sábado, 20 de abril de 2013

O mistério Clarice.

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Não vi ainda a exposição sobre Clarice Lispector na Gulbenkian, nem sei se lá contam a seguinte história da sua vida:  
         Clarice morreu em 9 de Dezembro de 1977. Na véspera, uma hemorragia imensa fazia prenunciar o fim. Levantou-se da cama, em direcção à porta do quarto, querendo sair dali. À enfermeira que a impediu, gritou: «Você matou meu personagem!». Clarice não pôde ser enterrada no dia seguinte ao da morte – o dia do seu aniversário –, pelo que o funeral foi realizado a 11. Na lápide tumular, além do seu nome, em hebraico estavam as palavras: «Chaya bat Pinkhas».
         Há uns anos, Benjamin Moser escreveu uma biografia de Clarice Lispector, daquela que um dia disse: «Vai ser muito difícil alguém escrever minha biografia, se escreverem». Benjamin Moser escreveu-a, e é um livro notável: Why This World, saído no Brasil apenas com o título Clarice.
Conta Moser que só muito tempo depois da morte de Clarice Lispector alguém percebeu o significado da inscrição hebraica: Chaya bat Pinkhas. Chaya, filha de Pinkhas. Ao chegar ao Brasil, todos os membros da família Lispector mudaram de nome. Chaya tornou-se Clarice e o nome original não mais foi recordado. Com ele viria também a recordação de que a sua mãe havia sido violada pelos russos, que contraíra sífilis em resultado dessa barbárie, e que Chaya fora concebida, contra tudo o que era aconselhável, estando a sua mãe doente. Nomes escondidos, enigmas e ocultações, de todos esses mistérios se fez a sua prosa tão poderosa. Clarice  nasceu, viveu e escreveu sempre contra tudo o que era aconselhável. Chaya, filha de Pinkhas, cujo nome nunca se soube em vida.
 
António Araújo 
 

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