domingo, 14 de setembro de 2014

Titã.

 
 

 
 
 


SEMANÁRIO JUVENIL TITÃ (1954-1955):



UMA AVENTURA GRÁFICA SINGULAR



 
 
 
 
1.     Introdução
 
O semanário juvenil Titã surgiu a 12 de Outubro de 1954, com 12 páginas, dimensão de 245 x 345mm e preço de 2$00. Os seus proprietários eram a Fomento de Publicações Lda [1] com sede na Rua Capelo 26 - 2º, em Lisboa, onde também se localizava a Redacção e  a Administração. O seu primeiro director foi José da Costa Pessoa (Vinhais), o editor responsável António Feio e o redactor principal Roussado Pinto. Contudo a partir do nº 6 e até ao fim da revista, no nº 42 de 10 de Agosto de 1945, o director foi Roussado Pinto.
 
As características da revista ao longo da sua publicação foram as seguintes:
 
Nºs 1 a 12 – 12 páginas e uma separata – Preço 2$00
Nºs 13 a 20 – 12 páginas +  Suplemento Leão com 6 páginas como encarte central  + Separata
Nº 21 (reduz formato) – 28 páginas  + Suplemento Leão  com  6  páginas
Nº 30 – 28 páginas  + Último suplemento  Leão (com o nº 18) e o  preço passa para 2$50
Nº 31 – 36 páginas.  As séries o "Segredo do Sabre", "Capitão Meia Noite", "Jeff Arnold" e  "Terry e os Piratas" são interrompidas .
Nº 32 – Retoma as aventuras  interrompidas no número anterior.
Nº 37 – Reformulação + separata com ídolos do desporto. Preço passa para 2$00 de novo.
Nº 42 – Fim da revista
 
 
A publicação caracterizou-se, na sua primeira fase, pelo aspecto gráfico. Quer a dimensão da revista – muito próxima do Senhor Doutor, que se havia publicado 20 anos antes –, quer sobretudo a qualidade da impressão e da reprodução da capa, contracapa e páginas interiores conferiam-lhe um especial atractivo. A qualidade gráfica estava ligada à técnica de impressão, a rotogravura [2] que permitia "a reprodução de meios-tons e séries aguareladas" com muita qualidade [3]. Vítor Péon, que teve participação activíssima nas ilustrações e no grafismo da revista, recorda cerca de 20 anos depois: "Ainda me lembro do processo da cor que era dada pelo pintor e bom amigo Fortunato Anjos. (...) (A Fomento Publicações) foi uma firma criada par criar trabalho para uma rotativa de quatro cores que a Neogravura tinha comprado no estrangeiro." [4]
Com algumas raras excepções, as bandas desenhadas não identificam os autores, prática infelizmente comum até então. As excepções são as aventuras desenhadas por Vítor Péon e José Garcês com argumentos de Roussado Pinto (sob pseudónimo ou não) e uma história de Jesus Blasco. Era a prática da época, repita-se, não só em Portugal como na Grã-Bretanha ou nos EUA, o que não significou a existência de importantes excepções, uma delas o Journal du TinTin que cuidava de identificar a autoria dos "Textes et dessins" . Contudo na secção " Bilhetes Postais", que se ocupava das respostas às cartas dos leitores, são dadas algumas informações sobre os desenhadores e argumentistas das aventuras publicadas.
 
2. A invasão britânica
 
A lista de histórias que inauguram o Titã – todas em continuação – são as  seguintes:
 
a) Titã em circos em Luta (Argumento: Edgar Caygill / Roussado Pinto; Desenhos: Vítor Péon)
b) Heróis do Espaço (Argumento/ Desenho: Graham Cotton)
c) Perdidos na Selva (Argumento: Edgar Caygill/ Roussado Pinto/ Desenhos: Vítor Péon)
d) Bravo Jim – 1º Episódio (Argumento/ Desenhos: Jesus Blasco)
e) Terrível Dilema (Argumento: Frederick Davies/ Desenhos: Vítor Péon)
f) Mohawak Trail – Homens sem medo 1755 Ano de lutas para as colónias norte americanas (Argumento/ Desenhos: Ron Embleton)
g) Dunkerque – episódios de Guerra
h) Capitão Negro (Argumento/ Desenhos: George Heath)
i) As Viagens de Marco Polo [Argumento/Desenhos: Alvaro Mairani,  1913-1996; ou Chott, Pierre Mouchot (1911-1966) [5]]
 
Ou seja, temos aventuras históricas (Marco Polo), sagas marítimas, passadas no século XVII, com heróicos capitães e  corsários infames (Capitão Negro), episódios do Oeste americano, com mais ou menos enquadramento histórico e muita  emoção  entre índios e " cowboys" (Bravo Jim  e Homens Sem medo), viagens no futuro (Heróis do Espaço) e  last but not the least o herói que dá nome à revista,  Titã, um  artista de circo  "com força prodigiosa e cérebro privilegiado",  às voltas com uma  organização criminosa de um circo rival . Depois, dois contos,  também em continuação,  uma aventura na selva tropical (Edgar Caygill)  e  as diatribes do " homem lua" (Frederick C. Davies) , um enigma policiário,  curiosidades, ilustrações históricas (Episódios da Guerra) e  pequenas tiras cómicas. E ainda, é claro, o anúncio da iminente saída da revista Flecha – "o semanário mais pequeno do mundo" – propriedade da mesma empresa e com o mesmo responsável editorial,  Roussado Pinto. Acresce uma pagela à dimensão da publicação, que acompanhou os primeiros números da revista, como separata, contendo ilustrações sobre um determinado tema. No total mais de 2/3 do espaço da revista era ocupada com banda desenhada, toda ela  de  qualidade, reconheça-se.
A proveniência da referida BD é variada, mas a esmagadora maioria dos criadores vêm da Grã-Bretanha. Uma verdadeira invasão britânica!
         A saber (de entre os que conseguimos identificar, dado o anonimato das séries):
a) - Ron Embleton (1930-1988) ou Rodney Sydney Embleton: um multifacetado desenhador com particular orientação para os  temas   históricos ("The Bath Road" , "Wrath of the Gods", "Rogers Rangers", "Wulf the Briton", etc.) e  que chegou mesmo a colaborar na série “O Império Trajano” (Trojan Empire); a aventura aqui publicada, intitulada "Homens sem Medo" (no original, "The Mohawk Trail"), decorre  no contexto da guerra colonial entre França e Grã-Bretanha antes da independência da América do Norte − um dos tópicos preferidos de Ron Embleton −  é  reproduzida  a preto e branco e  corresponde a uma das criações  da fase inicial deste autor; foi publicada na "Comics Cuts", editada pela Amalgamated Press,  em 1951 e 1952.  A " Cidade Perdida" ("Forgotten City"), publicada alguns números depois no Titã,  é outra das aventuras desenhadas por Ron Embleton.
 
