SEMANÁRIO JUVENIL TITÃ (1954-1955):
UMA AVENTURA GRÁFICA SINGULAR
1.
Introdução
O
semanário juvenil Titã surgiu a 12 de
Outubro de 1954, com 12 páginas, dimensão de 245 x 345mm e preço de 2$00. Os
seus proprietários eram a Fomento de Publicações Lda [1] com sede na Rua Capelo 26 - 2º, em Lisboa, onde também se localizava a Redacção
e a Administração. O seu primeiro director
foi José da Costa Pessoa (Vinhais), o editor responsável António Feio e o
redactor principal Roussado Pinto. Contudo a partir do nº 6 e até ao fim da
revista, no nº 42 de 10 de Agosto de 1945, o director foi Roussado Pinto.
As
características da revista ao longo da sua publicação foram as seguintes:
Nºs
1 a 12 – 12 páginas e uma separata – Preço 2$00
Nºs
13 a 20 – 12 páginas + Suplemento Leão com
6 páginas como encarte central +
Separata
Nº
21 (reduz formato) – 28 páginas +
Suplemento Leão com 6
páginas
Nº
30 – 28 páginas + Último suplemento Leão (com o nº 18) e o preço passa para 2$50
Nº
31 – 36 páginas. As séries o "Segredo
do Sabre", "Capitão Meia Noite", "Jeff Arnold" e "Terry e os Piratas" são
interrompidas .
Nº
32 – Retoma as aventuras interrompidas
no número anterior.
Nº
37 – Reformulação + separata com ídolos do desporto. Preço passa para 2$00 de
novo.
Nº
42 – Fim da revista
A
publicação caracterizou-se, na sua primeira fase, pelo aspecto gráfico. Quer a
dimensão da revista – muito próxima do Senhor
Doutor, que se havia publicado 20 anos antes –, quer sobretudo a qualidade
da impressão e da reprodução da capa, contracapa e páginas interiores
conferiam-lhe um especial atractivo. A qualidade gráfica estava ligada à
técnica de impressão, a rotogravura [2] que permitia "a reprodução de meios-tons e séries aguareladas" com
muita qualidade [3]. Vítor Péon, que teve participação activíssima nas ilustrações e no grafismo da
revista, recorda cerca de 20 anos depois: "Ainda me lembro do processo da
cor que era dada pelo pintor e bom amigo Fortunato Anjos. (...) (A Fomento
Publicações) foi uma firma criada par criar trabalho para uma rotativa de
quatro cores que a Neogravura tinha comprado no estrangeiro." [4]
Com
algumas raras excepções, as bandas desenhadas não identificam os autores,
prática infelizmente comum até então. As excepções são as aventuras desenhadas
por Vítor Péon e José Garcês com argumentos de Roussado Pinto (sob pseudónimo
ou não) e uma história de Jesus Blasco. Era a prática da época, repita-se, não
só em Portugal como na Grã-Bretanha ou nos EUA, o que não significou a
existência de importantes excepções, uma delas o Journal du TinTin que cuidava de identificar a autoria dos "Textes
et dessins" . Contudo na secção " Bilhetes Postais", que se
ocupava das respostas às cartas dos leitores, são dadas algumas informações
sobre os desenhadores e argumentistas das aventuras publicadas.
2. A invasão britânica
A
lista de histórias que inauguram o Titã
– todas em continuação – são as
seguintes:
a)
Titã em circos em Luta (Argumento: Edgar Caygill / Roussado Pinto; Desenhos:
Vítor Péon)
b)
Heróis do Espaço (Argumento/ Desenho: Graham Cotton)
c)
Perdidos na Selva (Argumento: Edgar Caygill/ Roussado Pinto/ Desenhos: Vítor
Péon)
d)
Bravo Jim – 1º Episódio (Argumento/ Desenhos: Jesus Blasco)
e)
Terrível Dilema (Argumento: Frederick Davies/ Desenhos: Vítor Péon)
f)
Mohawak Trail – Homens sem medo 1755 Ano de lutas para as colónias norte
americanas (Argumento/ Desenhos: Ron Embleton)
g)
Dunkerque – episódios de Guerra
h)
Capitão Negro (Argumento/ Desenhos: George Heath)
i)
As Viagens de Marco Polo [Argumento/Desenhos: Alvaro Mairani, 1913-1996; ou Chott, Pierre Mouchot (1911-1966) [5]]
Ou
seja, temos aventuras históricas (Marco Polo), sagas marítimas, passadas no
século XVII, com heróicos capitães e
corsários infames (Capitão Negro), episódios do Oeste americano, com
mais ou menos enquadramento histórico e muita
emoção entre índios e "
cowboys" (Bravo Jim e Homens Sem
medo), viagens no futuro (Heróis do Espaço) e
last but not the least o herói
que dá nome à revista, Titã, um artista de circo "com força prodigiosa e cérebro privilegiado", às voltas com uma organização criminosa de um circo rival .
Depois, dois contos, também em
continuação, uma aventura na selva
tropical (Edgar Caygill) e as diatribes do " homem lua" (Frederick
C. Davies) , um enigma policiário,
curiosidades, ilustrações históricas (Episódios da Guerra) e pequenas tiras cómicas. E ainda, é claro, o
anúncio da iminente saída da revista Flecha
– "o semanário mais pequeno do mundo" – propriedade da mesma empresa
e com o mesmo responsável editorial,
Roussado Pinto. Acresce uma pagela à dimensão da publicação, que
acompanhou os primeiros números da revista, como separata, contendo ilustrações
sobre um determinado tema. No total mais de 2/3 do espaço da revista era
ocupada com banda desenhada, toda ela
de qualidade, reconheça-se.
A
proveniência da referida BD é variada, mas a esmagadora maioria dos criadores
vêm da Grã-Bretanha. Uma verdadeira invasão britânica!
