quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Marlboro boys.

 
 
 













Tem havido tanta violência e morte por esse mundo fora – Gaza, Síria, Ucrânia, a queda do avião da Malaysian Airlines, o vírus do Ébola – que Fred Ritchin se interroga, num artigo da Time, até que ponto deveremos ser tão expostos ao sofrimento dos outros. Professor na Universidade de Nova Iorque, o argumento de Ritchin a favor da publicitação da violência é convincente, ainda que previsível. Mas há coisas que nos tocam de maneira muito diferente. Ver uma retrospectiva no 10º aniversário do massacre de Beslan, como esta aqui, perturbou-me ao ponto de não querer sequer escrever sobre aquelas imagens, sobre o luto que por ali persiste – e que persistirá até ao fim. Na sede da Caixa Geral de Depósitos foi inaugurada há dias uma exposição fotográfica, imagens de meninas obrigadas a casar precocemente, contra a sua vontade. Too Young to Wed. Neste caso, o que nos incomoda é a exibição da vida matrimonial, na sua aparente normalidade. Também aqui, com os meninos fumadores da Indonésia, não se mostra nada particularmente cruel, pelo menos à superfície. Não há sangue, não há lágrimas. Tudo normal. Apenas crianças a fumar cigarros, num país onde 60% da população masculina é fumadora e onde muitas dos rapazes começam a fumar… aos quatro anos. Não se fale, aqui, neste caso concreto, de autodeterminação pessoal e de liberdade na vida privada. O que mostra este trabalho Marlboro Boys, da fotógrafa canadiana Michelle Shiu, é tão violento como as imagens de sangue e dor. Na Indonésia, a cultura de tabaco é importante para a economia, mas por todo o Extremo-Oriente se fuma desalmadamente. As multinacionais tabaqueiras, sentindo-se ameaçadas pelas leis antitabágicas do mundo «civilizado», direccionam agora os seus investimentos para roupas e acessórios (a Marlboro é quase tanto uma marca de vestuário como de cigarros), enquanto apostam forte – e feio – em novos mercados. Isto não é economia de mercado, é crime organizado. Que deveria ser punido como tal, o que jamais acontecerá num país tão dependente do cultivo do tabaco – e que despreza desta forma tão cruel a vida dos que nele vivem.
 
 
 

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