Aqui, no Ebay, passe a publicidade, está à
venda uma fotografia de uma vozearia de bruxaria, em que Dona Silvina,
apresentada como «a mais conhecida bruxa de Lisboa», é interpelada nos idos de
1966, inícios de 1967.
Um caso de bruxaria no Estado Novo, já
agora, como curiosidade histórica:
SUPREMO TRIBUNAL de JUSTIÇA
Acórdão de 11 de Dezembro
de 1957
Processo n.º 29.755
In Boletim do Ministério da Justiça, nº 72, Janeiro de 1958, pp.
349-357.
Acordam
em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:
Conceição Gomes,
identificada nos autos, foi acusada pelo Ministério Público, no 3º Juízo
Correccional da comarca do Porto, no que foi acompanhado por António Luís Gomes
Ferreira, e Glória Maria de Jesus, na qualidade de assistentes, de haver
cometido os crimes previstos e punidos pelos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº
32.171, tendo ainda em atenção o § 1º do primeiro destes preceitos de lei; e
isto por dos autos resultar que, desde há anos, à data da instauração deste
processo, na área do concelho de Matosinhos, ora em sua casa, ora em casa de
outras pessoas, a ré observava e tratava com fins lucrativos, diversas doentes,
praticando assim actos próprios da profissão médica, e intitulando-se vidente,
também com idênticos fins, empregava medicações e práticas como defumadouros e
rezas, destinadas a sugestionar pessoas fracas de espírito.
Indiciadas
por despacho com trânsito em julgado, seguiu o processo seus trâmites, vindo a
ré a recorrer do despacho em que foram admitidos os assistentes que se
conformaram com a acusação pública, do despacho que julgou as partes legítimas,
do que julgou inaplicável a amnistia concedida pelo Decreto-Lei n.º 39.187, à
infracção prevista pelo citado artº 15, e ainda do que admitiu a depor a
testemunha Palmira Ferreira dos Santos Jorge.
Todos
estes recursos foram admitidos para subir com o que se viesse a deduzir da
sentença final.
Nesta
foi apreciada a conduta da ré, dando-se por improcedente a acusação quanto ao
referido crime do artº 15, e procedente quanto à outra infracção, e deste modo
condenada em seis meses de prisão e seis meses de multa a 50$00 por dia, no
imposto de justiça de 1.000$00, e na indemnização de 800$00 à assistente
Glória, sendo a prisão substituída por multa nos termos do n.º 5º do artº 94º
do Código Penal.
Deste
sentença recorreram os dois assistentes, bem como a arguida.
De
todos os recursos tomou conhecimento a Relação, negando-lhes provimento na sua
maioria, e concedendo em parte a outros e assim decidiu que a amnistia invocada
era inaplicável, que o depoimento da testemunha Palmira era de admitir, sendo
por consequência atendível, e revogou a sentença – quando julgou improcedente a
acusação pelo crime do citado artº 15º, por a julgar provada, como provada
julgou a respeitante ao outro delito, pelo que alterou a pena aplicada, e
condenou a ré em dezoito meses de prisão, e outro tanto de multa a 50$00 por
dia, correspondendo a cada crime nove meses de prisão e nove meses de multa
indicada, elevando-se para 2.000$00 o imposto de justiça, fixado em primeira
instância, manteve-se a indemnização arbitrada, e mais se condenou a ré em
1.500$00 de imposto de justiça, e em 500$00, de procuradoria.