A
saber (de entre os que conseguimos identificar, dado o anonimato das séries):
a)
- Ron Embleton (1930-1988) ou Rodney Sydney Embleton: um multifacetado
desenhador com particular orientação para os temas
históricos ("The Bath Road" , "Wrath of the Gods",
"Rogers Rangers", "Wulf the Briton", etc.) e que chegou mesmo a colaborar na série “O Império
Trajano” (Trojan Empire); a aventura aqui publicada, intitulada "Homens
sem Medo" (no original, "The Mohawk Trail"), decorre no contexto da guerra colonial entre França e
Grã-Bretanha antes da independência da América do Norte − um dos tópicos
preferidos de Ron Embleton − é reproduzida
a preto e branco e corresponde a
uma das criações da fase inicial deste
autor; foi publicada na "Comics Cuts", editada pela Amalgamated
Press, em 1951 e 1952. A " Cidade Perdida" ("Forgotten
City"), publicada alguns números depois no Titã, é outra das aventuras
desenhadas por Ron Embleton.
b)
- Graham Coton (1926-2003): concebeu e desenhou a extraordinária aventura da
Família Rollinson, raptada por "robots" e abandonada num misterioso
planeta onde tudo acontece, foi
traduzida no Titã por "Heróis do Espaço"; originariamente publicada na
revista britânica Knockout entre 1953 e 1958, o cabeçalho da série apresentava
a família Rollinson (pai e mãe e os quatro filhos Bob, Betsy e os gémeos Joey e Joy);
c) - George Heath (1900-1968): desenhou o Capitão Negro − "Pirates of the Spanish
Main", publicada no Tip Top em
1948;
d)
- Bruce Cornwell (1920-2012): colaborou no estúdio de Frank Hampson, de que a
seguir falaremos, quando se tratava de conceber as ilustrações técnicas exigidas pelas espaciais
aventuras de Dan Dare, mas também criou as suas próprias personagens,
como é o caso de "Jim Stalwart", publicado no "Junior
Mirror" em 1954 e cujas aventuras
se estrearam no Titã nº 8;
e)
- Oliver Passingham (1925): colaborou com as editoras britânicas Almagamated
Press and DC Comics; a sua personagem mais conhecida é a detective londrina
Leslie Shane, inspirada no universo gráfico de Alex Raymond e publicada
a partir de 1953, em tiras diárias na imprensa; a heroína britânica aparece sob
a designação aportuguesada de Lilia Sol, como era comum na época;
f)
- Dudley Dexter Watkins (1907-1969):
alguns dos seus "comic
strips" alcançaram grande
popularidade, sobretudo na Grã-Bretanha, com os seus personagens
"Beano", "Oor Wullie", "The Broons" ou
"Desesperate Dan"; elaborou inúmeras ilustrações de carácter bíblico
e são justamente as suas ilustrações temáticas que o Titã publicou em separatas durante
muitos números;
g)
- Derek C. Eyles (1902-1974) cujo estilo rigoroso no desenho de equídeos o tornou particularmente bem sucedido nos
"western" e em outras aventuras similares, como o que Titã
publica intitulada "O Capitão Meia Noite" ("Dick Turpin" no
original);
h)
- Harry Farrugia (1919-1970), que, sendo de ascendência maltesa e tendo nascido
no Egipto, fez toda a sua carreira na Grã-Bretanha; a banda desenhada publicada
no Titã intitulava-se Atenção Z-9 (“Calling
Z 9”) relata as aventuras do agente
secreto Brady conduzindo (sem capacete, é claro... ) sua moto em alta velocidade;
3. A presença de Il Vitorioso e a omnipresença de Jesus Blasco
Do
contingente de desenhadores italianos são de destacar desde logo – a admitir
ser ele mesmo o autor em causa e não o francês Chott, o que, como vimos, é
contraditado pelos responsáveis do Titã – Alvaro Mariani, que também
desenhou sob o pseudónimo de Almay e
cujo traço e coloração terão acompanhado
a contracapa da revista do primeiro ao último número, dando vida às aventuras
de Marco Polo. Mas temos também o traço
expressivo e caricatural de Lino Landolfi (1925-1988), a lembrar René
Gosciny, e um dos raros autores que se
identifica – "Lino" – e que desenha a sua mais popular personagem "Procópio,
Conquistador". Ruggero Giovannini (1922-1983),
que concebe uma interessante aventura entre várias tribos de índios norte-americanas
intitulada "As Grandes Águas" e, finalmente, Alberto Tosi, que concebe e desenha a
série " Cruz Vermelha" ("La
Croce Scarlata") .
A
totalidade dos autores italianos eram colaboradores do semanário Il Vitorioso. Entre 1937 e 1966,
por iniciativa da "Azione Catolica"
e com o propósito de conferir aos jovens italianos uma visão da vida e
da sociedade impregnada da valores
católicos, veio a ser publicado a revista Il
Vitorioso. Transformou-se num grande sucesso, chegando a vender cerca de 200.000 exemplares por semana, se
bem que beneficiando da ampla rede de distribuição da própria Igreja Católica.
A particularidade da revista foi a de
apenas ter publicado autores italianos.
Depois
temos o caso muito particular de Jesus
Blasco (1919-1995). Tratava-se de um
autor já conhecido em Portugal pelas "Aventuras de Cuto" e que na
altura, anos 50, trabalhava sobretudo com a agência britânica Fleetway. Será o
criador mais publicado no Titã, com 5 trabalhos: "Shot Basky",
"Bravo Jim", "Dunquerque", "Samurai o Terrível" e
o "Caminho de Nevada".
As
aventuras de Cuto, para muitos uma réplica ibérica de TinTin, iniciadas no
Mosquito nos anos 40, ganharam grande popularidade entre nós. Jorge Magalhães
chama-lhe mesmo o "herói de uma geração" [6]. Talvez por isso, e se bem que o Titã
não tenha publicado nenhuma banda
desenhada de Cuto, não deixou de inserir
alguns contos do popular herói,
ilustrados por Jesus Blasco. Chegou mesmo a dar-lhe a capa do nº 21,
anunciando a aventura "O rancho Círculo C".
