Os americanos têm uma autêntica
obsessão voyeur por retratos policiais. De frente e de perfil, os mugshots (ou mug shots) integram a paisagem visual dos Estados Unidos. Os
retratos dos famosos são reproduzidos em canecas, t-shirts e mil e um objectos.
Antigamente (creio que já não se usam), existia um tipo de retratos policiais
interessantíssimo, os mirror mug shots,
em que, numa mesma imagem, graças a um jogo de espelhos, se conseguia captar as três dimensões do rosto de um
detido: de frente, perfil esquerdo, perfil direito. A mania é tal que, num interessantíssimo tour pela cultura visual americana, Mark Rawlinson dedica um capítulo (pp. 125s) às imagens da criminalidade,
dividindo-o em dois temas: mug shots e
cenas de crimes violentos. Destas últimas, uma das mais
impressionantes é do grande Weegee, de que já falámos aqui várias vezes. Datada
de 1941, intitula-se Their First Murder.
Foi publicada no livro de Weegee The
Naked City (1945) e mostra um conjunto de adolescentes a contemplar, em
festiva curiosidade, o corpo baleado de um autor de pequenos delitos. No meio,
uma mulher, familiar do morto, chora a sua perda, enquanto ao seu lado crianças
de Brooklyn acotovelam-se para aparecer na imagem. Não se vê o corpo, nem uma pinga de
sangue salpica a objectiva.
Weegee, Their First Murder, 1941
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A mesma curiosidade algo mórbida, mas
agora com traços muito mais perigosos, fez nascer um colossal banco de imagens
(http://www.justmugshots.com/) onde, em poucos segundos, se pode localizar o mug shot de quem quer que seja. Basta ter sido detido, basta ter
sido fotografado numa esquadra, e a sua imagem aparece ali, devidamente
referenciada. A polícia fornece as imagens? Onde está a presunção de inocência?
A abrir o site, os autores defendem-se, alegando «the right to be informed». O
direito de ser informado? Salvo casos excepcionais (figuras públicas, etc),
ninguém tem o direito de ser informado sobre se A ou B foi detido, identificado
e fotografado pelas autoridade policiais. Mais um reflexo do assustador
populismo penal que está a fazer despertar o que de pior existe no coração de
uma certa América.
António Araújo
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