Deste acórdão, de novo, esta
recorreu, procurando, demonstrar na sua minuta que a infracção do artº 15 do
Decreto-Lei n.º 32.171 se acha amnistiada pelo Decreto-Lei n.º 39.187, porque
dando-se por averiguada a profissão de vidente que no seu entender existe, para
a qual se não exige título, de duas, uma, ou não se está em face desse
exercício ilegal dessa profissão, e não existe crime, ou se está em face desse
exercício ilegal, e então a respectiva conduta acha-se abrangida pelo referido
decreto; que quanto ao depoimento da testemunha Palmira, o problema foi mal
posto, porque o que sustenta é que por não se discriminarem as testemunhas a
depor em referência a cada crime, a acusação não tinha o direito de arrolar
quinze testemunhas, pelo que as inquiridas além das oitos não seriam de
admitir, e os seus depoimentos devem-se haver como não escritos (artº 635º do
Código de Processo Civil), pois que, sendo as testemunhas comuns aos dois
delitos, o seu número não podia excedes a oito, de maneira que os nomes das que
excedem esse número, se consideram não escritos, e por se ter decidido o
contrário se recorreu. Ainda alega que os elementos de facto constantes do
despacho de pronúncia não são, por si, suficientes para configurar a infracção
do citado artº 12º e os elementos que serviram de base à sua condenação não
constavam da indiciação, pelo que esta, por este delito era legalmente
impossível por só os primeiros serem de considerar; que a do artº 15º também
não se acha configurada pelos factos constantes do acórdão recorrido, e nesse
sentido expõe o que entende por vidente, e por sugestionar; considerando
ridículo que em face dessa exposição, com os simples factos indicados, se
configurasse esse crime, achando-se estes incluídos na prática do espiritismo,
pelo que já foi absolvida por ser legítima essa prática confessional, havendo
assim caso julgado. Por fim, alude à pena, entendendo que ainda que fossem de
julgar provados esses crimes, nada obstava a que se usasse, como se usou, em
primeira instância, da faculdade do nº 5 do artº 94 do Código Penal, visto a ré
se apresentar com uma personalidade socialmente
valorizada, merecendo um tratamento pessoal consentâneo. Formula depois
as seguintes conclusões: que a infracção do artº 15º do Decreto-Lei n.º 32.171
está aministiada pelo Decreto-Lei n.º 39.187; que, nos termos do artº 635º do
Código de Processo Civil , a referida testemunha Palmira não podia ser
inquirida, porque não se tendo feito na queixa a discriminação das testemunhas
pelos dois crimes, sendo assim oferecidas genericamente, e em comum, quanto aos
dois delitos, o número dessas testemunhas não podia exceder oito, razão por que
o nome dessas testemunhas se teria de haver como não escrito, e as mesmas como
não oferecidas; que provido o recurso quanto à audição dessa testemunha, seria
de anular todo o processado que depois se seguiu; que os elementos de facto
constantes do despacho de pronúncia eram insuficientes para integrar o crime do
citado artº 12º, por faltar o elemento material – método ou processos que
tenham por fim a cura de estados mórbidos ou incómodos de saúde; que o acórdão
da Relação também não lhe faz referência pelo que o crime não se acha
configurado; que o crime do artº 15º sofre dos mesmos vícios, porque da matéria
apurada não resulta, conforme se diz na pronúncia, que a ré se intitulasse
vidente, que esta actuasse nessa qualidade, e que tenha sugestionado alguém,
muito menos doentes, e muito menos ainda doentes alienados, que são os doentes
a quem a sugestão, como método terapêutico, se aplica; mais diz que a pena
aplicada foi severa, mesmo a ser admissível a condenação pelos dois crimes, em
face das atenuantes provadas, e nada impede que se use da faculdade concedida
pelo n.º 5º do artº 94º do Código Penal.
Na sua
contra-alegação a assistente Glória Maria de Jesus procura sustentar o decidido
por entender haverem sido obscuras todas as disposições legais, pelo que reputa
de absoluta justiça a confirmação do acórdão recorrido.
O
digno Procurador da República junto da Relação entende que a amnistia não tem
aplicação ao caso indicado, que a acusada infracção dos artºs 388 do Código de
Processo Penal e 635º do Código de Processo Civil, era de considerar sanada por
não influir na decisão da causa. Entende mais que a actividade da ré não pode
preencher ao mesmo tempo os elementos dos dois crimes; que a matéria de facto
assente pela Relação, integra sem qualquer constrangimento, a infracção do artº
12º, já o mesmo não lhe parecendo no que respeita ao outro crime, mas que em
qualquer caso a ré não pode ser condenada por concurso real de crimes, e por isso se pronunciou de princípio
pela confirmação da sentença de primeira instância, embora lhe pareça benévola
a pena que então se aplicou.