 
 

 
 
 
b) - Graham Coton (1926-2003): concebeu e desenhou a extraordinária aventura da Família Rollinson, raptada por "robots" e abandonada num misterioso planeta onde tudo acontece, foi  traduzida no  Titã por "Heróis do Espaço"; originariamente publicada na revista britânica Knockout entre  1953 e 1958, o cabeçalho da série apresentava a família Rollinson (pai e mãe e os quatro filhos Bob, Betsy e os gémeos  Joey e Joy);
 

 
 
c) - George Heath  (1900-1968): desenhou o  Capitão Negro − "Pirates of the Spanish Main", publicada no Tip Top em 1948;
d) - Bruce Cornwell (1920-2012): colaborou no estúdio de Frank Hampson, de que a seguir falaremos, quando se tratava de conceber as  ilustrações técnicas exigidas pelas espaciais aventuras de  Dan Dare, mas  também criou as suas próprias personagens, como é o caso de "Jim Stalwart", publicado no "Junior Mirror" em 1954 e  cujas aventuras se estrearam no Titã nº 8;
e) - Oliver Passingham (1925): colaborou com as editoras britânicas Almagamated Press and DC Comics; a sua personagem mais conhecida é a detective londrina Leslie Shane,  inspirada no  universo gráfico de Alex Raymond e publicada a partir de 1953, em tiras diárias na imprensa; a heroína britânica aparece sob a designação aportuguesada de Lilia Sol, como era comum na época;
f) - Dudley Dexter Watkins (1907-1969):  alguns dos seus  "comic strips" alcançaram  grande popularidade, sobretudo na Grã-Bretanha, com os seus personagens "Beano", "Oor Wullie", "The Broons" ou "Desesperate Dan"; elaborou inúmeras ilustrações de carácter bíblico e são justamente  as suas  ilustrações temáticas que o Titã publicou em separatas durante muitos números;
g) - Derek C. Eyles (1902-1974) cujo estilo rigoroso no desenho de equídeos  o tornou particularmente bem sucedido nos "western"  e em  outras aventuras similares, como o que Titã publica intitulada "O Capitão Meia Noite" ("Dick Turpin" no original);
h) - Harry Farrugia (1919-1970), que, sendo de ascendência maltesa e tendo nascido no Egipto, fez toda a sua carreira na Grã-Bretanha; a banda desenhada publicada no Titã intitulava-se Atenção Z-9 (“Calling Z 9”)  relata as aventuras do agente secreto Brady conduzindo (sem capacete, é claro... ) sua moto em  alta velocidade;
 
 3. A presença de Il Vitorioso e a omnipresença de Jesus Blasco
 
Do contingente de desenhadores italianos são de destacar desde logo – a admitir ser ele mesmo o autor em causa e não o francês Chott, o que, como vimos, é contraditado pelos  responsáveis do Titã – Alvaro Mariani, que também desenhou sob o pseudónimo de Almay  e cujo traço e coloração  terão acompanhado a contracapa da revista do primeiro ao último número, dando vida às aventuras de Marco Polo. Mas temos também  o traço expressivo e caricatural de Lino Landolfi (1925-1988), a lembrar René Gosciny,  e um dos raros autores que se identifica – "Lino" – e que desenha a sua mais popular personagem "Procópio, Conquistador".  Ruggero Giovannini (1922-1983), que concebe uma interessante aventura entre várias tribos de índios norte-americanas intitulada "As Grandes Águas" e, finalmente,  Alberto Tosi, que concebe e desenha a série  " Cruz Vermelha" ("La Croce Scarlata") .
A totalidade dos autores italianos eram colaboradores do semanário Il Vitorioso. Entre 1937  e  1966, por iniciativa da "Azione Catolica"  e com o propósito de conferir aos jovens italianos uma visão da vida e da sociedade  impregnada da valores católicos, veio a ser publicado a revista Il Vitorioso. Transformou-se num grande sucesso, chegando a vender   cerca de 200.000 exemplares por semana, se bem que beneficiando da ampla rede de distribuição da própria Igreja Católica. A particularidade  da revista foi a de apenas ter publicado autores italianos.
Depois temos o caso muito particular de  Jesus Blasco (1919-1995).  Tratava-se de um autor já conhecido em Portugal pelas "Aventuras de Cuto" e que na altura,  anos 50,  trabalhava sobretudo  com a agência britânica Fleetway. Será o criador mais publicado no Titã, com  5 trabalhos: "Shot Basky", "Bravo Jim", "Dunquerque", "Samurai o Terrível" e o "Caminho de Nevada".
As aventuras de Cuto, para muitos uma réplica ibérica de TinTin, iniciadas no Mosquito nos anos 40, ganharam grande popularidade entre nós. Jorge Magalhães chama-lhe mesmo o "herói de uma geração" [6]. Talvez por isso, e se bem que o Titã não tenha publicado  nenhuma banda desenhada de Cuto, não deixou de inserir  alguns contos do popular herói,  ilustrados por Jesus Blasco. Chegou mesmo a dar-lhe a capa do nº 21, anunciando a aventura "O rancho Círculo C".
Cuto e Jesus Blasco serão uma companhia constante de Roussado Pinto ao longo da sua vida profissional e pessoal. Na verdade,  este, no início dos anos 70,  lançaria  o Jornal do Cuto – tentativa relativamente bem sucedida de revisitar a BD dos anos 40 e 50 e,  especialmente,  o universo criativo de Jesus Blasco. Aliás, entre o desenhador barcelonês e o director do Titã desenvolveu-se um contacto pessoal que se transformou numa amizade firme.
Mas, voltando ao Titã, onde Blasco tem presença significativa, como vimos, a verdade é que não se sabe, em rigor, o que deve ser atribuído a Jesus Blasco ou aos seus irmãos, Adriano, Alejandro  e Pili. Em conjunto constituíram uma firma em Barcelona, em 1947, que produziu dezenas de histórias, sobretudo para os mercados francês e inglês. Algumas dessas aventuras eram  assinadas por Jesus mas que sabe-se hoje terem sido criadas pelos irmãos. No  Titã nº 5 inicia-se uma série intitulada "Spell" que descreve as aventuras de um piloto de aviação militar e que na sua primeira prancha, na 12º casa, surge assinada por Alejandro Blasco.
Os Episódios de Guerra, que se traduzem em relatos da II Guerra Mundial, por seu turno, são desenhados por F. Bielsa, e pelos irmãos Alejandro e Jesus Blasco.
 
