quinta-feira, 25 de abril de 2013

O pior escultor do mundo.

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Nascido em 1887 e falecido em 1970, Emmet Sullivan merece, inquestionavelmente, o título de o pior escultor do mundo. Há pouca informação sobre este grande génio do pavor. Diz-se que participou na edificação das estátuas do Mount Rushmore, obra a que Simon Schama dedica algumas páginas de um dos melhores livros que li na vida: Landscape and Memory (existe tradução brasileira). Depois disso, o grande Emmet Sullivan fez trabalhos absolutamente notáveis. O primeiro projecto em larga escala em que pôs as mãozinhas foi o Dinossaur Park em Rapid City, South Dakota, obra de 1934. Continuaria a deixar a sua marca indelével por terras do Dakota do Sul, desta feita na cidade de Wall, com uma recriação tenebrosa de um Apatosaurus, estrategicamente colocada junto a um centro comercial. Como se não bastasse, atacou no Arkansas, em Beaver, com mais esculturas de dinossauros. Estas para um parque temático chamado Dinossaur World. E fez uma foca king-size, mas não falemos em mais desgraças e devastações.
 
 
 


 

 
         A sua obra mais conhecida seria, no entanto, o Christ of the Ozarks.  Com mais de 20 metros de altura, é a desgraça que podem ver ali em baixo. Grotesco, porquê? Fica em Eureka Springs, no Arkansas. Foi erigida em 1966 e constitui um dos «Sacred Projects» que  Gerald L. K. Smith decidiu legar à posteridade. Smith acompanhou o governador e, mais tarde, senador da Louisiana, Huey Long, alcunhado de «Kingfish», no lançamento da iniciativa Share Our Wealth. Huey Long era um político do Partido Democrata, de tendências populistas, que quis tirar partido da Grande Depressão e propunha limites drásticos, severíssimos, à acumulação de riqueza. O lema era elucidativo «Every Man a King (But No One Wears a Crown). A coisa acabou mal: em 1935, Long foi baleado em Baton Rouge. E morreu. Depois da sua morte, o controlo do Share Our Wealth passou para as mãos de Gerald Smith, um demagogo que liderou a caricata Christian Nationalist Crusade, que baseava o ódio aos judeus nos Protocolos dos Sábios do Sião (um texto forjado que ainda hoje é citado como verdadeiro nas páginas do nosso Avante!). Fundou o American First Party em 1944, um partido defensor do isolacionismo, candidatou-se à Presidência mas, previsivelmente, sem grande sucesso. É curioso notar que aquilo que começara por ser um populismo de esquerda, pela mão de Huey Long, resvalou num movimento racista nos braços do clérigo Gerald Smith, sacerdote de um grupo religioso intitulado Disciples of Christ, que em 2011 reclamava ter 661.544 seguidores. Smith defendia a supremacia branca, era anti-semita e chegou a integrar uma organização paramilitar pró-nazi denominada Silver-Shirts, cujo nome se inspirava nas Camisas Castanhas de Adolf Hitler.

         No pós-guerra, Smith bateu-se com fervor e militância pela libertação da elite nazi que aguardava julgamento em Nuremberga. Em 1955, voltou a meter-se em trabalhos e campanhas, desta feita contra uma lei de saúde mental do Alasca que, segundo os seus adversários, visava transformar o imenso e gélido território comprado à Rússia numa Sibéria americana. A lei era chamada, aliás, de «Siberia Bill» e Smith e os seus correligionários acreditavam que se tratava de uma conspiração comunista para capturar os bons cidadãos dos U.S.A. e fazer-lhes lavagens ao cérebro. Ainda hoje a Cientologia invoca o exemplo daquela lei na sua cruzada contra a psiquiatria.
 