Cuto
e Jesus Blasco serão uma companhia constante de Roussado Pinto ao longo da sua
vida profissional e pessoal. Na verdade, este, no início dos anos 70, lançaria
o Jornal do Cuto – tentativa relativamente
bem sucedida de revisitar a BD dos anos 40 e 50 e, especialmente, o universo criativo de Jesus Blasco. Aliás,
entre o desenhador barcelonês e o director do Titã desenvolveu-se um contacto pessoal que se transformou numa
amizade firme.
Mas,
voltando ao Titã, onde Blasco tem
presença significativa, como vimos, a verdade é que não se sabe, em rigor, o
que deve ser atribuído a Jesus Blasco ou aos seus irmãos, Adriano,
Alejandro e Pili. Em conjunto
constituíram uma firma em Barcelona, em 1947, que produziu dezenas de histórias,
sobretudo para os mercados francês e inglês. Algumas dessas aventuras eram assinadas por Jesus mas que sabe-se hoje terem
sido criadas pelos irmãos. No Titã nº 5 inicia-se uma série intitulada
"Spell" que descreve as aventuras de um piloto de aviação militar e
que na sua primeira prancha, na 12º casa, surge assinada por Alejandro Blasco.
Os
Episódios de Guerra, que se traduzem em relatos da II Guerra Mundial, por seu
turno, são desenhados por F. Bielsa, e pelos irmãos Alejandro e Jesus Blasco.
4. BD franco-belga: as
importações do TinTin
Um
dos aspectos mais interessantes prende-se com a divulgação de banda desenhada
franco-belga publicada no semanário TinTin,
quer na edição belga quer francesa [7].
São
os casos de "L´Extraordinaire Odyssé de Corentin Faldoe", de Paul Cuvelier, "Le Secret de
Mahukitah", de Albert Weinberg, e "Le Secret du Espadon", de E. P.
Jacobs.
A
primeira das aventuras de Corentin, magnificamente desenhadas pelo artista
emérito que foi Paul Cuvelier, têm início no nº13 de 11/1/1955 e beneficiam, do
ponto de vista gráfico da maior dimensão da revista, quando comparadas com a
concorrência. Paralelamente, a reprodução das pranchas é de grande qualidade,
ganhando em apuro gráfico pela forma como o traço leve e dinâmico de Cuvelier se evidencia na plenitude.
A
odisseia de Corentin estreou-se no primeiro número do Journal de TinTin belga a 26
/9/1946. O seu autor, Paul Cuvelier, com
22 anos, tinha acabado de sair da
Academia de Arte de Mons e havia impressionado
Hergé pela qualidade dos seus desenhos. Será aliás Hergé a " desviar"
Paul Cuvelier para a banda desenhada, se bem que ao longo da vida este tenha
sempre tentado uma carreira artística como pintor e desenhador, considerando a BD um actividade
"menor". O argumento da primeira aventura de Corentin terá a
colaboração da mente genial de Jacques Van Melkebeke, que estará aliás por
detrás do projecto da revista TinTin. Melkebelke,
a braços com um processo judicial por acusação de colaboracionismo durante
a II Guerra Mundial, vê-se impedido de
dar o nome aos textos e histórias que concebe para a pena de muitos dos
desenhadores dessa fase de ouro da BD franco-belga. A qualidade do traço de
Cuvelier ganha com a impressão da revista TinTin,
em heliogravura, sob a responsabilidade
do mestre tipógrafo Van Cortenbergh. Trata-se de uma técnica adequada para
valorizar os sombreados, os claros-escuros e as tonalidades sépia. E nesse
aspecto pode dizer-se que as reproduções do Titã
(da sua fase em formato grande) são exemplares, conseguindo recriar essa
qualidade gráfica.
As
aventuras de Corentin transformam-se em "Aventuras de Grifo" e a
série, ao contrário da sua publicação originária na revista belga, não identifica a sua autoria. Os textos que
acompanham os desenhos, certamente da responsabilidade do director da revista
Roussado Pinto, e que deveriam consistir na simples tradução do original francês, primam por uma certa prolixidade. Em certos
casos aproximando-se de uma forma mais popular de coloquialidade, em outros
dizendo bem mais do que era necessário.
Na
prancha nº 3, quadrado nº 6,
por exemplo, quando o cozinheiro
do brigue no qual Corentin inadvertidamente embarca exclama "Foi de
cuistot, un petit coup de vin ne fait jamais de mal", a liberdade criativa
do tradutor coloca-o a dizer: "Por minha fé! Estou a suar como um camelo
fora do deserto! Um copo de vinho não fará mal ao meu estômago!".
As
soluções gráficas nem sempre respeitam o original. Não falamos, é claro, da
compressão das pranchas quando a revista passou do formato grande para um
formato mais reduzido. A configuração original mantém-se, ou seja 3 linhas horizontais
que acomodam entre 6 a 12 quadrados por prancha, mas a sua proporção reduz-se
em quase 50%, perdendo-se boa parte do impacto visual do desenho de Cuvelier. Falamos
sim do desaparecimento de alguns desenhos. Logo na prancha inaugural as três
primeiras casas desaparecem (enfim, não inteiramente...) e são substituídas por
um título em grandes dimensões "As extraordinárias aventuras de
Grifo" e por uma caixa de texto compacto onde se pretende explicar as
origens do herói. Lê-se que é "um valente rapazinho", "órfão
desde muito novo", recolhido por um "velho tio, homem sem escrúpulos,
que se embriagava a todas as horas e que batia a todas as horas com rudeza e
sem piedade no pequeno". É claro que a supressão da segunda casa do
original em que o " velho tio" manda
Corentin comprar um garrafa de
rum, obriga, na tradução do nosso Titã,
a uma pequena invenção na sequência dos acontecimentos: quando Corentin se atrasa e o tio explode em
imprecações, o leitor português constata que,
embriagado, o tio o tinha enviado "encher tanques de água" e
"carregar lenha" e não buscar uma garrafa de rum...