 
4. BD franco-belga: as importações do TinTin
 
Um dos aspectos mais interessantes prende-se com a divulgação de banda desenhada franco-belga publicada no semanário TinTin, quer na edição belga quer francesa [7].
 
São os casos de "L´Extraordinaire Odyssé de Corentin Faldoe",  de Paul Cuvelier, "Le Secret de Mahukitah", de Albert Weinberg, e "Le Secret du Espadon", de E. P. Jacobs.
A primeira das aventuras de Corentin, magnificamente desenhadas pelo artista emérito que foi Paul Cuvelier, têm início no nº13 de 11/1/1955 e beneficiam, do ponto de vista gráfico da maior dimensão da revista, quando comparadas com a concorrência. Paralelamente, a reprodução das pranchas é de grande qualidade, ganhando em apuro gráfico pela forma como o traço leve e dinâmico  de Cuvelier se evidencia na plenitude. 
A odisseia de Corentin estreou-se no primeiro número do Journal de  TinTin belga a 26 /9/1946. O seu autor,  Paul Cuvelier, com 22 anos, tinha  acabado de sair da Academia de Arte de Mons e havia  impressionado Hergé pela qualidade dos seus desenhos. Será aliás Hergé a " desviar" Paul Cuvelier para a banda desenhada, se bem que ao longo da vida este tenha sempre tentado uma carreira artística como pintor  e desenhador, considerando a BD um actividade "menor". O argumento da primeira aventura de Corentin terá a colaboração da mente genial de Jacques Van Melkebeke, que estará aliás por detrás do projecto da revista TinTin.  Melkebelke,  a braços com um processo judicial por acusação de colaboracionismo durante a II Guerra Mundial, vê-se  impedido de dar o nome aos textos e histórias que concebe para a pena de muitos dos desenhadores dessa fase de ouro da BD franco-belga. A qualidade do traço de Cuvelier ganha com a impressão da revista TinTin, em heliogravura,  sob a responsabilidade do mestre tipógrafo Van Cortenbergh. Trata-se de uma técnica adequada para valorizar os sombreados, os claros-escuros e as tonalidades sépia. E nesse aspecto pode dizer-se que as reproduções do Titã (da sua fase em formato grande) são exemplares, conseguindo recriar essa qualidade gráfica.
         As aventuras de Corentin transformam-se em "Aventuras de Grifo" e a série, ao contrário da sua publicação originária na revista belga,  não identifica a sua autoria. Os textos que acompanham os desenhos, certamente da responsabilidade do director da revista Roussado Pinto, e que deveriam consistir na simples tradução do original francês,  primam por uma certa prolixidade. Em certos casos aproximando-se de uma forma mais popular de coloquialidade, em outros dizendo bem mais do que era necessário.
Na prancha nº 3,  quadrado  nº 6,  por exemplo, quando o cozinheiro  do brigue no qual Corentin inadvertidamente embarca exclama "Foi de cuistot, un petit coup de vin ne fait jamais de mal", a liberdade criativa do tradutor coloca-o a dizer: "Por minha fé! Estou a suar como um camelo fora do deserto! Um copo de vinho não fará mal ao meu estômago!".
As soluções gráficas nem sempre respeitam o original. Não falamos, é claro, da compressão das pranchas quando a revista passou do formato grande para um formato mais reduzido. A configuração original mantém-se, ou seja 3 linhas horizontais que acomodam entre 6 a 12 quadrados por prancha, mas a sua proporção reduz-se em quase 50%, perdendo-se boa parte do impacto visual do desenho de Cuvelier. Falamos sim do desaparecimento de alguns desenhos. Logo na prancha inaugural as três primeiras casas desaparecem (enfim, não inteiramente...) e são substituídas por um título em grandes dimensões "As extraordinárias aventuras de Grifo" e por uma caixa de texto compacto onde se pretende explicar as origens do herói. Lê-se que é "um valente rapazinho", "órfão desde muito novo", recolhido por um "velho tio, homem sem escrúpulos, que se embriagava a todas as horas e que batia a todas as horas com rudeza e sem piedade no pequeno". É claro que a supressão da segunda casa do original em que o " velho tio" manda  Corentin  comprar um garrafa de rum, obriga, na tradução do nosso Titã, a uma pequena invenção na sequência dos acontecimentos: quando  Corentin se atrasa e o tio explode em imprecações, o leitor português constata que,  embriagado, o tio o tinha enviado "encher tanques de água" e "carregar lenha" e não buscar uma garrafa de rum...
Nada que apoquentasse os jovens leitores do Titã, que tinham à sua frente semanas e semanas de emocionantes aventuras, que o levarão ao alto mar, à selva indiana, à amizade com o gorila Belzebu e o tigre Moloch e conhecer Kim, o seu amigo em futuras aventuras.
Outras das importações do TinTin é Albert Weinberg (1922-2011), desenhador com uma longa carreira, multifacetado (mais de 2000 pranchas e quatro dezenas de títulos), mas que ficou sobretudo  conhecido por ter criado o herói aviador canadiano  Dan Cooper.  Entre o nº 7 e o 31 é publicado "Le secret de Mahukitah", uma aventura passada na América do Sul, publicado na revista Tintin (belga) nos nºs 11 a 22 e 24 a 29 do ano de  1950. Será aliás capa do semanário francófono por duas vezes: nos nº 16  e  25  desse mesmo ano. Ambas com magníficas ilustrações de Weinberg. A aventura dos "homens azuis", passada em ambiente de "far west" pré-colombiano,  desenvolve-se em apenas 17 pranchas e  revela um traço ainda primitivo de Weinberg, que se especializará mais tarde  no desenho de aeronaves e aventuras aéreas e será um das traves mestras da revista TinTin, tal a multiplicidade de estilos que utilizará para os seus personagens.
Mais tarde, o Cavaleiro Andante (em 1953 e 1956) publicará outras histórias completas desenhadas por Weinberg, surgidas  originariamente na revista TinTin.
 