O
excelentíssimo Ajudante do Procurador-Geral da República junto desta secção é
de parecer que as duas infracções são autónomas, e com autonomia se podem
punir, o que de costume, proficientemente procura demonstrar, e neste processo
assim são de considerar por a ré, em épocas diferentes, e em relação a pessoas
diferentes, Ter praticado actos que preenchem o crime continuado do exercício
ilegal de medicina, e actos de bruxedo e charlatanismo contra a crendice
popular que integram o segundo crime pelo que, existindo o cúmulo real de
crimes, a decisão recorrida é de manter.
Tudo
visto e ponderado, cumpre decidir:
Várias
questões são levantadas, sendo estas em número de seis que, antes de se entrar
na apreciação da matéria relativa às infracções acusadas, convém decidir,
podendo-se resumir nas seguinte:
Aplicação
da amnistia concedida pelo Decreto-Lei n.º 39.187 à infracção do artº 15º do
Decreto-Lei n.º 32.171;
Admissão
do depoimento da testemunha Palmira contra o disposto no artº 635º do Código de
Processo Civil;
Os
crimes acusados não se acham devidamente configurados na indiciação:
Impossibilidade,
neste caso, de a outros elementos se atender para condenar;
Caso
julgado; e
Não
pode a actividade do agente preencher, ao mesmo tempo, os elementos dos dois
crimes.
1ª -
Pelo n.º 3 do artº 1 do citado Decreto-lei n.º 39.187 são amnistiados os crimes
de exercício ilegal de profissão, quando a ilegalidade não resulta da falta de
título.
Embora
na indiciação se faça referência ao facto da ré se intitular vidente, não é o
mesmo elemento essencial do aludido crime do artº 15º do Decreto-Lei n.º
32.171, porque além dessa actividade não constituir profissão, o que aí se
pretende punir são os actos praticados com charlatanice em que se procura
explorar a boa fé do público, sendo estes de punir quer sejam praticados por
magnetizadores, ocultistas, videntes, etc., ou não, porque de uma maneira
geral, todos são punidos, desde que tenham por fim sugestionar doentes. Não é
assim para este efeito o nome com que se praticam os actos a que se tem de
atender, porque o que interessa são os actos praticados.
Ora os
actos atribuídos à ré para configurar este crime não dizem respeito a exercício
ilegal de profissão, por serem actos de charlatanice com o fim indicado e essa
actividade não tem possibilidade de ser considerada como profissão, o que é o
bastante para não se achar amnistiado por esse preceito de lei.
2ª A
inquirição da testemunha Palmira Ferreira dos Santos Jorge foi devida ao ser
indicada na queixa em 11º lugar.
Nos
termos do artº 388º do Código de Processo Penal, o número das testemunhas de
acusação não pode exceder oito por cada infracção, e como as infracções eram
duas, foram indicadas quinze testemunhas, pelo que não se excedeu esse número,
e era de concluir que parte fosse destinada à prova de um crime, e a outra à do
segundo.
Não
se fez a discriminação no rol, como seria normal, para evitar inconvenientes,
mas por então não se ter feito, não se segue que tempestivamente se não viesse
a fazer, falta essa que a considerar-se irregularidade, podia ter sido
reclamada, e desde que o não foi, era de reputar suprida por não influir por
não influir no exame ou decisão da causa (artº 100º e §§ do Código de Processo
Penal).
Em
julgamento, no entanto, tudo se esclareceu; levantada a questão pelo digno
advogado da ré, fez-se essa discriminação, tendo-se reconhecido que haviam sido
inquiridas sete testemunhas em referência a ambos os crimes, e que por
consequência ainda podia depor mais uma relativamente à infracção do artº 15º,
pelo que se admitiu esta testemunha em oitavo lugar (acta de fls. 367 vº). O
número legal não fora excedido, e portanto o seu depoimento era de apreciar.
