sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Vivian Maier, agora em tribunal.

 
 
Vivian Maier, auto-retrato, 1954



 
Vivian Maier está na moda. Para isso contribui a qualidade extraordinária do seu gigantesco acervo de imagens mas também a história singularíssima desta fotógrafa amadora, avessa a protagonismos, fugidia até ao cúmulo. Como profissão, cuidava de crianças e, sem ninguém o saber, fotografava nas horas vagas. Cenas de rua, pessoas sem pose, locais públicos, um sem-fim de imagens. Morreu em Chicago em 2009, aos 83 anos, sem família, sem dinheiro. Por um acaso, descobriu-se o seu espólio: mais de 100 mil negativos encontrados numa arrecadação. Agora, para adensar o carácter bizarro  de toda a história, abriu-se uma querela judicial em torno da sua herança. Até genealogistas já se encontram convocados para a peleja nos tribunais. Discreta em vida, disputada post mortem, Vivian Maier é um caso perturbante. O mais perturbante de tudo é pensar que, por aqui, aí, podem existir  outras e outros como ela. Quantos espólios se escondem nas garagens e arrecadações deste mundo? Em Portugal, quantos haverá sem que saibamos da sua existência? Quantos se perderam em definitivo, quantos irão ser descobertos daqui a uns meses ou anos? Entretanto, um tribunal de Chicago terá de decidir a quem pertence um património que vale milhões, construído por quem morreu na penúria e no esquecimento. Nestes tempos de tirania da notoriedade, em que todos se acotovelam para «aparecer» e dar nas vistas nas revistas, Vivian Maier foi, acima de tudo, uma mulher livre. Pagou caro por isso, morrendo como sempre viveu, na mais completa solidão; mas, descansem, outros irão pagar ainda mais pelas suas fotografias. Onde estiver, Vivian Maier estará por certo a rir-se do desconcerto deste mundo, que avidamente disputa quem nada fez para ser famosa.  
 
 
 
 
 

 

3 comentários:

  1. Histórias inspiradoras e perturbadoras? Ou a existência do acervo fotográfico pelo aproveitamento do acervo da sua existência, talvez. Provavelmente foi feliz, ou pelo menos, fez como pôde e sabia o que gostava e como gostava. Gosto de descobrir estas histórias e de, em certo modo, viajar pela fotografia ou pelos seus contribuintes. Obrigado pela divulgação e comentários. JA

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  2. Haveria, por aí, algumas VIDAS assim. Exemplo maiores de Humanidade neste Mundo, como diz, onde há muitos ávidos de palco. Estes, os do palco, acabarão no esquecimento, o tal, já experimentado em vida pela Vivian.

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