Nada
que apoquentasse os jovens leitores do Titã,
que tinham à sua frente semanas e semanas de emocionantes aventuras, que o
levarão ao alto mar, à selva indiana, à amizade com o gorila Belzebu e o tigre
Moloch e conhecer Kim, o seu amigo em futuras aventuras.
Outras
das importações do TinTin é Albert
Weinberg (1922-2011), desenhador com uma longa carreira, multifacetado (mais de
2000 pranchas e quatro dezenas de títulos), mas que ficou sobretudo conhecido por ter criado o herói aviador
canadiano Dan Cooper. Entre o nº 7 e o 31 é publicado "Le secret
de Mahukitah", uma aventura passada na América do Sul, publicado na
revista Tintin (belga) nos nºs 11 a
22 e 24 a 29 do ano de 1950. Será aliás
capa do semanário francófono por duas vezes: nos nº 16 e
25 desse mesmo ano. Ambas com
magníficas ilustrações de Weinberg. A aventura dos "homens azuis",
passada em ambiente de "far west" pré-colombiano, desenvolve-se em apenas 17 pranchas e revela um traço ainda primitivo de Weinberg,
que se especializará mais tarde no
desenho de aeronaves e aventuras aéreas e será um das traves mestras da revista
TinTin, tal a multiplicidade de
estilos que utilizará para os seus personagens.
Mais
tarde, o Cavaleiro Andante (em 1953 e
1956) publicará outras histórias completas desenhadas por Weinberg,
surgidas originariamente na revista TinTin.
E. P. Jacobs
|
O
terceiro "tintinófilo" é nada mais nada menos que o E. P. Jacobs, na
altura longe de atingir o estatuto que anos mais viria a alcançar, mas apesar
de tudo já um dos nomes fundamentais da revista TinTin. A aventura "O
Segredo do Espadão" − traduzida no Titã por "O Segredo do Sabre" – começaria a ser publicada logo no primeiro
número da revista francófona em 1946, acabando apenas a 8 de Setembro de 1949.
Foi depois editada no formato de álbum, em dois volumes, o primeiro em 1950
e o segundo em 1953. A versão portuguesa
surge impressa a duas cores, preto e laranja, sendo certo que uma das riquezas
da versão original é justamente ter surgido com um notável colorido, sempre na
contracapa da revista Tintin.
A
estreia de Blake & Mortimer em Portugal deu-se em 1952 no nº 30 do Cavaleiro
Andante, através da publicação da aventura "O Mistério da Grande
Pirâmide". A mesma revista
publicaria ainda "A Marca Amarela", "SOS Meteoros", "O
Enigma da Atlântida" e a “Armadilha Diabólica". Também a revista Foguetão e o suplemento juvenil do Diário Notícias ("Nau
Catrineta") vieram a publicar outras aventuras da célebre dupla, como são
os casos da "Armadilha Diabólica" (também publicada no Cavaleiro Andante, como se disse) e “O Caso
do Colar”.
Vale
a pena comparar “O Segredo do Sabre”, do Titã,
com a versão original publicada no TinTin.
5. A influência da revista Eagle
No
nº 25 da revista Titã estreiam-se duas
séries publicadas pelo semanário inglês Eagle:
"Dan Dare – Os Prisioneiros do Espaço", de Frank Hampson, e
"Jeff Arnold" (“The Riders of the Range”), de Frank Humphris.
A
série Dan Dare, “Pilot of the
Future", é hoje considerada uma das obras de referência da história da
banda desenhada. Foi aliás um dos sucessos da revista britânica Eagle.
Trata-se de um herói espacial cujas aventuras decorrem nos anos 90 do
século passado. Continuam a publicar-se ainda hoje, com o sucesso típico dos grandes
heróis da banda desenhada, ou seja,
transitaram para outros suportes,
como a rádio, televisão, cinema e jogos para computador. A versão que acabou por
efemeramente aparecer no Titã, "Os
Prisioneiros do Espaço” foi publicada nos anos 50 na Eagle (em rigor, de 28 de Maio
de 1954 a 6 de Maio de 1955) [8], mas curiosamente não foi desenhada integralmente pelo seu criador, Frank Hampson,
mas sim por Desmond Walduck, que se esforçou por aproximar o seu estilo do
criador da série [9].
A
série "Jeff Arnold – The Riders of the Range", criada por Charles
Tilton (1917-2013) começou por surgir na BBC Radio, com grande sucesso, passando
depois para as páginas da Eagle,
inicialmente desenhadas por Jack Daniel, depois por Angus Scott e finalmente, a partir de Julho de 1952, sob a pena de Frank Humphris (1913-1993),
onde se mantiveram até 1962. As aventuras de Jeff Arnold primam pelo rigor
histórico, constituindo ainda hoje uma das mais documentadas obras sobre o
Oeste americano. Acresce, com a colaboração de Frank Humphris, um acrescido
rigor nos enquadramentos cinematográficos de cada página e uma utilização
cuidada das cores aguareladas
reproduzidas com muita qualidade na Eagle.
Há
reedições de "Riders of the Range", desenhado por Frank Humphris,
publicadas em 1990 pela Hawk Books.
Contudo,
as aventuras de Jeff Arnolds publicadas no Titã
são reproduzidas a preto e branco, perdendo grande parte da sua beleza (ver a
comparação infra).
Os
avanços nas tecnologias de impressão conferiram à Eagle [10], uma revista precursora no campo da banda desenhada, um
extraordinário sucesso. A sua primeira série publicou-se entre 1950 e 1969.