O
facto das testemunhas haverem sido arroladas genericamente, não levava a
presumir que fossem destinadas a produzir prova sobre os dois crimes, visto a
lei ser bem clara ao estabelecer que o número das testemunhas, neste caso, não
podia exceder oito por cada infracção.
Ora se
essa discriminação não estava feita, se o número total das testemunhas não foi
excedido, se conta essa falta se não reclamou, não havia possibilidade, antes
de se fazer a discriminação, de saber se era excedido ou não, isto é, se as
testemunhas arroladas eram ou não comuns, como a recorrente pretende, aos dois
delitos, e por consequência não era de considerar não escritos os nomes das testemunhas
que no rol ultrapassassem o limite de oito, e muito menos neste caso era de
desprezar esse depoimento por se ter verificado que só sete haviam sido
inquiridas sobre ambos os crimes.
Mas
além do exposto o tribunal tendo conhecimento de novos elementos de prova que
manifestamente possam influir na decisão da causa, pode ordenar que se produzam
(artº 443º do Código de Processo Penal), e com este fundamento podiam ser
ouvidas outras testemunhas, não competindo a este Supremo Tribunal
pronunciar-se sobre a utilidade ou necessidade desses novos elementos (acórdãos
deste Supremo Tribunal, de 10 de Outubro de 1956, Boletim n.º 60, pág. 539, de 5 de Janeiro de 1955, Boletim, n.º 47, pág.299, e 7 de Julho
de 1954, Boletim, n.º 44, pág.97 e
notas a este acórdão).
Não há
portanto, motivo legítimo para anular qualquer parte do processado.
3ª e
4ª - O despacho de pronúncia transitou em julgado e por este foi a ré
incriminada nos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei n.º 32.171.
Alega-se
que não se acham no mesmo devidamente configurados esses crimes, o que já não
interessa, apesar de não ser inteiramente exacto, porque de uma maneira geral
são aludidas observações e tratamentos com fins lucrativos em diversos doentes,
praticando-se actos próprios da profissão de médico, e com iguais intuitos
empregavam-se medicações e práticas, especializando-se algumas, com o fim de
sugestionar pessoas fracas de espírito; restava consequentemente, em
julgamento, averiguar se esses actos constantes dos autos que haviam de ser
especificados e apreciados, tinham os fins indicados na lei, e se por
conseguinte eram integradores dos requisitos essenciais dos crimes acusados; e
do apuramento das provas a esse respeito, é que podia resultar ou não, a
configuração dessas infracções. Não se tratava de factos surgidos ou de novo
alegados, mas de factos abrangidos por aquelas expressões, formuladas de uma
maneira geral, pelo que não podiam deixar de ser consideradas.
5ª - A
ré alega que estes últimos factos, mas só indica os que foram especificados, como
exemplo, na pronúncia, constituem prática de espiritismo já foi absolvida, por
se haver como legítima essa prática profissional, pelo que, a este respeito,
existe caso julgado.
No
entanto, como se vê do antecedentemente exposto, não é ela acusada de prática
de actos dessa natureza, mas de outra actividade que de forma alguma
corresponde à qualidade espírita, pelo que essa excepção se não verifica.
6ª -
Finalmente, é de apreciar a questão levantada pelo digno Procurador da
República junto da Relação, de não poder a actividade do agente preencher ao
mesmo tempo, os elementos dos dois crimes.
Não
obstante a esclarecida opinião deste magistrado, em face do que se dispõe no
Decreto-lei n.º 32.171, não se pode chegar a essa conclusão, não sendo o facto
da pena ser igual bastante para a justificar, pois que no artº 12º refere-se a
prática do exercício ilegal de medicina, ao passo que o artº 15º prevê a
prática de actos completamente diferentes, terminando por dizer - «dum modo
geral, todos os charlatães que usem de processos análogos...», o que bem
demonstra que a prática de uns não se pode confundir com a dos outros, são
actuações completamente diversas, e os interesses protegidos diferentes também
são.