 
E. P. Jacobs
 
 
 
O terceiro "tintinófilo" é nada mais nada menos que o E. P. Jacobs, na altura longe de atingir o estatuto que anos mais viria a alcançar, mas apesar de tudo já um dos nomes fundamentais da revista TinTin. A aventura "O  Segredo do Espadão" − traduzida no Titã por "O Segredo do Sabre" –  começaria a ser publicada logo no primeiro número da revista francófona em 1946, acabando apenas a 8 de Setembro de 1949. Foi depois editada no formato de álbum, em dois volumes, o primeiro em 1950 e  o segundo em 1953. A versão portuguesa surge impressa a duas cores, preto e laranja, sendo certo que uma das riquezas da versão original é justamente ter surgido com um notável colorido, sempre na contracapa da revista Tintin.
A estreia de Blake & Mortimer em Portugal deu-se em 1952 no  nº 30 do Cavaleiro Andante, através da publicação da aventura "O Mistério da Grande Pirâmide".  A mesma revista publicaria ainda "A Marca Amarela", "SOS Meteoros", "O Enigma da Atlântida" e a “Armadilha Diabólica". Também a revista Foguetão e o suplemento juvenil do Diário Notícias ("Nau Catrineta") vieram a publicar outras aventuras da célebre dupla, como são os casos da "Armadilha Diabólica" (também publicada no Cavaleiro Andante, como se disse)  e  “O Caso do Colar”.
Vale a pena comparar “O Segredo do Sabre”, do Titã, com a versão original publicada no TinTin.
 
 

 
 
 
5. A influência da  revista Eagle
 
No nº 25 da revista Titã estreiam-se duas séries publicadas pelo semanário inglês Eagle: "Dan Dare – Os Prisioneiros do Espaço", de Frank Hampson, e "Jeff Arnold" (“The Riders of the Range”), de Frank Humphris.
A série Dan Dare,  “Pilot of the Future", é hoje considerada uma das obras de referência da história da banda desenhada. Foi aliás um dos sucessos da revista britânica  Eagle. Trata-se de um  herói espacial  cujas aventuras decorrem nos anos 90 do século passado. Continuam a publicar-se ainda hoje, com o sucesso típico dos grandes heróis da banda desenhada, ou seja,  transitaram  para outros suportes, como a rádio, televisão, cinema e jogos para computador. A versão que acabou por efemeramente aparecer no Titã, "Os Prisioneiros do Espaço” foi publicada nos anos 50 na Eagle (em rigor, de  28 de Maio de 1954 a 6 de Maio de 1955) [8], mas curiosamente não foi desenhada integralmente pelo seu criador, Frank Hampson, mas sim por Desmond Walduck, que se esforçou por aproximar o seu estilo do criador da série [9].
A série "Jeff Arnold – The Riders of the Range", criada por Charles Tilton (1917-2013) começou por surgir na BBC Radio, com grande sucesso, passando depois para as páginas da Eagle, inicialmente desenhadas por Jack Daniel, depois por Angus Scott  e finalmente, a partir de Julho de 1952,  sob a pena de Frank Humphris (1913-1993), onde se mantiveram até 1962. As aventuras de Jeff Arnold primam pelo rigor histórico, constituindo ainda hoje uma das mais documentadas obras sobre o Oeste americano. Acresce, com a colaboração de Frank Humphris, um acrescido rigor nos enquadramentos cinematográficos de cada página e uma utilização cuidada das  cores aguareladas reproduzidas com muita qualidade na Eagle.
Há reedições de "Riders of the Range", desenhado por Frank Humphris, publicadas em 1990 pela Hawk Books.
Contudo, as aventuras de Jeff Arnolds publicadas no Titã são reproduzidas a preto e branco, perdendo grande parte da sua beleza (ver a comparação infra).
 