A iniciativa da revista deveu-se a Marcus Morris, um clérigo da Igreja anglicana
da cidade de Lancashire, que transformou
a revista da paróquia, com a ajuda do desenhador Frank Hampton, numa histórica publicação de banda desenhada.
O seu propósito visava claramente divulgar um código de valores morais de
inspiração cristã entre os jovens britânicos, ainda que tais valores tivessem
que recorrer ao contexto aventureiro das batalhas espaciais e dos conflitos
entre índios e "cow-boys". O primeiro número vendeu quase um milhão
de exemplares. A sua personagem de referência acabou por ser o piloto Dan Dare, uma espécie de astronauta
de ficção científica em luta contra "o terrível Mekon". Mas também a
aventura Jeff Arnolds, "Riders of the Range", uma série passada no
rancho 6T6 e onde se cruzam muitas personagens do Oeste norte-americano,
desenhada por Frank Humphris, obteve grande sucesso, como referimos.
A
influência da revista Eagle no Titã
é visível a vários títulos. Não só pela publicação, a partir do nº 25, das
aventuras de Dan Dare e de Jeff Arnold ("Riders of the Range"), mas
também pelo aspecto gráfico. Na sua encarnação em formato reduzido, sobretudo
entre o nº 25 e até ao nº 37, nota-se a similitude com as capas da Eagle. A disposição e as características
do logo da revista no canto superior esquerdo, ocupando quase
1/4 da capa, e a inconfundível coloração produzida pela rotogravura aproximam
de forma surpreendente ambas as publicações...
Outro
aspecto comum entre as duas publicações, e mais uma vez a comparação ocorre na
versão de formato reduzido do Titã, é
a reprodução nas páginas centrais de uma ilustração muito detalhada (os famosos
"cutways diagrams"), acompanhada
de minuciosas legendas, do que mais moderno a engenharia mecânica naval, aeronáutica
e ferroviária da altura produzia
(aviões, submarinos, comboios, máquinas
de pavimentação de estradas, etc.). Muitas dessas ilustrações são reproduzidas
da Eagle, justamente (ver o relato da
criação de Eagle contado pelo próprio Marcus Morris em http://www.dandare.org/eagle/morris/morris.htm)
6. Os portugueses no Titã (Vítor Péon, José Garcez e...
Roussado Pinto)
São
fundamentalmente dois os ilustradores portugueses que surgem no Titã. O sempre fiel Vítor Péon [11], que ilustra quase tudo (contos, capas, histórias curtas, etc.) e que dá vida a
duas aventuras: Titã em Circos em Luta (nº 1 a 6 ) e Filipe de Noronha o Corsário (nºs 37 a 42). E José Garcez, com a aventura
" Palo Quri", de 16 pranchas,
com argumento de Roussado Pinto (nºs 21 a 35) . Seria republicada no Mundo de Aventuras, nº 359, de 21 de
Agosto de 1980.
Mas
a parte de leão em matéria de textos é de Roussado Pinto, director da publicação e na altura o
verdadeiro dinamizador da Fomento Publicações no que respeita a edições para
jovens (onde se incluía, pelo menos, o irmão mais novo do Titã, o semanário A Flecha).
A ele compete a elaboração de muitos contos e histórias curtas sob o pseudónimo
de Edgar Caygill (e outros como
Frederick Davies), a criação dos
argumentos (e dos diálogos) para os desenhos de Vítor Péon e José Garcez e
ainda a tradução – melhor dizendo, a adaptação, tal a liberdade criativa
utilizada – dos textos das bandas desenhadas estrangeiras.
De
registar ainda que a rubrica "Grandes Invenções" era assegurada pelos
desenhador Armando Anjos. Algumas ilustrações que acompanham contos e histórias
curtas são de José Ruy.
7. Titã: o herói improvável
A
única aventura do herói que dá nome à revista passa-se no circo e conclui
prematuramente ao fim de seis pranchas (no nº 6). Entre outros aspectos, permite
confirmar a destreza de Vítor Péon no desenho de animais. Titã, um
atleta vigoroso e intrépido, ostenta na camisola que enverga um “T” branco sob fundo vermelho que faz lembrar
o logo do Super-Homem... A personagem terá sido certamente inspirado no
super-herói norte americano ! Recorde-se que o Mundo de Aventuras começou a publicar as aventuras do Super Homem
em 1952...
A
aventura acaba prematuramente, dizemos.
Na verdade, o enredo é curto e termina abruptamente. Tudo se reconduz a
um fugaz confronto entre Titã, artista do Circo "bom", ajudado pelos
garbosos elefantes e cavalos da Companhia,
contra um grupo de criminosos que controlam o Circo "mau" e
que por sinal se chama "Circo Rico"... Quando imaginávamos a multiplicação
das refregas, tudo acaba com duas piruetas de Titã a entregar os maus à polícia
(norte-americana, é claro, como se deduz da farda e da palavra "police"). Uma luta de classes que escapou à censura? Ou uma censura que
gostou de ver uma luta de classes em ambiente nova-iorquino?
8. A "rotogravura"
na origem e no fim da Titã
A
experiência de fazer jornais juvenis a rotogravura, que tinha sido uma das
principais motivações do projecto do Titã
(e do Flecha), não chegou a um ano de
vida.
A
Fomento de Publicações − criada para aproveitar a rotogravura – terá acabado
nas seguintes condições, na versão de Vítor Péon: "[A Fomento Publicações] foi uma firma criada para dar trabalho para
um rotativa de quatro cores que Neogravura tinha comprado no estrangeiro. Essa
rotativa acabou por ser cedida a outra firma e a Neogravura só viria a
recebê-la muitos anos depois. Então a Fomento acabou porque não justificava que
estivesse a alimentar a concorrência, já que os trabalhos tinham de ser dados a
fazer a outras oficinas" [12]
O
fim da publicação, ainda que possa ter tido outras razões, parece ter sido
motivado pela “ quebra de compromissos na entrega de uma rotativa que baixaria
os elevados custos de produção com que a revista se debatia" [13].
