certamente o mais trágico erro de tradução de toda a História, a palavra seria interpretada e vertida para as línguas do Ocidente no pior dos seus sentidos: «tratar com desprezo». O Japão desprezava o ultimato. Ora, o que o Comando Supremo queria dizer, ao usar a expressão mokusatsu, mais não era do que um bem mais caloroso e amigável «no comments». Esse erro precipitou a tragédia, acabando por ditar, em larga medida, o morticínio de Hiroshima e Nagasáqui. Lost in translation, o filme, passa-se no Japão. Esta realidade também. A história, incrível, é contada aqui e foi-me trazida pelo Jorge Almeida Fernandes, a quem muito agradeço, com um abraço do
 
António Araújo
 
 

3 comentários:

  1. O caríssimo A. Araújo tem estado atento às espantosas crónicas de MEC, no Público!? Há ali material para várias peças de qualidade!

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  2. E, caro Araújo, não me passa pela cabeça que se precipite o lançamento de uma bomba antónia por um erro de tradução. Evidentemente que a coisa não foi assim, por assim!! É, contudo, curioso!!

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    1. Não, não há obviamente uma relação directa e imediata entre o lapso de tradução e as bombas atómicas. Mas que ele contribuiu para uma determinada «leitura» das intençõpes dos japoneses por parte dos Aliados, isso parece ser inegável. Trata-se, no entanto, de algo que não estudei a ponto de poder dar uma resposta fundamentada.

      Cordialmente,

      António

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