Têm
por consequência as duas incriminações inteira autonomia, e punição autónoma,
desde que os actos praticados não se confundam e constituam os elementos desses
dois crimes, sendo praticados em épocas diversas e relativamente a diferentes
pessoas.
Arrumadas
estas questões, cumpre apreciar o objectivo fundamental do recurso.
Vem
dado por provado no acórdão recorrido, em referência à infracção do artº 15º do
citado decreto que a ré, conhecida pela designação de «Bruxa de Leça da
Palmeira», desde há anos com referência a Junho de 1951, data do início do
processo, indo a casa de Vitória, na vida do Paciência, seu marido, fazia aí
sessões de bruxedo, recomendando em certa ocasião a este que, diariamente,
desse nove voltas à eira, três de cada vez, para bem dos músculos e por ser
ordenado por alma do pai, e quando em Setembro de 1951, dava essas voltas,
caiu, levado em braços para casa, veio a falecer nessa noite; depois da morte
deste passou a frequentar a casa da viúva, praticando defumadouros, findos os
quais caía e imitava a voz do Paciência, tomando atitudes estranhas, tendo sido
consultada por estes por trazerem espíritos maus «dentro de si», e aquelas
práticas e rezas eram para os escorraçar. Receitou a Rosa de Araújo, tendo-lhe
esta levado, como lhe recomendara, terra da sua cozinha, uns defumadouros para
fazer à filha que estivera doente, devendo ser acompanhadas de uma reza com
palavras especiais.
Consultada
por Palmira Ferreira, indicou-lhe penitência que teria de cumprir para o fim
desejado, contando esta que a ré começou a esfregar os olhos a abrir a boca e a
estremecer, e doutra vez receitou-lhe uns defumadouros, e o recitativo de
certas palavras; e consultada por Maria da Conceição por uma sua filha estar
doente, benzeu a terra da sua casa que lhe levara por sua recomendação, e
ordenou que a deitasse ao rio acompanhada das seguintes palavra: «Rio e mar,
terra da minha casa te venho deitar para todo o bruxedo e encanto da minha casa
passar».
Mais
vem provado que por todos estes conselhos, consultas, e práticas, recebia
quantias em dinheiro variáveis, quantias essas que são devidamente indicadas.
Vê-se
assim que não eram só defumadouros e rezas que aconselhava, mas praticava
actos, exibições, e indicava processos de panaceia,
visto que todos os indivíduos a quem os patenteava eram doentes físicos ou
de espírito; e assim para excitar os músculos aconselhava passeios, e em tal
estado se encontrava o paciente que por virtude dos mesmos caiu, vindo a
falecer nessa noite; fazia ao mesmo tempo sessões de bruxedo, representando
cair, e tomando atitudes estranhas, e para mais valor dar às suas palavras
procurava imitar a voz de defuntos, ou então dizia, as proferia, por ser
ordenado por alma destes; simultaneamente aconselhava que essas práticas fossem
acompanhadas de expressões para lhes imprimir a virtude do que procurava
conseguir, de que o antecedentemente especificado é bem significativo.
Os
defumadouros que indicava eram, algumas vezes, destinados a escorraças os
espíritos maus, vistos os respectivos consulentes se queixarem de os possuir.
Todos
estes actos são de pura charlatanice, vendo-se das exibições que fazia que
procurava representar poderes que não tinha, o que é próprio da sua qualidade
de bruxa, para mais facilmente serem acreditadas, e fazer nascer no espírito
dos que a procuravam a esperança de cura dos males que os afligiam, e assim com
estes processos, e neste sentido, os pretendia sugestionar.
São
estes os factos punidos pelo mencionado artº 15º, e isto quer sejam praticados
sob a designação de magnetizadoras, ocultistas, videntes, etc., ou de
semelhantes, por todos serem punidos, desde que sejam empregados com esse fim.