A
verdade é que a Fomento de Publicações, que se havia lançado em força no
mercado editorial – uma das suas mais simbólicas colecções foi a “Mosaico”,
livros de bolso baratos, de reduzido formato e poucas páginas mas de autores
prestigiados –, acabaria por soçobrar pouco tempo depois.
9. Titã, a censura e a
concorrência (Cavaleiro Andante e Mundo de Aventuras)
A
revista Titã muniu-se de material de
proveniência maioritariamente britânica, a que adicionou o contributo italiano
e espanhol e, em menor escala, da
chamada escola franco-belga. Em geral as aquisições da revista traduzem uma
preocupação de qualidade e de actualidade. Paralelamente, a aposta em séries de
popularidade comprovada nos países de origem parece ter prevalecido.
Não
deixa de ser significativo o facto de duas das revistas que constituíram a
fonte de boa parte das séries, a britânica Eagle
e a italiana Il Vitorioso, terem
explícita e directa inspiração cristã. Uma e outra foram criadas com o
propósito de contrabalançar a influência da banda desenhada norte-americana,
que começava a afluir à Europa, oferecendo aos jovens um modelo de valores e
virtudes cristãs. Ambas visaram a disseminação entre os leitores de uma pauta
de conduta moral em que o apego ao valor do trabalho, da fraternidade, da sã
amizade, do heroísmo abnegado, do respeito dos mais velhos e em particular da
família constituíam os pontos cardeais.
Recorde-se
aliás que é rigorosamente em 1954 que é publicado pelo psiquiatra Frederic
Wertham o polémico Seduction of the
Innocent. Do seu ponto de vista os comic
books eram uma forma negativa de literatura popular que levava à
delinquência juvenil, pela forma como de forma expressa ou sublimar se exibiam
cenas de violência, sexo e droga. A verdade é que as repercussões da obra na
opinião pública levaram a que, nos EUA, a
Associação de Editores de Revistas de Banda Desenhada (Comics Magazine
Association) aprovasse o Comics Code Authority, uma espécie compêndio de regras
de autocensura (que se mantiveram já
entrados no século XXI) como forma de evitar a intervenção legislativa estadual.
Também
na Europa este tipo de preocupações quanto aos "bons valores" esteve
presente. A aprovação de legislação restritiva sobre publicações infantis e
juvenis, em França, logo a seguir ao fim da II Guerra Mundial levou à proibição
de circulação nesse país de álbuns de "Alix"
(Jacques Martin) publicados na famosa Colection du Lombard e que hoje temos
como absolutamente inofensivos.
Ora,
se tal ocorria em regimes democráticos imagine-se no Portugal dos anos 50...
A
Titã não deixou de pregar esses
"bons valores", que bem se expressavam quer nas respostas aos jovens
leitores, quer sobretudo na coluna do "Velho Augusto" (que, pelo
menos até ao nº 6, eram colunas habituais) onde se sente a inspiração do “Velho
Teotónio” do Mosquito... Nesta última
o apelo ao "respeito pelos pais", às virtudes da
"prudência" na escolha dos amigos, ao elogio do trabalho, a "nobreza
da alma e honra do corpo" são a tónica.
Um discurso que se resumo no seguinte: "sê trabalhador, sê
português, sê um rapaz que sabe cumprir os seus deveres". As referências
religiosas estão também presentes, dando-se
espaço à publicação em vinhetas
ilustradas, acompanhadas de texto, dos principais episódicos bíblicos. O mesmo se diga da divulgação de
episódios da História de Portugal (Episódios da História Pátria), da qual são
selecionados os episódios que se revestem de maior heroicidade.
É
claro que neste aspecto a Titã não se
diferenciou das restantes revistas para jovens que se publicavam na época.
As
concorrentes directas do Titã eram o Cavaleiro
Andante, que havia começado a
publicar-se três anos antes, e o Mundo de Aventuras, que se tinha
estreado em 1949. Existiam ainda as revistas juvenis e infantis ligadas à Mocidade Portuguesa, como a Lusita
e o Camarada, os suplementos de
alguns jornais como o "Pim Pam Pum" de O Século. Aquela que seria provavelmente a mais famosa publicação
juvenil portuguesa, O Mosquito,
havia terminado em Fevereiro de 1953,
após 18 anos de ininterrupta publicação [14]. E a sua concorrente directa, O Diabrete,
também havia cessado em 1951, após dez anos de vida. Em rigor o Cavaleiro Andante deu continuidade sem
interrupções ao Diabrete (com o mesmo
director, Adolfo Simões Müller). Mas o
certo é que o fim do Mosquito se terá devido justamente ao aparecimento do Cavaleiro Andante e do Mundo
de Aventuras.
O
Mundo de Aventuras, que durante o seu
primeiro ano se publicaria em formato tablóide, havia reduzido já o seu formato
em 1954. Curiosamente, foi por decisão
de Roussado Pinto – que a partir de 1950 começou a trabalhar, a convite
de Mário de Aguiar, um dos proprietários da Agência Portuguesa de Revistas, no Mundo de Aventuras – que tal alteração ocorreu. E com bons
resultados. Um formato mais reduzido permitia aos jovens maior facilidade e comodidade
no transporte e leitura da revista. É claro que essa não foi a única alteração
introduzida por Roussado Pinto. Uma profunda renovação gráfica e a publicação
de novas séries transformaram a revista num sucesso de vendas. Aliás, não deixa
de ser irónico constatar que Roussado Pinto abandonou o Mundo de Aventuras no auge deste. E para embarcar numa aventura
gráfica que nasceria em clara oposição
às ideias que ele próprio havia
combatido, com sucesso, no Mundo de Aventuras... Ou seja, acabou
por dar vida a uma publicação em formato muito próximo do tablóide, que quase
havia morto à nascença o Mundo de
Aventuras ! É claro que o apelo da rotogravura e da beleza das cores que
dessa técnica nasciam terá feito esquecer as lições da anterior aventura editorial.