 
Gerald L. K. Smith e Senhora
 


         Retirado destas lides insanas, Gerald Smith comprou uma propriedade em Eureka Springs, no Arkansas. Mestre do empreendedorismo, como agora se diz, Smith planeava construir aí um parque temático religioso. Entre outras megalomanias, o projecto contemplava uma reconstituição, em tamanho real, da cidade de Jerusalém. Portanto, Jerusalém em Eureka Springs, Arkansas. Vá-se lá saber porquê, Smith não chegou a concretizar esta bonita e piedosa ideia. Um seu biógrafo refere que a fortuna pessoal de Smith era de cinco mil dólares mas que, em terras do Bible Belt,  conseguiu angariar um milhão (!) para erigir a estátua de Cristo, ao pé da qual o nosso Cristo-Rei de Almada é, em beleza e leveza, uma Pietà de Michelangelo. Além do Cristo atarracado e macrocéfalo, Smith conseguiu construir um anfiteatro com mais de 4.000 lugares para representar cenas da Paixão, numa cópia descarada e desastrada da festa que todos os anos se realiza em Oberammergau, na Alemanha. Ainda hoje esta Disneylândia religiosa organiza representações regulares da Paixão de Cristo, uma ópera de kitsh e mau-gosto, mas extremamente popular. Diz a publicidade que The Great Passion Play é o drama ao ar livre mais visto da América, com 7,6 milhões de visitantes desde 1968. No TripAdvisor, obtém quase a pontuação máxima. Um must-see, é o que aí dizem. De facto, dotada de efeitos cénicos espectaculares, de um guarda-roupa cuidado e de uma reconstituição fidelíssima dos primeiros tempos d.C., The Great Passion Play é irresistível. Contemplai a estética da coisa, ó pastorinhos vindos de longe:  






 
 
 

 
 
 
 
         Falando em mau-gosto, é tempo de regressar à estátua de Emmet Smith. Colocada no topo da Magnetic Mountain (!), uma elevação no terreno que confere patética grandiosidade à risível estatuária de Smith, aí está o belíssimo Christ of the Orzaks. Na sua base, as sepulturas de Gerald Smith, falecido em 1976, e de sua mulher. Junto às campas, estão permanente a ser tocados hinos religiosos. Tudo uma maravilha. A estátua aí está, embelezando o Arkansas e imortalizando Emmet Sullivan, o seu criador, que, note-se, a construiu à mão. Desproporcionada, com um Cristo enfastiado, de olhar mortiço, a escultura de Sullivan evoca o conradiano Heart of Darkness e o seu dito celebérrimo: The horror... the horror...».
 
 
 
 
 

 
 


 

 
 
 
 
        Um crítico de arte, daqueles sempre com a mania de criticar, chamou-lhe «a milk carton with a tennis ball stuffed on its top». Ao que parece, a estátua precisa de reparação e pede-se um donativo de 10 dólares para financiar a obra. Seria uma pena, de facto, que o Christ of the Orzaks desabasse. Ele diz-nos muito sobre a mentalidade de alguma América profunda, a personalidade político-religiosa que um dia imaginou este parque temático  e, enfim, sobre o génio artístico de Emmet Sullivan, que está para a Escultura como  Ed Wood está para o Cinema. O filho de Emmet Sullivan fala com orgulho da arte do pai, provando que a devoção filial é um sentimento bonito e profundo. Tão profundo que cega.
 
 
António Araújo 
 
 
Emmet Sullivan, Jr., posando, orgulhoso, junto a uma das obras do seu pai


3 comentários:

  1. "Seria uma pena, de facto, que o Christ of the Orzaks desabasse."

    Isto só pode ser ironia sua. Pretender mantê-lo pelos motivos que você aponta seria como pretender manter a KKK e algumas outras aberrações americanas.

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  2. Olha os dinossaurios de Rapid City. Fui lá por causa de um texto no "Motel Chronicles" de Sam Shepard. Inspirador malgré tout.

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  3. O escultor buscou inspiração nos pinguins para pintar de branco o peito e a barriga dos dinossauros.

    Ou terá sido inspirado por este Oldsmobile?
    http://www.442.com/vcs/1900_1963/O12.jpg

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