 

 
 
 
Os avanços nas tecnologias de impressão conferiram à Eagle [10], uma revista  precursora no campo da banda desenhada, um extraordinário sucesso. A sua primeira série publicou-se entre 1950 e 1969. A  iniciativa da revista deveu-se a  Marcus Morris, um clérigo da Igreja anglicana da cidade de Lancashire, que  transformou a revista da paróquia, com a ajuda do desenhador Frank Hampton,  numa histórica publicação de banda desenhada. O seu propósito visava claramente divulgar um código de valores morais de inspiração cristã entre os jovens britânicos, ainda que tais valores tivessem que recorrer ao contexto aventureiro das batalhas espaciais e dos conflitos entre índios e "cow-boys". O primeiro número vendeu quase um milhão de exemplares. A sua personagem de referência acabou por ser  o piloto Dan Dare, uma espécie de astronauta de ficção científica em luta contra "o terrível Mekon". Mas também a aventura Jeff Arnolds, "Riders of the Range", uma série passada no rancho 6T6 e onde se cruzam muitas personagens do Oeste norte-americano, desenhada por Frank Humphris, obteve grande sucesso, como referimos.
A influência da revista Eagle  no Titã é visível a vários títulos. Não só pela publicação, a partir do nº 25, das aventuras de Dan Dare e de Jeff Arnold ("Riders of the Range"), mas também pelo aspecto gráfico. Na sua encarnação em formato reduzido, sobretudo entre o nº 25 e até ao nº 37, nota-se a similitude com as capas da Eagle. A disposição e as características do logo da revista  no canto superior esquerdo, ocupando quase 1/4 da capa, e a inconfundível coloração produzida pela rotogravura aproximam de forma surpreendente ambas as publicações...
Outro aspecto comum entre as duas publicações, e mais uma vez a comparação ocorre na versão de formato reduzido do Titã, é a reprodução nas páginas centrais de uma ilustração muito detalhada (os famosos "cutways diagrams"),  acompanhada de minuciosas legendas, do que mais moderno a engenharia mecânica naval, aeronáutica e ferroviária  da altura produzia (aviões, submarinos,  comboios, máquinas de pavimentação de estradas, etc.). Muitas dessas ilustrações são reproduzidas da Eagle, justamente (ver o relato da criação de Eagle contado pelo próprio Marcus Morris em http://www.dandare.org/eagle/morris/morris.htm)
 
 

 
 
 
6. Os portugueses no Titã (Vítor Péon, José Garcez e... Roussado Pinto)
 
São fundamentalmente dois os ilustradores portugueses que surgem no Titã. O sempre fiel Vítor Péon [11], que ilustra quase tudo (contos, capas, histórias curtas, etc.) e que dá vida a duas aventuras: Titã em Circos em Luta (nº 1 a 6 )  e Filipe de Noronha o Corsário (nºs  37 a 42). E José Garcez, com a aventura " Palo Quri", de 16 pranchas,  com argumento de Roussado Pinto (nºs 21 a 35) . Seria republicada no Mundo de Aventuras, nº 359, de 21 de Agosto de 1980.
Mas a parte de leão em matéria de textos é de Roussado Pinto,  director da publicação e na altura o verdadeiro dinamizador da Fomento Publicações no que respeita a edições para jovens (onde se incluía, pelo menos, o irmão mais novo do Titã, o semanário A Flecha). A ele compete a elaboração de muitos contos e histórias curtas sob o pseudónimo de Edgar Caygill (e  outros como Frederick Davies), a criação  dos argumentos (e dos diálogos) para os desenhos de Vítor Péon e José Garcez e ainda a tradução – melhor dizendo, a adaptação, tal a liberdade criativa utilizada – dos textos das bandas desenhadas estrangeiras.
De registar ainda que a rubrica "Grandes Invenções" era assegurada pelos desenhador Armando Anjos. Algumas ilustrações que acompanham contos e histórias curtas são de José Ruy.
 




 
7.  Titã: o herói improvável
A única aventura do herói que dá nome à revista passa-se no circo e conclui prematuramente  ao fim de seis  pranchas (no nº 6). Entre outros aspectos,  permite  confirmar a destreza de Vítor Péon no desenho de animais. Titã, um atleta vigoroso e intrépido, ostenta na camisola que enverga um  “T” branco sob fundo vermelho que faz lembrar o logo do Super-Homem... A personagem terá sido certamente inspirado no super-herói norte americano ! Recorde-se que o Mundo de Aventuras começou a publicar as aventuras do Super Homem em 1952...
A aventura acaba prematuramente, dizemos.  Na verdade, o enredo é curto e termina abruptamente. Tudo se reconduz a um fugaz confronto entre Titã, artista do Circo "bom", ajudado pelos garbosos elefantes e cavalos da Companhia,   contra um grupo de criminosos que controlam o Circo "mau" e que por sinal se chama "Circo Rico"... Quando imaginávamos a multiplicação das refregas, tudo acaba com duas piruetas de Titã a entregar os maus à polícia (norte-americana, é claro, como se deduz da farda e da palavra "police"). Uma luta de classes que escapou à censura? Ou uma censura que gostou de ver uma luta de classes em ambiente nova-iorquino?
 
 
8. A "rotogravura" na origem e no fim da Titã
 
A experiência de fazer jornais juvenis a rotogravura, que tinha sido uma das principais motivações do projecto do Titã (e do Flecha), não chegou a um ano de vida.
A Fomento de Publicações − criada para aproveitar a rotogravura – terá acabado nas seguintes condições, na versão de Vítor Péon: "[A Fomento Publicações]  foi uma firma criada para dar trabalho para um rotativa de quatro cores que Neogravura tinha comprado no estrangeiro. Essa rotativa acabou por ser cedida a outra firma e a Neogravura só viria a recebê-la muitos anos depois. Então a Fomento acabou porque não justificava que estivesse a alimentar a concorrência, já que os trabalhos tinham de ser dados a fazer a outras oficinas" [12]
O fim da publicação, ainda que possa ter tido outras razões, parece ter sido motivado pela “ quebra de compromissos na entrega de uma rotativa que baixaria os elevados custos de produção com que a revista se debatia" [13].
 
A verdade é que a Fomento de Publicações, que se havia lançado em força no mercado editorial – uma das suas mais simbólicas colecções foi a “Mosaico”, livros de bolso baratos, de reduzido formato e poucas páginas mas de autores prestigiados –, acabaria por soçobrar pouco tempo depois.
 