A
edição do Cavaleiro Andante da mesma
semana em que o Titã surgia anunciava
em capa uma aventura completa com o título "Roubaram a Camisola
Amarela". O nº 146, de 16/10/1954, correspondia já ao 3º ano de publicação,
sempre sob a direcção de Adolfo Simões Müller. A revista manteve a mesma
dimensão (25 x 18) desde o primeiro número , tinha 20 páginas, custava 2$00,
era impressa a cores na capa e contracapa (onde era publicado "Tin Tin na
Lua"), o recheio a preto e branco e bicromia, em quatro páginas, inseria
nove histórias em continuação (em regra, uma por página) e uma aventura
completa . Dessas aventuras, mais de metade consistiam importações de BDs
britânicas, mas o cabeça de cartaz (e porventura o nome mais apelativo) era
indubitavelmente o jovem repórter
TinTin. O modelo do Mundo de Aventuras assimilava-se quase integralmente, no formato e
aspecto gráfico, ao do Cavaleiro Andante,
mas o essencial das BDs publicadas vinham do mercado norte-americano, que assim
entrava em força em Portugal.
A
verdade é que o Titã e a sua
concorrência directa nasceram e viveram
no mesmo contexto político/social: o Portugal ditatorial dos anos 50, em que
o salazarismo se afirma solidamente após
os percalços do imediato pós II Guerra. Isso significava não só o acatamento da
trilogia de referência do Estado Novo, "Deus, Pátria e Família", com
tudo o que isso significava de divulgação dessa
mensagem junto dos jovens em idade de formação escolar, como sobretudo
ter de lidar com a existência da censura
prévia que de alguma forma procurava garantir esses valores. Esta última
obrigava que todas as páginas de cada
número da revista tivessem que ser visadas previamente pelos serviços de
Censura do Estado. A isso se refere
Roussado Pinto, por exemplo, quando alude a um episódio por altura do
aparecimento do Pluto, em 1946:
" Tinha 18 anos , fazia o
"Pluto" e naquela segunda feira quando fui à Direcção dos Serviços de
Censura buscar as provas do jornal e saber se
havia algum corte a fazer..." [15]. A experiência de Roussado Pinto, que na altura do Titã tinha já dez anos de vida profissional de revistas e jornais
juvenis – e portanto de muitas idas e vindas à
Censura –, levaria a que um
módico de bom senso acautelasse a viabilidade da publicação por essa
via. Um bom discurso "oficial", na parte editorial da revista,
ajudaria certamente a que um ou outro constrangimento que poderia advir de
certas aventuras mais " violentas" ou
menos conformes com o espírito do regime, aos olhos dos censores,
pudessem ser negociadas...
Ao
que se sabe, Roussado Pinto não foi nunca um prosélito do salazarismo. Pelo
contrário, alguma da sua produção ficcional e de reportagem foi censurada previamente e chegou mesmo a ser
proibida e apreendida [16]. Acontece porém que a actividade empresarial e jornalística relacionada com a
edição juvenil não poderia comprazer-se,
se quisesse garantir um mínimo de
viabilidade económico-financeira, em se assumir como crítica (pelo menos, de
forma expressa) do regime vigente.
Deve
aliás colocar-se em contraste a acção de Roussado Pinto, nesse aspecto, como
director desta e de outras publicações juvenis com a de outros responsáveis em
idênticas funções. É o caso, por exemplo,
de Adolfo Simões Müller, à frente do então concorrente Cavaleiro Andante. O zelo de
Adolfo Simões Müller – notório simpatizante do regime e, ao que se
sabe, autor de umas "Instruções sobre a Literatura Infantil"
datadas de 1950, enquanto membro da mesa censória da época – em garantir a
fidelidade das BDs que publicava às suas concepções (e às do regime), chegava ao ponto de truncar as sequências das séries e alterar os
seus textos [17].
O
ponto é que, ao adquirir séries
publicadas ou em publicação de duas revistas de inspiração cristã, e
independentemente da qualidade e
popularidade das mesmas – que terão sido os critérios principais, estamos em
crer, para essa decisão – se facilitava
o complexo, delicado e muitas vezes decisivo trânsito pela Censura Prévia
salazarista...
10. Curiosidades
As
tropelias gráficas eram mais que muitas: num número a prancha era publicada à
dimensão total da página para, no número seguinte, ter de ser comprimida para
se lhe acrescentar outra linha ou coluna de
texto ou desenho! Quando a revista reduziu o formato, isso foi dramático
para todas as obras, mas mesmo na versão inicial um dos casos mais chocantes (vistos
aos olhos de hoje) é a mutilação sofrida por
"Homens sem medo", de Ron Embleton, que da paginação ampla se
vê reduzida a quase 1/3 da dimensão da página a partir do Titã nº 7 !
No
nº 31, a página 35 (a penúltima) é numerada como a 27, provavelmente porque o
nº anterior, o 30, foi o último a
incluir o Suplemento Leão, o que significava ter o caderno principal
apenas 28 páginas (nos dias de hoje,
diríamos que a culpa seria do " copy paste"...)
No
nº 7, página 3, o título Titã foi impresso invertido!
11. O aspecto gráfico
da revista ao longo da sua (curta) existência
Abaixo
reproduzem-se as capas do nº 5 (formato grande, desenhada por Vítor Péon) e dos
nºs 24, 39 e 42 (todas de formato reduzido) .