E
sugestionar não é empregado na lei como meio terapêutico, mas com o significado
vulgar de fazer nascer a convicção de que tem poderes para dar remédio aos
males apresentados, e muito menos era de lhe atribuir esse sentido, dada a
disposição do artº 12º do mesmo decreto.
Em
resumo, a ré, como bruxa, qualidade semelhante à de vidente, quiromante, ou
charlatão, empregou práticas ou processos com os quais procurou sugestionar
esses doentes, e assim justificada está a incriminação pelo preceito do citado
artº 15º.
Quanto
à outra infracção, ou seja a do artº 12º, a matéria de facto apurada consiste
em que a ré, durante o tempo indicado, praticava o tratamento de pessoas
doentes, chegando a fornecer receitas aos consulentes, o que fazia com fins
lucrativos, e sem possuir qualquer título.
Vê-se
assim que, sem interrupção, a recorrente, desde há muito, aplicava a sua
actividade a tratar doentes, e a formular receitas, o que são actos próprios da
profissão de médico; e aquele que os praticar sem qualquer título ou sem título
bastante, está sujeito à sanção do mencionado preceito de lei que abrange não
só os actos praticados nesse sentido com o fim de alcançar a cura de estados
mórbidos ou incómodos de saúde, mas qualquer outro acto próprio dessa
profissão. E, como se disse, os actos praticados são dessa natureza, pelo que a
incriminação por essa disposição de lei se justifica.
E para
melhor elucidação do seu procedimento foi dado como provado que Júlia Ferreira
dos Santos consultando-a, a mesma lhe receitou umas untadelas de petróleo para
cura de um eczema que trazia numa perna, que veio a inchar e a infeccionar-se
com essa aplicação, e este facto bem revela os meios de que se servia para
conseguir os provados lucros com a prática desses tratamentos. Acham-se deste
modo devidamente configuradas as duas infracções, na forma continuada, pelo que
a recorrente, como sua autora, não podia deixar de sofrer a respectiva punição.
Não é
prejudicada por qualquer agravante, e é beneficiada somente pela atenuante do
bom comportamento, a que tem de se dar certo relevo por vir provado que é
caritativa, esmoler, boa pessoa e boa mãe, o que também influi na sua
personalidade, a considerar por consequência, de conformidade com o artº 84º do
Código Penal; mas longe porém de se poder reputar com uma personalidade
socialmente valorizada, dada a forma como se tem conduzido, praticando esses
actos reprováveis à face da lei e da moral, o que mais intenso torna o dolo,
entendendo-se no entanto por ser justo, visto nada constar de prejudicial do
seu certificado do registo criminal, que deve ser tratamento menos severo.
Neste
entendimento, aplica-se à ré, em cúmulo jurídico, a pena unitária de 12 meses
de prisão, acrescida do cúmulo material das multas, correspondendo a cada um
dos crimes 8 meses de prisão e igual tempo de multa à razão de 30$00 por dia,
de modo que além da indicada prisão, são-lhe aplicados 16 meses de multa do
mencionado quantitativo.
Nestes
termos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão recorrida,
alterando simplesmente a pena pela forma indicada.
Tem a
recorrente de pagar 1.000$00 de imposto de justiça.
Lisboa,
11 de Dezembro de 1957.
Júlio
M. de Lemos (Relator) (Vencido, em parte, por entender que o
segundo crime não se acha devidamente configurado por não se terem especificado
no acórdão recorrido as práticas ou observações feitas para tratamento de
pessoas por qualquer método ou processo que tenham por fim a cura de estados
mórbidos ou incómodos de saúde, sendo os actos praticados dados como provados
insuficientes para se qualificarem como qualquer outro acto próprio da
profissão de médico, visto as receitas referidas nada esclarecerem, dada a sua
simplicidade, e o caso de Júlia Ferreira dos Santos, há muito passado como
isolado, não era de considerar, por se achar prescrito o respectivo
procedimento penal) – Piedade Rebelo – Eduardo Coimbra.
Sem comentários:
Enviar um comentário