.
.
Não
vi ainda a exposição sobre Clarice Lispector na Gulbenkian, nem sei se lá
contam a seguinte história da sua vida:
Clarice morreu em 9 de Dezembro de
1977. Na véspera, uma hemorragia imensa fazia prenunciar o fim. Levantou-se da
cama, em direcção à porta do quarto, querendo sair dali. À enfermeira que a
impediu, gritou: «Você matou meu personagem!». Clarice não pôde ser enterrada
no dia seguinte ao da morte – o dia do seu aniversário –, pelo que o funeral foi
realizado a 11. Na lápide tumular, além do seu nome, em hebraico estavam as palavras: «Chaya bat
Pinkhas».
Há uns anos, Benjamin Moser escreveu
uma biografia de Clarice Lispector, daquela que um dia disse: «Vai ser muito
difícil alguém escrever minha biografia, se escreverem». Benjamin Moser
escreveu-a, e é um livro notável: Why This World, saído no Brasil apenas com o título Clarice.
Conta Moser que só muito tempo depois da morte de Clarice Lispector alguém percebeu o significado
da inscrição hebraica: Chaya bat Pinkhas. Chaya, filha de Pinkhas. Ao chegar ao
Brasil, todos os membros da família Lispector mudaram de nome. Chaya tornou-se Clarice e
o nome original não mais foi recordado. Com ele viria também a recordação de que a
sua mãe havia sido violada pelos russos, que contraíra sífilis em resultado dessa
barbárie, e que Chaya fora concebida, contra tudo o que era aconselhável, estando
a sua mãe doente. Nomes escondidos, enigmas e ocultações, de todos esses mistérios se fez a sua prosa tão poderosa. Clarice nasceu, viveu e escreveu sempre contra tudo o que era aconselhável. Chaya,
filha de Pinkhas, cujo nome nunca se soube em vida.
António Araújo
Muito obrigada por este texto. E por tantos outros por aqui.
ResponderEliminar