 
9. Titã, a censura  e a concorrência (Cavaleiro Andante e Mundo de Aventuras)
 
A revista Titã muniu-se de material de proveniência maioritariamente britânica, a que adicionou o contributo italiano e  espanhol e, em menor escala, da chamada escola franco-belga. Em geral as aquisições da revista traduzem uma preocupação de qualidade e de actualidade. Paralelamente, a aposta em séries de popularidade comprovada nos países de origem parece ter prevalecido.
Não deixa de ser significativo o facto de duas das revistas que constituíram a fonte de boa parte das séries, a britânica Eagle e a italiana Il Vitorioso, terem explícita e directa  inspiração  cristã. Uma e outra foram criadas com o propósito de contrabalançar a influência da banda desenhada norte-americana, que começava a afluir à Europa, oferecendo aos jovens um modelo de valores e virtudes cristãs. Ambas visaram a disseminação entre os leitores de uma pauta de conduta moral em que o apego ao valor do trabalho, da fraternidade, da sã amizade, do heroísmo abnegado, do respeito dos mais velhos e em particular da família constituíam os pontos cardeais.
 
 

Recorde-se aliás que é rigorosamente em 1954 que é publicado pelo psiquiatra Frederic Wertham o polémico Seduction of the Innocent. Do seu ponto de vista os comic books eram uma forma negativa de literatura popular que levava à delinquência juvenil, pela forma como de forma expressa ou sublimar se exibiam cenas de violência, sexo e droga. A verdade é que as repercussões da obra na opinião pública levaram a que, nos EUA, a  Associação de Editores de Revistas de Banda Desenhada (Comics Magazine Association) aprovasse o Comics Code Authority, uma espécie compêndio de regras de  autocensura (que se mantiveram já entrados no século XXI) como forma de evitar a intervenção legislativa estadual.
Também na Europa este tipo de preocupações quanto aos "bons valores" esteve presente. A aprovação de legislação restritiva sobre publicações infantis e juvenis, em França, logo a seguir ao fim da II Guerra Mundial levou à proibição de circulação nesse país de  álbuns de "Alix" (Jacques Martin)  publicados na famosa Colection du Lombard e que hoje temos como absolutamente inofensivos.
Ora, se tal ocorria em regimes democráticos imagine-se no Portugal dos anos 50...
A Titã não deixou de pregar esses "bons valores", que bem se expressavam quer nas respostas aos jovens leitores, quer sobretudo na coluna do "Velho Augusto" (que, pelo menos até ao nº 6, eram colunas habituais) onde se sente a inspiração do “Velho Teotónio” do Mosquito... Nesta última o apelo ao "respeito pelos pais", às virtudes da "prudência" na escolha dos amigos, ao elogio do trabalho, a "nobreza da alma e honra do corpo" são a tónica.  Um discurso que se resumo no seguinte: "sê trabalhador, sê português, sê um rapaz que sabe cumprir os seus deveres". As referências religiosas estão também presentes, dando-se  espaço  à publicação em vinhetas ilustradas, acompanhadas de texto, dos principais episódicos  bíblicos. O mesmo se diga da divulgação de episódios da História de Portugal (Episódios da História Pátria), da qual são selecionados os episódios que se revestem de maior heroicidade.
É claro que neste aspecto a Titã não se diferenciou das restantes revistas para jovens que se publicavam na época.
As concorrentes directas do Titã eram o Cavaleiro Andante, que  havia começado a publicar-se  três anos antes, e o Mundo de Aventuras, que se tinha estreado em 1949. Existiam ainda as revistas juvenis e infantis  ligadas à Mocidade Portuguesa, como a  Lusita e o Camarada, os suplementos de alguns jornais como o "Pim Pam Pum" de O Século. Aquela que seria provavelmente a mais famosa publicação juvenil portuguesa, O Mosquito, havia  terminado em Fevereiro de 1953, após 18 anos de ininterrupta publicação [14]. E a sua concorrente directa, O Diabrete, também havia cessado em 1951, após dez anos de vida. Em rigor o Cavaleiro Andante deu continuidade sem interrupções ao Diabrete (com o mesmo director, Adolfo Simões Müller). Mas  o certo é que o  fim  do  Mosquito se terá devido   justamente ao  aparecimento do Cavaleiro Andante e do Mundo de Aventuras.
O Mundo de Aventuras, que durante o seu primeiro ano se publicaria em formato tablóide, havia reduzido já o seu formato em 1954. Curiosamente, foi por decisão  de Roussado Pinto – que a partir de 1950 começou a trabalhar, a convite de Mário de Aguiar, um dos proprietários da Agência Portuguesa de Revistas, no Mundo de Aventuras  que tal alteração ocorreu. E com bons resultados. Um formato mais reduzido permitia aos jovens maior facilidade e comodidade no transporte e leitura da revista. É claro que essa não foi a única alteração introduzida por Roussado Pinto. Uma profunda renovação gráfica e a publicação de novas séries transformaram a revista num sucesso de vendas. Aliás, não deixa de ser irónico constatar que Roussado Pinto abandonou o Mundo de Aventuras no auge deste. E para embarcar numa aventura gráfica  que nasceria em clara oposição às  ideias que ele próprio havia combatido, com sucesso,  no Mundo de Aventuras... Ou seja, acabou por dar vida a uma publicação em formato muito próximo do tablóide, que quase havia morto à nascença o Mundo de Aventuras ! É claro que o apelo da rotogravura e da beleza das cores que dessa técnica nasciam terá feito esquecer as lições da anterior aventura editorial.
A edição do Cavaleiro Andante da mesma semana em que o Titã surgia anunciava em capa uma aventura completa com o título "Roubaram a Camisola Amarela". O nº 146, de 16/10/1954, correspondia já ao 3º ano de publicação, sempre sob a direcção de Adolfo Simões Müller. A revista manteve a mesma dimensão (25 x 18) desde o primeiro número , tinha 20 páginas, custava 2$00, era impressa a cores na capa e contracapa (onde era publicado "Tin Tin na Lua"), o recheio a preto e branco e bicromia, em quatro páginas, inseria nove histórias em continuação (em regra, uma por página) e uma aventura completa . Dessas aventuras, mais de metade consistiam importações de BDs britânicas, mas o cabeça de cartaz (e porventura o nome mais apelativo) era indubitavelmente  o jovem repórter TinTin.  O modelo do Mundo de Aventuras assimilava-se quase integralmente, no formato e aspecto gráfico, ao do Cavaleiro Andante, mas o essencial das BDs publicadas vinham do mercado norte-americano, que assim entrava em força em Portugal.
A verdade é que o Titã e a sua concorrência directa nasceram e  viveram no mesmo contexto político/social: o Portugal ditatorial dos anos 50, em que o  salazarismo se afirma solidamente após os percalços do imediato pós II Guerra. Isso significava não só o acatamento da trilogia de referência do Estado Novo, "Deus, Pátria e Família", com tudo o que isso significava de divulgação dessa  mensagem junto dos jovens em idade de formação escolar, como sobretudo ter de lidar com a  existência da censura prévia que de alguma forma procurava garantir esses valores. Esta última obrigava que todas as  páginas de cada número da revista tivessem que ser visadas previamente pelos serviços de Censura do Estado.  A isso se refere Roussado Pinto, por exemplo, quando alude a um episódio por altura do aparecimento do Pluto, em 1946: " Tinha 18 anos , fazia  o "Pluto" e naquela segunda feira quando fui à Direcção dos Serviços de Censura buscar as provas do jornal e saber se  havia algum corte a fazer..." [15]. A experiência de Roussado Pinto, que na altura do Titã tinha já dez anos de vida profissional de revistas e jornais juvenis – e portanto de muitas idas e vindas à  Censura –, levaria a que um  módico de bom senso acautelasse a viabilidade da publicação por essa via. Um bom discurso "oficial", na parte editorial da revista, ajudaria certamente a que um ou outro constrangimento que poderia advir de certas aventuras mais " violentas" ou  menos conformes com o espírito do regime, aos olhos dos censores, pudessem ser negociadas...
 