Bibliografia citada:
Amaral, António ( 1996). "Titã, Flecha e os demais", in História da BD Publicada em Portugal, 2ª
parte, Edições Época de Ouro, Vila Real de Santo António, 1996, p. 18 ISBN
972-96627-1-1
Menezes, José de Azevedo e (2013). O Papagaio, Um Estudo do que foi uma grande
revista infantil portuguesa, Damaia, Bonecos Rebeldes. 2013, 4ª ed. rev. e
corr. ISBN 978-989-8137-47-0
Menezes, José de Azevedo (2010). O Grande camaradão de todos os sábados. Lisboa, Bonecos Rebeldes.
Leonardo de Sá e António Dias de Deus, Cavaleiro Andante, Editorial Notícias,
1999.
Manuel Caldas (org.). O Mosquito: de como Nasceu e Viveu, Edições Emecê, Porto, 1993.
[1] A Empresa
editou a revista Titã, a sua parceira
Flecha, e anda muitos outros coleccionáveis
em livros e fascículos na área da Banda Desenhada. Alguns exemplos: Buffalo Bill (capas coloridas, 32 páginas de
texto, uma aventura completa), Colecção Capuchinho Vermelho - Obras de E. T. Coelho, fascículos de "A
Grande Ameaça", a primeira aventura de Lefranc criada por Jaques Martin
para o Journal de TinTin, etc. Ficou ainda conhecida pela publicação de
uma colecção em formato de bolso intitulada
" Mosaico" destinada a divulgar "pequenas obras de
grandes autores".
[2] A
rotogravura é uma técnica de impressão cujo nome deriva da forma cilíndrica das rotativas que
permitem a aplicação de tinta de forma uniforme nos suportes impressos. Se bem
que se trate de um processo relativamente mais dispendioso que o mais moderno
"offset", permite uma gama de tonalidades (a preto e branco e a cores
) mais rica e com mais qualidade. As
cores parecem aguareladas, o que potenciou o efeito estético das criações
do principal ilustrador
das capas que foi Vítor Péon.
[3] Cfr.
António Amaral, "Titã, Flecha e os demais", in História da BD Publicada em Portugal, 2ª parte, Edições Época de
Ouro, Vila Real de Santo António, 1996, p. 18.
[5] O mais
provável é que a autoria dos desenhos seja de
Chott (Pierre Mouchot). A seu favor temos a afirmação do próprio
Director da revista em resposta a um leitor, no nº 5, p. 2, que indica o francês como o ilustrador de
Marco Polo. Sabemos hoje que quer Mairani quer Chott se encarregaram de dar vida ao personagem. Contudo,
António Amaral op.cit. p. 18 refere
que as aventuras de Marco Polo publicada no Titã
são ilustradas por Alvaro Mairani.
[7] Tal
divulgação não é pioneira, como sabemos. Aliás
a recepção em Portugal de alguns heróis da escola franco-belga está
longe de ser tardia . Recorde-se que TinTin , que começou a ser publicado no Petit Vingtiéme a 10 de Janeiro de 1929,
concretiza a primeira incursão numa língua que não o francês, justamente em
Portugal. Acresce outra estreia
absoluta mundial que foi a sua publicação a cores. Tal aconteceu no semanário infantil O Papagaio (1935-1949) no seu nº 53 de 16 de Abril de 1936, com o início da
aventura "TimTim na América do Norte". As aventuras de
"TinTin", da sua cadela RonRom (Milú), do capitão Rosa (Haddock) e
do Professor Pintadinho (Tornesol) prolongam-se em mais oito aventuras
publicadas no jornal dirigido por Adolfo Simões Müller. Refere José Azevedo e
Menezes no seu estudo sobre O
Papagaio que parte dos direitos de autor pagos a Hergé, pelo Director da
revista, foram traduzidos em bens alimentares enviados para a Alemanha, onde um
irmão de Georges Remi estava preso.
[8] Curiosamente,
quando a aventura começou a ser publicada no Titã, em Março de 1955, não havia ainda sido concluída na Eagle.
[9] Frank
Hapson, por razões de saúde, viu-se
obrigado a abandonar várias aventuras de
Dan Dare, entre 1952 e 1955, que foram
continuadas por vários dos seus colaboradores (Harold Johns, Don Harley ou
Desmond Walduck).
[10] A Eagle era impressa em rotogravura, numa
máquina especialmente construída para o efeito, sendo 4 das suas 20 páginas
inteiramente a cores, designadamente a capa e a contracapa, cujo tom esmaecido
e aguarelado das cores foram uma das suas marcas distintivas. Tal como no Titã, aliás...
[11] Recorde-se
que Vítor Péon havia acompanhado Roussado Pinto na sua primeira (e extraordinária) aventura chamada Pluto, em 1946, e acabaria
depois por vir a colaborar com ele no Mundo
de Aventuras.
[13] Cfr. José
Pires, " O Génio dentro da Garrafa, Roussado Pinto" in História da BD Publicada em Portugal, cit.
p. 14
[16] São os
casos das reportagens publicadas em livro Eu
fui Vagabundo, 1961, e de algumas ficções policiais sob pseudónimo de Ross
Pynn. Falta um estudo sobre essa
personalidade fascinante que foi
Roussado Pinto. Esteve presente, ora como Director, ora como simples
colaborador e tantas vezes a coberto de uma miríade de pseudónimos, em praticamente todas as publicações juvenis (e de banda desenhada)
publicadas em Portugal após o fim da II Guerra Mundial e até aos anos 80. Mas
foi também jornalista no efémero Diário
Ilustrado, escritor de centenas de
obras de ficção policial, ficção científica e reportagem e terminou os seus
dias à frente desse “insólito, impossível, fantástico, espantoso” Jornal do Incrível !
Ricardo Leite Pinto
Boa tarde.
ResponderEliminarPenso que houve um engano, refere que surgiu em 1954 e que acabou em 1945.
Não será ao contrário?
Cumps
Eduardo
Tem razão. Há um lapso no 1º parágrafo. A revista acabou em 1955 e não 1945. Obrigado pelo reparo.
ResponderEliminarCumprimentos