 
Ao que se sabe, Roussado Pinto não foi nunca um prosélito do salazarismo. Pelo contrário, alguma da sua produção ficcional e de reportagem  foi censurada previamente e chegou mesmo a ser proibida e apreendida [16]. Acontece porém que a actividade empresarial e jornalística relacionada com a edição juvenil não poderia comprazer-se,  se quisesse garantir  um mínimo de viabilidade económico-financeira, em se assumir como crítica (pelo menos, de forma expressa) do regime vigente. 
Deve aliás colocar-se em contraste a acção de Roussado Pinto, nesse aspecto, como director desta e de outras publicações juvenis com a de outros responsáveis em idênticas funções. É o caso, por exemplo,  de Adolfo Simões Müller, à frente do então concorrente Cavaleiro Andante. O zelo  de  Adolfo Simões Müller – notório simpatizante do regime e,  ao que se  sabe, autor de umas "Instruções sobre a Literatura Infantil" datadas de 1950, enquanto membro da mesa censória da época – em garantir a fidelidade das BDs que publicava às suas concepções (e às do regime),  chegava ao ponto de  truncar as sequências das séries e alterar os seus textos [17].
O ponto é que, ao adquirir  séries publicadas ou em publicação de duas revistas de inspiração cristã, e independentemente  da qualidade e popularidade das mesmas – que terão sido os critérios principais, estamos em crer,  para essa decisão – se facilitava o complexo, delicado e muitas vezes decisivo trânsito pela Censura Prévia salazarista...

 
10. Curiosidades
 
As tropelias gráficas eram mais que muitas: num número a prancha era publicada à dimensão total da página para, no número seguinte, ter de ser comprimida para se lhe acrescentar outra linha ou coluna de  texto ou desenho! Quando a revista reduziu o formato, isso foi dramático para todas as obras, mas mesmo na versão inicial um dos casos mais chocantes (vistos aos olhos de hoje) é a mutilação sofrida por  "Homens sem medo", de Ron Embleton, que da paginação ampla se vê reduzida a quase 1/3 da dimensão da página a partir do  Titã nº 7 !
No nº 31, a página 35 (a penúltima) é numerada como a 27, provavelmente porque o nº anterior, o  30, foi o último a incluir o Suplemento Leão, o que significava ter o caderno principal apenas  28 páginas (nos dias de hoje, diríamos que a culpa seria do " copy paste"...)
No nº 7, página 3, o título Titã foi impresso invertido!
 
11. O aspecto  gráfico  da revista ao longo da sua (curta) existência
Abaixo reproduzem-se as capas do nº 5 (formato grande, desenhada por Vítor Péon) e dos nºs 24, 39 e 42 (todas de formato reduzido) .
 

 
 
 

 

Bibliografia citada:

 

Amaral, António ( 1996).  "Titã, Flecha e os demais", in História da BD Publicada em Portugal, 2ª parte, Edições Época de Ouro, Vila Real de Santo António, 1996, p. 18 ISBN 972-96627-1-1

 

Menezes, José de Azevedo e (2013). O Papagaio, Um Estudo do que foi uma grande revista infantil portuguesa, Damaia, Bonecos Rebeldes. 2013, 4ª ed. rev. e corr. ISBN 978-989-8137-47-0

 

Menezes, José de Azevedo (2010). O Grande camaradão de todos os sábados.  Lisboa, Bonecos Rebeldes.

 

Leonardo de Sá e António Dias de Deus, Cavaleiro Andante, Editorial Notícias, 1999.



Manuel Caldas (org.). O Mosquito: de como Nasceu e Viveu, Edições Emecê, Porto, 1993.

 

 






[1] A Empresa editou a revista Titã, a sua parceira Flecha, e anda muitos outros coleccionáveis em livros e fascículos na área da Banda Desenhada. Alguns exemplos:  Buffalo Bill (capas coloridas, 32 páginas de texto, uma aventura completa), Colecção Capuchinho Vermelho -  Obras de E. T. Coelho, fascículos de "A Grande Ameaça", a primeira aventura de Lefranc criada por Jaques Martin para o Journal de TinTin,  etc. Ficou ainda conhecida pela publicação de uma colecção em formato de bolso intitulada  " Mosaico" destinada a divulgar "pequenas obras de grandes autores".


[2] A rotogravura é uma técnica de impressão cujo nome  deriva da forma cilíndrica das rotativas que permitem a aplicação de tinta de forma uniforme nos suportes impressos. Se bem que se trate de um processo relativamente mais dispendioso que o mais moderno "offset", permite uma gama de tonalidades (a preto e branco e a cores )  mais rica e com mais qualidade. As cores parecem aguareladas, o que potenciou o efeito estético das  criações  do  principal  ilustrador  das capas  que foi   Vítor Péon.


[3] Cfr. António Amaral, "Titã, Flecha e os demais", in História da BD Publicada em Portugal, 2ª parte, Edições Época de Ouro, Vila Real de Santo António, 1996, p. 18.


[4] Cfr. Jornal do Cuto, nº 35, Ano 1 (1/3/1972) p. 23.


[5] O mais provável é que a autoria dos desenhos seja de  Chott (Pierre Mouchot). A seu favor temos a afirmação do próprio Director da revista em resposta a um leitor, no nº 5, p. 2,  que indica o francês como o ilustrador de Marco Polo. Sabemos hoje que quer Mairani quer Chott   se encarregaram de dar vida ao personagem. Contudo, António Amaral op.cit. p. 18 refere que as aventuras de Marco Polo publicada no Titã são ilustradas por Alvaro Mairani.


[6] Cfr. "Cuto. Herói de uma geração", in O Louletano, 2 de Março de 2009.


[7] Tal divulgação não é pioneira, como sabemos. Aliás  a recepção em Portugal de alguns heróis da escola franco-belga está longe de ser tardia . Recorde-se que TinTin , que começou a ser publicado no Petit Vingtiéme a 10 de Janeiro de 1929, concretiza  a  primeira incursão  numa língua que não o francês, justamente em Portugal. Acresce  outra estreia absoluta  mundial que foi  a sua publicação a cores. Tal  aconteceu no semanário infantil O Papagaio (1935-1949) no seu  nº 53 de 16 de Abril de 1936, com o início da aventura "TimTim na América do Norte". As aventuras de "TinTin", da sua cadela RonRom (Milú), do capitão Rosa (Haddock) e do Professor Pintadinho (Tornesol) prolongam-se em mais oito aventuras publicadas no jornal dirigido por Adolfo Simões Müller. Refere José Azevedo e Menezes no seu estudo  sobre  O Papagaio que parte dos direitos de autor pagos a Hergé, pelo Director da revista, foram traduzidos em bens alimentares enviados para a Alemanha, onde um irmão de Georges Remi  estava preso.


[8] Curiosamente, quando a aventura começou a ser publicada no Titã, em Março de 1955, não havia ainda sido concluída na Eagle.


[9] Frank Hapson, por razões de saúde,  viu-se obrigado a abandonar várias aventuras  de Dan Dare, entre  1952 e 1955, que foram continuadas por vários dos seus colaboradores (Harold Johns, Don Harley ou Desmond Walduck).


[10] A Eagle era impressa em rotogravura, numa máquina especialmente construída para o efeito, sendo 4 das suas 20 páginas inteiramente a cores, designadamente a capa e a contracapa, cujo tom esmaecido e aguarelado das cores foram uma das suas marcas distintivas. Tal como no Titã, aliás...


[11] Recorde-se que Vítor Péon havia acompanhado Roussado Pinto na sua  primeira (e extraordinária)  aventura chamada Pluto,  em 1946, e acabaria depois  por vir a colaborar com ele  no Mundo de Aventuras.


[12] Cfr. Jornal do Cuto, cit. p. 23.


[13] Cfr. José Pires, " O Génio dentro da Garrafa, Roussado Pinto" in História da BD Publicada em Portugal, cit. p. 14


[14] Cfr. Manuel Caldas (org.). O Mosquito : de como Nasceu e Viveu, Edições Emecê, Porto, 1993.


[15] Cfr. Notas de 30 anos de Banda Desenhada in Jornal do Cuto, nº 83, p. 34.


[16] São os casos das reportagens publicadas em livro Eu fui Vagabundo, 1961, e de algumas ficções policiais sob pseudónimo de Ross Pynn. Falta  um estudo sobre essa personalidade fascinante que foi  Roussado Pinto. Esteve presente, ora como Director, ora como simples colaborador e tantas vezes a coberto de uma miríade de pseudónimos,  em praticamente todas  as publicações juvenis (e de banda desenhada) publicadas em Portugal após o fim da II Guerra Mundial e até aos anos 80. Mas foi também jornalista no efémero Diário Ilustrado,  escritor de centenas de obras de ficção policial, ficção científica e reportagem e terminou os seus dias à frente desse “insólito, impossível, fantástico, espantoso” Jornal do Incrível !


[17] Cfr. Leonardo de Sá e António Dias de Deus, Cavaleiro Andante, Editorial Notícias, 1999.




Ricardo Leite Pinto




 

2 comentários:

  1. Boa tarde.

    Penso que houve um engano, refere que surgiu em 1954 e que acabou em 1945.
    Não será ao contrário?

    Cumps
    Eduardo

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  2. Tem razão. Há um lapso no 1º parágrafo. A revista acabou em 1955 e não 1945. Obrigado pelo reparo.

    Cumprimentos

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